Anarquia Tirânica
Os Paradoxos Ancaps e o falso Libertário
Por
Sasha Lamounier
Em meu primeiro artigo sobre o tema,
intitulado “O Paradoxo Ancap”, citei como divergência central do argumento entre
anarco-capitalistas e liberais clássicos a questão da natureza humana, múltipla
e irracional por natureza. Nesta, citarei dois “paradoxos”, assim
como dissecarei comportamentos típicos de anarco-capitalistas.
O conceito de Civilização
A natureza humana é dita irracional,
pois o homem não pensa em primeiro lugar na boa convivência, mas em si mesmo. É
o “lagarto” de Lawrence Kohlberg, ou o “id” de Freud. É ainda o que Hobbes
chamaria de “o homem lobo do homem”. John Locke diria que o homem supera esta
irracionalidade por consequência da necessidade, assumindo que uma melhor
convivência entre indivíduos é boa para o próprio indivíduo. Surge, assim, a
civilização. Civilização, por sua vez, são vivências do ser humano na natureza,
no meio em que vivem e entre si. Estas vivências criam determinados
condicionamentos, padrões, que geram determinados tipos de ordem social (isso é
cultura, tradição, costumes). Esta ordem irá alimentar a si mesma com novas
informações e gerará novos paradigmas, novas realidades vivenciadas e novas
experiências. Foi assim que o homem saiu da idade da pedra para a modernidade. E
é assim que a história prossegue.
O anarco-capitalista nega o Estado (em
tese). E ao fazê-lo, o ancap gera um distúrbio no próprio entendimento da vivência
humana. O Estado não é e nunca foi um ente abstrato, dissociado da sociedade. O
Estado é, na verdade, a positivação dos costumes, da cultura de uma determinada
sociedade. Por isso o argumento anárquico (e não só ancap, mas também comunista
e anarquista clássico) é mentiroso. O Estado não é diferente da humanidade. É,
pelo contrário, uma EXPRESSÃO da humanidade. O próprio Ludwig Von Mises dizia
isso. Sendo o mercado um conjunto de ações humanas, e sendo as ações humanas
naturais, então o Estado é fruto da ação humana e é, em último caso, fruto do
próprio mercado.
Podemos compreender este pensamento da
seguinte forma. Tomando como base Locke e Hobbes, e também experiências antropológicas
recentes, pode-se considerar que o poder deriva de alguma escassez. Na
natureza, rege a lei do mais forte. E na humanidade não é diferente. Aquele que
for mais forte irá aplicar à lei, a regra, a ordem. Logo, se há alguém mais
forte, haverá o grupo de seres mais fracos. Não há força se não houver
fraqueza. Do mesmo modo que não há dia se não houver noite. Dualidade autoevidente!
O poder, portanto, surge deste paradoxo inicial. Surge da escassez de PROTEÇÃO.
Daí surge o Estado. Qualquer Estado. Mesmo considerando grandes impérios, como
o Império Romano, que se tornou expansionista e invasor, há de considerar que
sua formação foi voluntária. Assim como o antigo Império Egípcio, que nasceu
voluntariamente entre indivíduos situados a margem do Rio Nilo.
Portanto, se há fortes e fracos, há
relação de PODER. E se há relação de poder, há também hierarquia, regra, lei,
imposição de costumes e assim por diante. Em suma, isso é Estado. O governo
existe para coercitivamente aplicar a lei de determinado grupo humano. Sem esta
aplicação, a própria ética é vazia, pois não teria o peso e contrapeso dos
direitos e deveres. A questão, contudo, é que esta relação é COOPERATIVA. O
forte depende da legitimidade do fraco e o fraco precisa da proteção do forte.
Assim existe paz, progresso, liberdade e política. Forte e fraco são, na
verdade, funções sociais. Habilidades diferentes demandam funções diferentes. E
já sabemos que a humanidade é diferente naturalmente. Se não houvesse proteção,
os homens viveriam em constante guerra, em constante conflito de interesses (um
querendo se impor perante o outro). A humanidade não é homogênea, mas pelo
contrário, é diversa. E por ser diverso, o conflito sempre existirá. O poder existe
para preservar certos direitos que o homem exige para si, como a própria vida,
a liberdade de viver e a propriedade que conquistar. Não há, aliás, direito de
propriedade sem lei.
Quando o anarco-capitalista nega esta
relação de cooperação entre o forte e o fraco, assumindo assim que a relação
entre ambos é de “luta”, ele utiliza-se de um argumento marxista,
revolucionário! Trata-se da luta de “classes”. Mas neste caso, não é o burguês
contra o proletário. É o burocrata contra o pagador de impostos. O ancap é
incapaz de ver qualquer tipo de cooperação entre ambos. Ele vê, apenas, luta de
classes. Por isso é comum assumir que o anarco-capitalista é, na verdade, uma
versão capitalista do comunista. O comunista também buscava a superação do
Estado e a anarquia, inclusive. Este argumento revolucionário pode assumir
muitas faces. Desde a armada (Rússia 1917) até a cultural (Gramsci, marxismo
cultural).
NOTA: Não é a toa que recentemente
escrevi um artigo chamado “O Libertário Karl Marx”.
[Coringa explodindo hospital. Gerando medo.]
Paradoxo da Profecia Autorrealizável
A anarquia seja ela comunista, ou
clássica ou capitalista, sempre comete o erro do Paradoxo da Profecia
Autorrealizável. Quando o anarquista diz que o
Estado é tirânico, ele promove uma rebeldia perante o Estado (ao invés de gerar
consciência política). Ele promove um convite à luta contra a ordem
estabelecida (sistema), gerando assim caos. O caos demandará nova ordem (eis a
dualidade autoevidente!). Esta nova ordem, porém, para coibir o caos, gerará
tirania. Foi isso que aconteceu na Revolução Francesa, fazendo surgir Napoleão
Bonaparte.
Quando o
anarco-capitalista nega qualquer natureza de cooperação entre pagadores de
impostos e burocratas, principalmente negando a lei e a constituição, o ancap
cria uma fantasia de Leviatã, de Estado tirânico, que na verdade é falsa! Chamo
isso de “complexo de Leviatã”. A luta de classes é naturalmente revolucionária,
pois demandará que o “oprimido” se revolte de algum modo contra o “opressor”.
Isso impele, necessariamente, que os ditos “oprimidos” irão a determinado ponto
acreditar na profecia da tirania e irão se revoltar, gerando caos. Todo caos
demanda uma ordem e o quanto maior for o caos, maior será a exigência de ordem.
Isso leva necessariamente a tirania. Portanto, é uma profecia autorrealizável.
É uma causa que gera ela mesma.
Não há nada mais
distante da liberdade do que a tirania. A Revolução Francesa conquistou
resultados no campo das ideias, com Montesquieu, com Voltaire e com a
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. E mais nada. Napoleão
Bonaparte foi uma quimera da revolução francesa.
Portanto, o mais
grave efeito do anarco-capitalismo é o efeito “nacebo”. Ou seja, o paciente
(indivíduo) tem a crença pessimista de que o Estado (doença) gera efeitos
negativos em sua vida, indesejados e propõe uma alternativa para superar isso.
Só que a alternativa é pior do que a própria doença (ou problema). A resposta
ancap aos desafios modernos é danosa, prejudicial, negativa para a humanidade.
Tanto quanto foi o comunismo quando este surgiu, no século XIX. Pode-se
afirmar, inclusive, que o mal ideológico do século XXI é o anarco-capitalismo.
Esta crença
fanática na luta de classes moderna, entre contribuinte e Estado, gera diversos
outros efeitos naquele que se intitula anarco-capitalista. Em geral, durante
algum debate, ao se deparar com a lógica racional e empírica da situação na
qual é apresentado, eles assumem um “comportamento de manada”. Um ou mais
ancaps acabam repetindo as mesmas falácias, negam o debate lógico e se tornam
pombos enxadristas. E isso não é por ignorância, é da natureza deles negar
categoricamente uma coisa e impedir a reflexão. Eles necessitam da geração de
desordem (medo) para que sua tese tenha fundamento. E farão isso a todo
instante, mesmo que isso signifique negar a própria lógica.
[Coringa, agente do caos]
Paradoxo do
Pinóquio
O próprio termo “anarco-capitalismo”
é um contrassenso. Se anarquia é “ausência de hierarquia, de poder” e
capitalismo é “hierarquia de mercado”, então o termo anarco-capitalismo é
exatamente como o paradoxo do Pinóquio. Este paradoxo diz que Pinóquio jamais
poderia afirmar a seguinte frase: “Meu
nariz está crescendo agora”. Ao imaginar o boneco de madeira, conhecido por
ter seu nariz prolongado ao dizer uma mentira, afirmando a dita frase, entramos
num paradoxo. Neste caso, há duas hipóteses válidas:
1º. O nariz de
Pinóquio não cresce. Então ele disse uma mentira, portanto, o nariz deve
crescer;
2º. O nariz de Pinóquio cresce. Então
ele disse uma verdade, portanto, o nariz dele não tinha motivo para ter
crescido.
Assumindo que os
Estados surgem da escassez de proteção, pois a existência humana é feita de
relações entre o forte e o fraco, há de considerar que a anarquia, em si, é uma
impossibilidade lógica. Ou, em outro caso, é uma verdade inerente. Assim que os
Estados acabam, se a humanidade permanece a mesma, no dia seguinte surge à necessidade
de novos Estados. Se há jogo de poder, haverá fracos e haverá fortes. A demanda
por proteção também existirá. E esta demanda criará nichos de comando, de
força, convexos o suficiente para serem considerados verdadeiros Estados,
governos estabelecidos naturalmente. Voltamos, portanto a tese inicial. Se há
hierarquia, se há poder, então NÃO há anarquia. A própria anarquia é a negação do poder. Mas
capitalismo é uma forma de estabelecimento do poder, não apenas financeiro, mas
também político e militar. Não tem como existir a negação do poder havendo
poder.
Se assumirmos
que já vivemos em anarquia (aparente caos) e que os Estados, portanto a ordem é
derivada deste caos, então sempre que o caos for gerado, novas ordens serão
geradas. Portanto, novos Estados surgirão. É um ciclo retroalimentável. Isso leva a conclusão lógica de que o Estado é
tão natural quanto à anarquia, ambos são a mesma coisa. O caos humano sempre
gerará ordem de algum tipo e esta ordem sempre poderá ser questionada, gerando
assim o impulso seguinte, que é o estabelecimento de uma nova ordem. Em suma, o
Estado NUNCA morre, ele apenas se transforma. É a famosa lei de Lavoisier: Na natureza, nada se cria e nada se perde, tudo se
transforma.
[Cena de interrogatório entre Batman e Coringa. A ordem - Batman - perante o caos - Coringa.].
Para vencer toda tirania, precisamos vencer o ciclo de caos e ordem. E só o faremos, ganhando consciência. Há, porém, duas formas de ganhar consciência. Uma é pela reflexão, que é a mais difícil, porém a mais amena. A outra é pelo sofrimento, que é a mais fácil, porém a mais amarga. A escolha que todos nós temos de fazer é exatamente esta.
O que você escolhe?
Grato pela leitura,
Sasha Lamounier
Liberal Clássico
Porto, Portugal
21 de Março de 2015