Vossa
Majestade
Introdução
O título deste
artigo é provocativo. Ouvimos a todo momento “Vossa Excelência”, ou “Vossa
Senhoria” na arena política e nos lembramos do “Vossa Majestade” quando falamos
da Rainha da Inglaterra ou quando falamos de novelas, seriados e filmes. Qual é
o peso do pronome de tratamento “Vossa Majestade” para você? Já pensou nisso? Como
todo e qualquer outro pronome de tratamento, ele visa indicar alguma coisa. O
indivíduo que recebe este pronome encarna aquilo que o tratamento enseja. E não
é difícil compreender a importância dos símbolos. Todos nós, quando temos de
representar nosso time de futebol, usamos um símbolo. Na política e no poder, é
a mesma coisa. Por isso temos brasões, temos bandeiras e temos pronomes de
tratamento para diferentes funções. Usamos “Vossa Majestade” para Reis e
Imperadores. E “Vossa Excelência” para servidores públicos de todas as demais
ordens (executivo, judiciário e legislativo).
O que ninguém
entende é a diferença entre “Vossa Excelência” e “Vossa Majestade”. Porque um é
mais aceito popularmente do que o outro? Quando este debate começou? Sem querer
entrar muito na história, dado que este não é o objetivo deste artigo, é
importante registrar que o debate a cerca de um “líder eleito pelo povo” e um “rei
ascendido ao poder hereditariamente” começou nos idos da Revolução
Francesa. O iluminismo trouxe a Europa do século XVII ideias concernentes a
liberdade individual, direitos civis e separação dos poderes. Na Inglaterra, o
iluminismo representou uma mudança no papel do monarca, que passou a dividir
funções com o Parlamento, acabando assim com a monarquia absoluta britânica. Já
no Continente, muitos monarcas absolutos adotaram ideias iluministas em seus
estilos, o que ficou conhecido posteriormente como “despotismo esclarecido”. Um
entremeio diante da monarquia absoluta e do iluminismo.
Na França, no entanto,
as coisas foram mais radicais. Luiz XVI foi decapitado junto de sua esposa. Um
período “republicano” o sucedeu, com caos em todos os setores e muito mais
decapitações. Caos este que teve fim com a ascensão de Napoleão Bonaparte como
imperador da França. Ironicamente, diga-se. Afinal, aboliram um Rei para terminar
com um Imperador. A monarquia francesa só viria a ser abolida definitivamente
em 1848. Em todo caso, fato é que a ruptura radical entre o absolutismo e o
novo sistema “de liberdades civis” da França revolucionária criaria o que hoje
conhecemos como o debate entre “progressismo” e “conservadorismo”.
Foi na França
revolucionária que os termos esquerda e direita surgiram na política. Aqueles
que se sentavam à esquerda da Assembleia Nacional Francesa eram conhecidos como
os reformadores (jacobinos), que desejavam mudar o sistema vigente como um
todo. À direita na Assembleia, sentavam-se os conservadores e moderados
(girondinos), que inclusive desejavam algumas mudanças, mas não radicais. A pergunta
que fica é: em que momento da história “república” e “democracia” se tornaram
sinónimos? Há muitas possibilidades. Mas a mais provável é que a França criou a
ruptura ideológica e os Estados Unidos serviu de exemplo de ruptura prática. Daí
e diante muitos associariam democracia a república, numa tentativa ainda
revolucionária de relacionar uma coisa a outra. Muito fruto da propaganda
norte-americana e francesa, sem dúvida. Visando fazer frente a poderosa
monarquia britânica, tentaram de tudo fazer com que a monarquia parecesse retrógrada,
antiga, caduca e sem sentido. O debate real sobre o que funciona e o que não
funciona ficou deixado de lado por muito tempo. E por isso, muitos preconceitos
antimonarquistas prevaleceram até hoje.
Pois é neste
contexto que escrevo este artigo. Não para fazer uma rememoração histórica, mas
apenas lógica e conceitual da monarquia. Afinal de contas, o que representa a
monarquia nos tempos contemporâneos? Ela é mesmo inferior a República? Ela é contrária
a Democracia? Ela representa tirania? Todas as monarquias do mundo devem se
abolidas e dar lugar a repúblicas? A república é o futuro e a monarquia o
passado?
Tipos de Monarquia e República
Antes de tudo,
é importante esclarecer ao leitor leigo quais são as diferenças entre os
sistemas. Há tipos de monarquias e repúblicas. E é isso que veremos a seguir:
Ø Alguns
diferentes tipos de Monarquia:
a). Monarquia
absoluta:
É o sistema
que a maior parte dos leitores está acostumado a conhecer. É basicamente quando
o Rei possui o poder de legislador (fazer leis), de executor (fazer a lei ser
cumprida) e de judiciário (julgar a lei). É basicamente o poder total
concentrado numa única figura. Embora as monarquias absolutas não fossem de
fato absolutas, pois o Rei precisava sempre contrabalançar sua força com os
nobres locais e estrangeiros, em todo caso o sistema favorecia o poder real
absoluto. Por isso, este tipo de monarquia ficou conhecido como absolutismo. Exemplos
contemporâneos de monarquia absoluta: Arábia Saudita.
b). Monarquia
absoluta esclarecida:
É muito
semelhante a monarquia absoluta, mas com a diferença de que o monarca (Rei)
exerce seu poder no intuito de respeitar e aprimorar os princípios iluministas,
tais como os direitos individuais, o bem-estar social, a segurança da população
e assim por diante. O poder ainda permanece concentrado no monarca, mas agora,
além de contrabalançar seu poder com nobres locais e estrangeiros, ele tem de
demonstrar ao povo que é um Rei comprometido com o povo. Pois se isso não for
cumprido, ele pode perder apoio do povo e a própria cabeça. Um exemplo contemporâneo
de monarquia esclarecida seria o Estado do Vaticano.
c). Monarquia
Constitucional e Parlamentar:
Este tipo de
monarquia é o que mais existe na Europa contemporânea e é, de fato, a monarquia
como a defendida pelos monarquistas brasileiros e portugueses. Neste sistema, o
poder do Rei é dividido com o Parlamento. Se antes o Rei tinha poder de
governo, agora este poder fica a cargo de um Primeiro-Ministro eleito entre
deputados no Parlamento, que representará a Coroa nos assuntos de governo. Ao
Rei fica a função de Chefia de Estado, onde ele irá representar o Estado
Nacional diplomaticamente, representará a sociedade e a cultura de seu país,
fará a relação entre o poder temporal e atemporal e servirá como um mediador
dos poderes executivo, legislativo e judiciário. E tudo isso debaixo da letra
fria da Constituição. O monarca não tem mais interesses pessoais neste modelo. Ele
tem apenas funções constitucionais a respeitar, visando com isso manter a
estabilidade social, política e cultural e, ainda mais, a estrutura social para
o progresso. Os contemporâneos exemplos deste modelo incluem Reino Unido,
Espanha, Jordânia, Dinamarca, Bélgica, Holanda, Suécia, Noruega, Japão e outros
pequenos estados europeus.
Ø Diferentes
tipos de República:
a). Ditadura
pessoal republicana:
Muito parecido
com a monarquia absoluta, a República em formato de ditadura é um regime onde
um ditador exerce o poder total no país, sem ter de prestar contas a ninguém
que não seja ele próprio e seus apoiadores. Seja como chefe do “partido do
governo” ou como ditador carismático, ele cria leis, executa leis e julga
crimes de acordo com estas mesmas leis. Normalmente estes tipos de regimes
nascem de golpes militares ou guerras civis. Mas também podem surgir após
eleições. Hoje em dia temos bons exemplos de ditaduras republicanas: Coreia do
Norte, Síria ou ainda Cuba. Os princípios iluministas são total ou parcialmente
nulos neste sistema.
b). Ditadura
institucional republicana:
Neste caso,
embora muitos direitos individuais sejam diminutos ou mesmo inexistentes, não
se trata de um ditador carismático governando como bem quer, mas de um conjunto
de instituições fechadas em si mesmas que governam sem qualquer legitimidade
democrática. Ou seja, governam por ruptura, sem respeitar os direitos humanos e
o bem-estar social. Semelhante as monarquias esclarecidas, a ditadura
institucional pode ou não favorecer princípios iluministas. A forma de se
chegar ao poder pode ser via eleição ou tomada à força. Depende do regime, de
suas prioridades e de seus interesses. Exemplos contemporâneos de ditaduras
institucionais: China, Rússia e Egito.
c). República
Constitucional:
Neste modelo,
há uma Constituição efetiva e um aparato de poderes que se contrabalançam
relativamente bem. A Chefia de Estado e Governo podem estar unificadas numa
pessoa (o chamado presidencialismo) ou podem estar separados (parlamentarismo).
Uma República Constitucional é onde direitos e deveres devem ser respeitados
exclusivamente dentro da lei e respeitando-se os principais tratados
internacionais, como dos direitos humanos, direitos individuais e demais
valores nascidos do iluminismo. Este sistema eleva seus representantes ao poder,
tanto Presidente da República quanto Primeiro-Ministro, através de eleições.
Normalmente com mandatos pré-estabelecidos pela Constituição. Em todo caso, não
há em sua maioria limite de tempo para partidos ficarem no poder com diferentes
representantes. Exemplos contemporâneos: República francesa, República alemã e
Estados Unidos da América.
O que isso significa?
Algumas coisas
devem ter ficado óbvias para o leitor atento. A primeira delas é que, em ambos
os sistemas (monarquia ou república), há poder. Ou seja, o fato de existir um
processo de coerção e de controles diferenciados desta coerção, é simplesmente
um fato. Por mais antimonarquista que você seja, não pode negar que o poder tem
vida própria. E esta coerção pode ser aplicada de maneira absoluta ou
ditatorial, ou pode ser aplicada de maneira democrática. Seja numa monarquia ou
numa república. Democracia, portanto, é poder controlado por muitos. É
descentralização. E com isso já refutamos o argumento de que “democracia” e “república”
são “a mesma coisa”. Não, não são.
Em termos
práticos há poucas diferenças entre os tipos de monarquia e os tipos de
república. A ideia de que a República é superior a monarquia não passa de um mito.
A República pode ser tão prejudicial quanto uma monarquia absoluta. Tudo
depende do quanto as liberdades individuais são garantidas e do quanto os
poderes são CONTROLADOS. E aqui reside a chave donde podemos compreender este debate
entre República e Monarquia. Obviamente, quem defende a República defende a
República Constitucional. E quem defende a monarquia também defende a Monarquia
Constitucional. Ambos são Estados de Direito democráticos. No entanto, é muito
comum ouvir dos republicanos dois argumentos antimonarquistas:
1). A legitimidade
do poder vem do voto (todo poder emana do povo).
2). A
monarquia representa a desigualdade e deve ser combatida por isso.
Vamos analisar
ambos os argumentos em separado.
I). Quanto a Legitimidade:
Afirmar que a legitimidade
advém do voto popular é uma falácia ad
populum. Não é porque uma suposta maioria votou em alguma coisa que este
alguma coisa é certo. É bom lembrar que muitos ditadores subiram ao poder
através do voto e lá ficaram graças ao próprio voto. Hugo Chaves, por exemplo,
foi eleito e reeleito mesmo quando ele próprio mudava as leis para se
beneficiar. Isso é legitimidade? Isso é democracia? Só se for através de um
filtro muito ideológico.
Não é o voto
que dá legitimidade. O que dá legitimidade ao poder na contemporaneidade são duas
coisas: respeito aos valores iluministas e Estado de Direito. Se há uma constituição,
se há controle entre os poderes, se a tirania é combatida por este Estado e se
as liberdades individuais são corretamente garantidas pela lei, então há
Democracia. Pois democracia não é “governo do povo”, mas sim “governo de muitos”.
O povo não governa de fato nem na própria República! Quem governa são aqueles
que foram capazes de, com dinheiro e retórica, convencer o maior número
possível de cidadãos para conseguir seus votos. Democracia enquanto “governo de
muitos” é o oposto semântico de absolutismo (governo de um). Uma monarquia
constitucional é um governo de muitos. Basta que o poder coercitivo seja
descentralizado.
O oposto de
democracia é absolutismo. E o oposto da liberdade é a tirania. Uma monarquia
pode (e na grande maioria dos exemplos contemporâneos, de fato o é)
democrática, legítima e defensora das liberdades individuais.
II). Quanto a questão da hierarquia social e
desigualdade:
Este tipo de
argumento é mais usado por aqueles que defendem (consciente ou
inconscientemente) uma sociedade igualitária. E por igualdade devemos nos
lembrar que há dois tipos de igualdade: a formal e a material.
A igualdade
formal, pela LEI, é aquela onde todo indivíduo deve respeitar a lei pois
ninguém está acima da lei. Pois bem, nas monarquias constitucionais todos,
desde o cidadão comum até o Rei, devem prestar contas a constituição. Já há
esta igualdade formal nas monarquias contemporâneas. Logo, afirmar que a
monarquia promove a desigualdade é uma falácia da Descida Escorregadia. Tenta-se relacionar a monarquia a
desigualdade entre aqueles que podem tudo e os que não podem nada e, numa bola
de neve argumentativa falaciosa, transformar a monarquia em algo retrógrado,
antiquado, caduco e mofado.
Já quanto a
igualdade material, se trata puramente de uma questão ideológica. Anarquistas,
socialistas, comunistas de modo geral tendem a defender uma igualdade material
universal, de modo que assumir que uma família possui poderes e vive em
palácios apenas por direito de nascimento é um tanto absurda. Porém, para estas
pessoas também é absurdo um homem rico viver de maneira extravagante, “ostentando”
riqueza. Logo, para estes ideólogos de esquerda, qualquer desigualdade material
é negativa e deve ser combatida. Não só a monárquica como também o Estado
republicano burguês. A estes darei o benefício da ignorância, visto que não há
argumento possível que os faça compreender a legitimidade de um monarca.
Já para alguns
liberais, social-democratas, conservadores e libertários, que compreendem a
desigualdade como algo natural na sociedade humana, a questão se resume mais a
economia. Ou seja, porque irei pagar com meus impostos para uma família viver
num Palácio e andar de carruagem? O que ganho com isso?
A resposta a
esta legítima dúvida vem através de uma clássica separação: poder público e
poder privado. Qual é a legitimidade do presidente da República viver no
Palácio do Planalto? Mesmo que mude de morador de 4 em 4 anos, ainda assim
sempre terá uma família morando no Palácio do Planalto. A diferença disso para
a Monarquia é que o morador não muda de 4 em 4 anos. Ponto. Logo, algumas
funções públicas naturalmente são custeados pelo Estado e assim deve o ser, uma
vez que o servidor público não faz do Palácio uso pessoal, mas sim
institucional. O palácio pertence ao Estado. O Rei vive nele por
institucionalmente estar ligado ao Estado. Mas os seus gastos particulares, são
particulares. E aqui entra a separação do público e do privado.
A fortuna da
família real britânica, por exemplo, é sustentada pelos investimentos que seus
membros fazem. Somente algumas poucas propriedades são de posse da família
real, enquanto todos os demais palácios pertencem ao Estado britânico. Fazem
parte dos símbolos nacionais e da cultura local. Em qualquer monarquia
constitucional a família real tem gastos privados e gastos públicos. Os gastos
públicos são concernentes a sua função institucional e os gastos privados, a suas
vidas privadas. No entanto, sei que isso não é suficiente para esclarecer a
dúvida. Vamos então a matemática.
A família real
britânica gera bilhões de libras todo ano com turismo. É mais valioso visitar
castelos virtualmente pertencentes a um Rei vivo do que visitar castelos de um
Rei que morreu a 200 anos atrás. Logo, só com turismo a monarquia britânica,
por exemplo, paga muitos dos gastos públicos que saem dos cofres do pagador de
impostos. Ao mesmo tempo, ainda é mais barato manter uma família real do que
várias famílias de ex-presidentes ou de presidente em exercício. Temos três
pontos favoráveis as famílias reais ou imperiais:
a). Os gastos
públicos e privados são diferenciados por lei e transparentes, uma vez que a
família real sempre estará diante do escrutínio público e dos olhos atentos do
Parlamento. Com isso, o tanto em impostos que o povo tem de pagar já diminui
drasticamente.
b). Monarcas
vivos geram mais turismo em seus países do que monarcas mortos. Não só por
causa dos castelos e da história, mas também dos eventos culturais.
Curiosidade, a magia da monarquia, o interesse do público por ver um Rei vivo é
suficiente para atrair muitos turistas anualmente e, com isso, gerar muita renda
ao próprio povo local.
c). Os pontos
anteriores já barateiam muito uma família real diante de políticos
tradicionais. Em todo caso, vale lembrar que um Rei contemporâneo NÃO TEM DIREITO
DE LEGISLAR. Portanto, ele não tem controle sobre orçamento público. Isso
impede que monarcas façam leis que os beneficiem. Já os políticos, tendo
direito de legislar e executar as leis que eles próprios criam, podem fazer o
que quiser com o orçamento público se tiverem essa oportunidade. Portanto, é
mais difícil um Rei gastar de forma irresponsável o dinheiro do pagador de
impostos do que um político.
Do ponto de
vista pragmático e financeiro, uma família real dói menos no bolso do pagador
de impostos do que políticos. E com o benefício de que ela impulsiona o
turismo, preserva a cultura local e a história e serve como símbolo de
estabilidade e de democracia perante todo o mundo.
A desigualdade
não é um problema. Alguns nascem em famílias ricas, outros nascem em famílias
pobres. O que importa é a oportunidade de ascender socialmente. Numa monarquia
constitucional todos podem deixar de ser pobres e ter uma vida saudável. Só não
podem ser Reis. Mas qual é o problema disso? Quantos seres humanos numa
República tem a vontade, capacidade, habilidade e paciência para ser um
Presidente da República? E em todo caso, um cidadão poderá servir seu país como
Primeiro-Ministro. O que no fundo, dá na mesma.
Não é a
desigualdade que é o problema. É a tirania, a pobreza e a ignorância que são o
problema. Todo o restante é tolerável e assim deve ser. Se você não é
socialista, ou comunista ou anarquista, certamente irá compreender estas
palavras.
CONCLUSÃO
Monarquia ou República?
Majestade
significa “excelência” ou “grandeza”. Quando chamamos um Presidente ou um Juiz
de “Vossa Excelência”, estamos repetindo um mesmo ritual nascido com “Vossa
Majestade”. A diferença de palavras, no entanto, qualifica também a diferença
de conotações para um desavisado. Vossa Excelência nos remete a falsa ideia de um “igual que chegou lá”. Enquanto o Vossa Majestade nos remente a também
falsa ideia de um “diferente superior”. Em todos os debates
a cerca de Monarquia e República, 90% dos argumentos antimonarquistas se
concentram nesta diferença. Ou seja, na questão da legitimidade e da
desigualdade como um problema a ser enfrentado.
Fato é que uma
pessoa nascida para reinar jamais será como um político. Pois o político nasce
em qualquer espetro social e precisará de ambição para chegar em elevados
postos. E ambição é uma ótima forma de se chegar a corrupção. O Rei não precisa
ambicionar nada. Ele está preso a sua função constitucional e a ela deve
prestar contas. Se ele ambicionar algo, terá de tentar na vida privada, no
espectro privado, não no público. O termo “Majestade” não deve ser usado da
forma preconceituosa que é usada por republicanos e antimonarquistas.
Inquéritos
sobre Religião e Cultura - Prof Christopher Dawson/ introdução
|
O leitor
atento terá observado que o que importa não é “vencer as hierarquias sociais”
ou defender “igualdade material para todos”. Isso são argumentos nascidos dos
grupos esquerdistas e anarquistas. O que importa é o Estado de Direito, a
Democracia enquanto “poder de muitos”, descentralizada, e o respeito aos
princípios e valores iluministas, tais como os direitos individuais. Usando
isso como base comum para nossas análises, resta-nos averiguar qual sistema
tende a ser melhor do que o outro. Não precisamos falar das Repúblicas e
Monarquias não-democráticas, pois não nos interessam. Logo, o que é melhor para
a Democracia? Monarquia ou República?
Para responder
a isso, devemos nos ater a três prospetos:
1). Possibilidade
histórica.
2). Valor
cultural e social.
3). Controle
do poder.
O ponto número
1 nos leva a considerar a cultura de uma sociedade e a forma como ela está
organizada historicamente. Devemos nos perguntar: há espaço nesta sociedade
para uma República ou para uma Monarquia? Algumas sociedades simplesmente não
tiveram nenhuma experiência monárquica no passado. Logo, é muito difícil
imaginar que uma “nova” dinastia surgiria do nada, de maneira democrática, para
reinar por todo o sempre. A estas sociedades sem nenhuma relação histórica ou
tradição com famílias reais ou imperiais, a República talvez seja o formato
mais desejável.
E isso nos
leva ao ponto número 2. Dependendo de como uma cultura está orientada, pode ser
que a estabilidade do Estado de Direito seja melhor alcançada numa monarquia ou
numa república. Depende de muitos fatores. Depende dos valores culturais
locais, depende de como as famílias estão organizadas, ou ainda, de como o
tratamento interpessoal é assimilado nesta sociedade. Tudo isso influencia
positivamente ou negativamente para qualquer um dos sistemas.
Acumulando o
ponto 1 e 2, chegamos ao ponto 3. De acordo com o histórico da sociedade e sua
forma de se organizar culturalmente e mesmo religiosamente, chegaremos ao
entendimento de como o poder deve ser controlado nesta sociedade. Se a
monarquia for uma opção histórica e cultural, do ponto de vista pragmático, ela
sem dúvida é mais pertinente do que a República quando se trata de controle do
poder. Na República, todo o poder está nas mãos dos políticos, que fazem as
leis e as executam de acordo com a retórica e o poder financeiro que dispõem. Logo,
o poder coercitivo é muito mais incontrolado do que na Monarquia. Já se
houvesse um Rei ou Imperador, haveria uma figura destoante do sistema eleitoral
(e portanto não dependente da retórica ou do poder financeiro), que seria a
grande voz pública, social e cultural, zeladora da Constituição e dos interesses
nacionais e do povo.
Como dito
anteriormente, o fato do monarca não ser eleito e não depender dos jogos
políticos para manter o poder o torna uma figura ímpar em todo o mundo ocidental.
É o seu ponto forte! O rei absoluto medieval tinha de fazer jogos políticos.
Logo, ele tinha grandes chances de ser corrupto. Hoje, o Rei não precisa mais
fazer estes jogos. Não é mais a sua função. A família real é o único conjunto
de indivíduos que, de maneira precisa e muito específica, servem para sustentar
o Estado de Direito democrático em pé. E com isso, todo o progresso científico,
social, cultural, político e económico dele proveniente. O Rei fala sem falar e
governa sem governar. É por conta de sua função única em todo o sistema
político democrático que o monarca ganha o direito e nós o dever de o chamar de
“Vossa Majestade o Rei”. Porque ninguém suportaria sua função, justamente por
termos a tendência de sermos muito fracos diante das nossas ambições pessoais.
Tradução:
Querida
Lilibet,
Eu sei como
você amou seu papá, meu filho, e eu sei que você ficará tão devastada como eu
por essa perda. Mas você deve colocar esses sentimentos de lado agora, para a
chamada do dever. O sofrimento da morte de seu pai será sentida em toda parte,
seu povo precisará de sua força e liderança. Vi três grandes monarquias
derrubadas pelo fracasso em separar as indulgências pessoais do dever. Você não
deve se permitir cometer erros semelhantes. E enquanto você chora seu pai, você
também deve lamentar outra pessoa: Elizabeth Mountbatten. Pois ela já foi
substituída por outra pessoa: Elizabeth Regina. As duas Elizabeths estarão
frequentemente em conflito uma com a outra. O fato é ... a coroa deve vencer.
Deve SEMPRE vencer.
Queen Mary
Antimonarquistas
de modo geral querem um sistema onde todos os poderes políticos sejam exercidos
por indivíduos ambiciosos o suficiente para corromper e serem corrompidos. Querem
que qualquer tipo de cidadão chegue aos altos cargos da República. A monarquia
nega isso a eles. A monarquia educa uma família inteira para uma única
específica função na vida. Aquilo que torna o Rei uma verdadeira Majestade é
também aquilo que mais irrita republicanos. Pois bem, que o julgamento do que é
mais sóbrio fique para a consciência do leitor.
De minha
parte, tudo o que espero é que o debate a cerca da monarquia ou da república passe
por estes tipos de argumentos. O que é mais eficiente pragmaticamente? Será que
a sua sociedade está preparada para uma Monarquia? Será que a República é capaz
de se aperfeiçoar ou ela sempre estará a mercê dos jogadores da política?
Perguntas deste calibre deveriam povoar os debates entre monarquistas e
republicanos, não o enfadonho “monarquia é retrógrado, república é democracia”.
Um homem é um homem,
Mas quando você vê um rei, você vê o trabalho
De muitos milhares de homens.
George Eliot
Obrigado pela
leitura,
Sasha
Lamounier
Jornalista e
um Liberal Clássico
Porto, Portugal
17 de Outubro de 2017