21/03/2015

Anarquia Tirânica (Paradoxo Ancap 2)


Anarquia Tirânica

Os Paradoxos Ancaps e o falso Libertário


Por 
Sasha Lamounier


Em meu primeiro artigo sobre o tema, intitulado “O Paradoxo Ancap”, citei como divergência central do argumento entre anarco-capitalistas e liberais clássicos a questão da natureza humana, múltipla e irracional por natureza. Nesta, citarei dois “paradoxos”, assim como dissecarei comportamentos típicos de anarco-capitalistas.

O conceito de Civilização

A natureza humana é dita irracional, pois o homem não pensa em primeiro lugar na boa convivência, mas em si mesmo. É o “lagarto” de Lawrence Kohlberg, ou o “id” de Freud. É ainda o que Hobbes chamaria de “o homem lobo do homem”. John Locke diria que o homem supera esta irracionalidade por consequência da necessidade, assumindo que uma melhor convivência entre indivíduos é boa para o próprio indivíduo. Surge, assim, a civilização. Civilização, por sua vez, são vivências do ser humano na natureza, no meio em que vivem e entre si. Estas vivências criam determinados condicionamentos, padrões, que geram determinados tipos de ordem social (isso é cultura, tradição, costumes). Esta ordem irá alimentar a si mesma com novas informações e gerará novos paradigmas, novas realidades vivenciadas e novas experiências. Foi assim que o homem saiu da idade da pedra para a modernidade. E é assim que a história prossegue.

O anarco-capitalista nega o Estado (em tese). E ao fazê-lo, o ancap gera um distúrbio no próprio entendimento da vivência humana. O Estado não é e nunca foi um ente abstrato, dissociado da sociedade. O Estado é, na verdade, a positivação dos costumes, da cultura de uma determinada sociedade. Por isso o argumento anárquico (e não só ancap, mas também comunista e anarquista clássico) é mentiroso. O Estado não é diferente da humanidade. É, pelo contrário, uma EXPRESSÃO da humanidade. O próprio Ludwig Von Mises dizia isso. Sendo o mercado um conjunto de ações humanas, e sendo as ações humanas naturais, então o Estado é fruto da ação humana e é, em último caso, fruto do próprio mercado.

Podemos compreender este pensamento da seguinte forma. Tomando como base Locke e Hobbes, e também experiências antropológicas recentes, pode-se considerar que o poder deriva de alguma escassez. Na natureza, rege a lei do mais forte. E na humanidade não é diferente. Aquele que for mais forte irá aplicar à lei, a regra, a ordem. Logo, se há alguém mais forte, haverá o grupo de seres mais fracos. Não há força se não houver fraqueza. Do mesmo modo que não há dia se não houver noite. Dualidade autoevidente! O poder, portanto, surge deste paradoxo inicial. Surge da escassez de PROTEÇÃO. Daí surge o Estado. Qualquer Estado. Mesmo considerando grandes impérios, como o Império Romano, que se tornou expansionista e invasor, há de considerar que sua formação foi voluntária. Assim como o antigo Império Egípcio, que nasceu voluntariamente entre indivíduos situados a margem do Rio Nilo.

Portanto, se há fortes e fracos, há relação de PODER. E se há relação de poder, há também hierarquia, regra, lei, imposição de costumes e assim por diante. Em suma, isso é Estado. O governo existe para coercitivamente aplicar a lei de determinado grupo humano. Sem esta aplicação, a própria ética é vazia, pois não teria o peso e contrapeso dos direitos e deveres. A questão, contudo, é que esta relação é COOPERATIVA. O forte depende da legitimidade do fraco e o fraco precisa da proteção do forte. Assim existe paz, progresso, liberdade e política. Forte e fraco são, na verdade, funções sociais. Habilidades diferentes demandam funções diferentes. E já sabemos que a humanidade é diferente naturalmente. Se não houvesse proteção, os homens viveriam em constante guerra, em constante conflito de interesses (um querendo se impor perante o outro). A humanidade não é homogênea, mas pelo contrário, é diversa. E por ser diverso, o conflito sempre existirá. O poder existe para preservar certos direitos que o homem exige para si, como a própria vida, a liberdade de viver e a propriedade que conquistar. Não há, aliás, direito de propriedade sem lei.

Quando o anarco-capitalista nega esta relação de cooperação entre o forte e o fraco, assumindo assim que a relação entre ambos é de “luta”, ele utiliza-se de um argumento marxista, revolucionário! Trata-se da luta de “classes”. Mas neste caso, não é o burguês contra o proletário. É o burocrata contra o pagador de impostos. O ancap é incapaz de ver qualquer tipo de cooperação entre ambos. Ele vê, apenas, luta de classes. Por isso é comum assumir que o anarco-capitalista é, na verdade, uma versão capitalista do comunista. O comunista também buscava a superação do Estado e a anarquia, inclusive. Este argumento revolucionário pode assumir muitas faces. Desde a armada (Rússia 1917) até a cultural (Gramsci, marxismo cultural).

NOTA: Não é a toa que recentemente escrevi um artigo chamado “O Libertário Karl Marx”. 

[Coringa explodindo hospital. Gerando medo.]


Paradoxo da Profecia Autorrealizável

A anarquia seja ela comunista, ou clássica ou capitalista, sempre comete o erro do Paradoxo da Profecia Autorrealizável. Quando o anarquista diz que o Estado é tirânico, ele promove uma rebeldia perante o Estado (ao invés de gerar consciência política). Ele promove um convite à luta contra a ordem estabelecida (sistema), gerando assim caos. O caos demandará nova ordem (eis a dualidade autoevidente!). Esta nova ordem, porém, para coibir o caos, gerará tirania. Foi isso que aconteceu na Revolução Francesa, fazendo surgir Napoleão Bonaparte.

Quando o anarco-capitalista nega qualquer natureza de cooperação entre pagadores de impostos e burocratas, principalmente negando a lei e a constituição, o ancap cria uma fantasia de Leviatã, de Estado tirânico, que na verdade é falsa! Chamo isso de “complexo de Leviatã”. A luta de classes é naturalmente revolucionária, pois demandará que o “oprimido” se revolte de algum modo contra o “opressor”. Isso impele, necessariamente, que os ditos “oprimidos” irão a determinado ponto acreditar na profecia da tirania e irão se revoltar, gerando caos. Todo caos demanda uma ordem e o quanto maior for o caos, maior será a exigência de ordem. Isso leva necessariamente a tirania. Portanto, é uma profecia autorrealizável. É uma causa que gera ela mesma.

Não há nada mais distante da liberdade do que a tirania. A Revolução Francesa conquistou resultados no campo das ideias, com Montesquieu, com Voltaire e com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. E mais nada. Napoleão Bonaparte foi uma quimera da revolução francesa.  

Portanto, o mais grave efeito do anarco-capitalismo é o efeito “nacebo”. Ou seja, o paciente (indivíduo) tem a crença pessimista de que o Estado (doença) gera efeitos negativos em sua vida, indesejados e propõe uma alternativa para superar isso. Só que a alternativa é pior do que a própria doença (ou problema). A resposta ancap aos desafios modernos é danosa, prejudicial, negativa para a humanidade. Tanto quanto foi o comunismo quando este surgiu, no século XIX. Pode-se afirmar, inclusive, que o mal ideológico do século XXI é o anarco-capitalismo.

Esta crença fanática na luta de classes moderna, entre contribuinte e Estado, gera diversos outros efeitos naquele que se intitula anarco-capitalista. Em geral, durante algum debate, ao se deparar com a lógica racional e empírica da situação na qual é apresentado, eles assumem um “comportamento de manada”. Um ou mais ancaps acabam repetindo as mesmas falácias, negam o debate lógico e se tornam pombos enxadristas. E isso não é por ignorância, é da natureza deles negar categoricamente uma coisa e impedir a reflexão. Eles necessitam da geração de desordem (medo) para que sua tese tenha fundamento. E farão isso a todo instante, mesmo que isso signifique negar a própria lógica.


[Coringa, agente do caos]


Paradoxo do Pinóquio

O próprio termo “anarco-capitalismo” é um contrassenso. Se anarquia é “ausência de hierarquia, de poder” e capitalismo é “hierarquia de mercado”, então o termo anarco-capitalismo é exatamente como o paradoxo do Pinóquio. Este paradoxo diz que Pinóquio jamais poderia afirmar a seguinte frase: “Meu nariz está crescendo agora”. Ao imaginar o boneco de madeira, conhecido por ter seu nariz prolongado ao dizer uma mentira, afirmando a dita frase, entramos num paradoxo. Neste caso, há duas hipóteses válidas:

1º. O nariz de Pinóquio não cresce. Então ele disse uma mentira, portanto, o nariz deve crescer;
2º. O nariz de Pinóquio cresce. Então ele disse uma verdade, portanto, o nariz dele não tinha motivo para ter crescido.

Assumindo que os Estados surgem da escassez de proteção, pois a existência humana é feita de relações entre o forte e o fraco, há de considerar que a anarquia, em si, é uma impossibilidade lógica. Ou, em outro caso, é uma verdade inerente. Assim que os Estados acabam, se a humanidade permanece a mesma, no dia seguinte surge à necessidade de novos Estados. Se há jogo de poder, haverá fracos e haverá fortes. A demanda por proteção também existirá. E esta demanda criará nichos de comando, de força, convexos o suficiente para serem considerados verdadeiros Estados, governos estabelecidos naturalmente. Voltamos, portanto a tese inicial. Se há hierarquia, se há poder, então NÃO há anarquia.  A própria anarquia é a negação do poder. Mas capitalismo é uma forma de estabelecimento do poder, não apenas financeiro, mas também político e militar. Não tem como existir a negação do poder havendo poder.

Se assumirmos que já vivemos em anarquia (aparente caos) e que os Estados, portanto a ordem é derivada deste caos, então sempre que o caos for gerado, novas ordens serão geradas. Portanto, novos Estados surgirão. É um ciclo retroalimentável. Isso leva a conclusão lógica de que o Estado é tão natural quanto à anarquia, ambos são a mesma coisa. O caos humano sempre gerará ordem de algum tipo e esta ordem sempre poderá ser questionada, gerando assim o impulso seguinte, que é o estabelecimento de uma nova ordem. Em suma, o Estado NUNCA morre, ele apenas se transforma. É a famosa lei de Lavoisier: Na natureza, nada se cria e nada se perde, tudo se transforma. 


[Cena de interrogatório entre Batman e Coringa. A ordem - Batman - perante o caos - Coringa.]. 



Para vencer toda tirania, precisamos vencer o ciclo de caos e ordem. E só o faremos, ganhando consciência. Há, porém, duas formas de ganhar consciência. Uma é pela reflexão, que é a mais difícil, porém a mais amena. A outra é pelo sofrimento, que é a mais fácil, porém a mais amarga. A escolha que todos nós temos de fazer é exatamente esta.

O que você escolhe?


Grato pela leitura,  

Sasha Lamounier
Liberal Clássico 

Porto, Portugal
21 de Março de 2015




07/03/2015

O Libertário Karl Marx



O Libertário Karl Marx

Por 

Sasha Lamounier



Introdução


Há duas formas de interpretar a história. Antes de tudo, pela fonte primária. Ou seja, quem esteve lá, quem escreveu aquilo, quem fez aquilo outro e quem presencialmente fez o objeto de análise da história. Depois, pode-se averiguar a história por quem estuda a história, ou seja, por quem documenta e comenta as fontes primárias.

Quando falamos de Karl Marx, milhões de pré-conceitos (conceitos sobre algo preconcebidos) surgem. O comunista vai pensar que se trata de Jesus Cristo e o liberal pensará que se trata do demônio. Mas a rigor, tanto um quanto outro está errado. Analisar um evento passado ou uma personalidade do passado com os pesos e contrapesos que temos hoje é o primeiro dos erros, que o próprio Karl Marx cometeu em suas análises. Max Weber (grande sociólogo liberal) fundamentou o que ele chamaria de “sociologia compreensiva”. Em suma, é a prática de analisar sociedades com base em seu sistema de valores, não na nossa.

E é isso que falta hoje em dia. Naturalmente, temos a tendência de analisar tudo do ponto de vista de nossa época histórica. Afinal, trata-se de nossa realidade. O que conhecemos de Karl Marx é o que pessoas interessadas em seu nome nos falaram. Desde professores esquerdistas até opositores ultradireitistas. Vamos, portanto, fazer um exercício neste texto. Tentemos por um simples momento ignorar o que já sabemos sobre este personagem e vamos pensar através das premissas fundamentais. Nunca iremos entrar na cabeça dele para saber o que realmente ele pensava e qualquer tentativa semelhante seria equivalente a mentir. A única forma que temos de analisar uma personalidade é nos colocando no lugar dela. Pois deste modo, observaremos o mundo como se fôssemos nós aquela pessoa, no mesmo contexto de vida, de sociedade e mesmo de intelectualidade.


Pequena Biografia


 Karl Marx em 1836
Karl Marx nasceu em 1818, filho de mãe e pai judeus. Seu pai, advogado de origem rabina, Heinrich Marx, se converteu ao cristianismo luterano por razões políticas e sociais. Com isso, os nove filhos da família Marx (incluindo Karl) receberiam uma educação luterana liberal. Karl Marx foi educado em casa até os 12 anos de idade. Em 1835, aos 17 anos, ele se matriculou na Universidade de Bonn, onde pretendia cursar filosofia e história. Mas por influência do pai, acabou iniciando o curso de Direito.  Começou a ter um inicio de vida estudantil boêmia e suas notas não eram boas. Por conta disso, seu pai o obrigou a transferir-se para a mais conceituada Universidade de Berlim, onde Karl abandonou o Direito e finalmente iniciou os estudos em filosofia e história.

Quando se matriculou na Universidade de Berlin, Georg Wilhelm Friedrich Hegel era professor e reitor na mesma instituição (1830). Este seria um dos principais influenciadores do pensamento marxista. Lá, Karl integraria o grupo chamado de “Jovens Hegelianos”, que nada mais era do que um grupo de jovens estudantes e professores da Universidade de Berlim após a morte de Hegel (datada em 1831). Marx também integrou o Clube dos Doutores, liderado pelo filósofo e professor de Marx, Bruno Bauer. Este o introduziu as ideias de Hegel. Marx interessou-se especialmente pela ideia de oposição (rico-pobre, mestre-escravo, felicidade-tristeza), na qual Hegel defendia que seria superada com o processo histórico da dialética (tese e antítese), atingindo-se assim a unidade (totalidade) - síntese.

Após a faculdade, Marx teve uma vida intelectualmente agitada, porém pessoalmente conservadora. Seu pai havia falecido e precisaria agora se sustentar. Casou-se com a filha de um barão prussiano, Jenny Von Westphalen (com quem contraiu noivado ainda na faculdade). Ateu por convicções intelectuais, Karl tornou-se Doutor em 1841, com a tese “Diferenças da filosofia da natureza de Demócrito e Epicuro”. No mesmo ano, viu Bruno Bauer (um ateísta e seu mentor), ser formalmente impedido de atuar academicamente por conta de sua convicção religiosa e seu radicalismo. Tal fato Marx consideraria sinal de clara impossibilidade de seguir a vida como professor. Foi quando se tornou redator chefe da Gazeta Renana, um jornal da província de Colônia. Lá, conheceria Friedrich Engels. Em 1843, a Gazeta Renana seria fechada pelo governo prussiano, devido aos ataques que o jornal publicava contra o governo. Por conta disso, Marx mudou-se para Paris, onde se tornou diretor de um jornal franco-alemão (Anais Franco-alemães). Na França, começaria a ter contato com os primeiros socialistas clássicos (posteriormente por ele denominados utópicos) nas mais diversas sociedades socialistas francesas. Ao longo da vida, Marx também teria contato com Proudhon (com quem teve várias divergências) e Bakunin (ambos anarquistas). Continuaria publicando por toda a vida e trabalhando com Engels em seus escritos. Passaria por diferentes jornais e seria expulso de outros países, na grande maioria das vezes a pedido do governo prussiano. Ao final da vida conseguiu estabelecer residência oficial em Londres, onde faleceu, em 1883.

Sua vida privada era típica da época. Suas filhas aprendiam piano, canto e desenho, como as moças aristocráticas. Perdeu alguns filhos por conta de doença e condições precárias de momentos de sua vida. Como também teve uma filha bastarda com uma militante socialista e empregada dele, Helena Demuth, para quem pagaria pensão. Marx viveu de seus salários e da herança deixada por seu pai. Assim como, recebeu em momentos de crise, ajuda financeira de amigos.

 Karl Marx e a esposa Jennny



Entendendo Karl Marx


Em resumo, Karl Marx era um homem de seu tempo. Nada de extraordinário. Era um capitalista 100% (talvez mais do que ele mesmo queria aceitar). Era um homem conservador, aristocrático, que foi tendo contato com diferentes ideologias e pensamentos ao longo da vida. Teve contato com o liberalismo na faculdade, através de Hegel. Leu David Ricardo, Adam Smith e filósofos antigos, como os gregos clássicos. Teve contato com os escritos de Rousseau, dos socialistas clássicos franceses, com anarquistas e, enquanto isso procurava entender o século em que vivia. Marx foi fruto do que leu, do que percebeu e do que entendeu.

O século XIX foi um século de revoluções. Só na década de 1830, a Europa passou por revoluções na Bélgica, Polônia, nos Estados italianos, nos Estados alemães, em Portugal e na Espanha. Houve ainda as revoluções de 1848! Além disso, os centros urbanos alteravam sua paisagem social, por conta do crescimento das indústrias e a imigração de homens e mulheres do campo para as grandes cidades europeias, o que gerava pobreza. A agitação política era grande. Se hoje vemos a América Latina e o Brasil com problemas políticos, imagine na Europa do século XIX. O século pós-Napoleão, século pós-iluminismo, pós-Revolução Francesa, onde os ideais humanistas estavam à flor da pele, onde a ciência estava tornando-se a senhora da razão e a religião perdia força. 



Foi neste século, neste conturbado século, que surge Karl Marx.

Como eu disse no começo do artigo, é impossível entrar na cabeça dele para saber exatamente o que ele pensava. Mas fazendo aquele exercício de se colocar no lugar dele, podemos fazer uma reflexão mais ou menos precisa e que possui base e fundamentação histórica.

Primeiro, em casa Marx teve uma formação luterana liberal, portanto conservadoramente cristã e protestante. Na faculdade, teve acesso às ideias liberais, assim como questionou a religião. Conheceu a dialética de Hegel e a ideia do “fim da história”, onde Hegel apontava para o fim dos processos de mudança históricos, atingido assim um equilíbrio representado como o apogeu do liberalismo e da igualdade jurídica. E na prática da vida, conheceu a brutalidade dos governos de sua época, viu nas grandes cidades problemas sociais novos (que até então nunca haviam sido estudados por cientistas políticos a sério). Questionou o sistema em que vivia. Especialmente o Estado que lhe obrigava a se calar diante dos ataques que concedia. Via de perto as relações entre burguesia e velha aristocracia. Ele mesmo casou-se com uma baronesa. Ele viveu o século XIX com todo o seu requinte.

Portanto, pode-se dizer que o jovem garoto que se interessava por história e filosofia, tornou-se um grande crítico de tudo na faculdade. Quando saiu da faculdade e foi viver a vida, deparou-se com uma realidade dura e aplicou a esta realidade tudo aquilo que tinha conhecido nos anos de estudo. Ao longo desse processo, foi conhecendo outras ideologias, que viviam a MARGEM da academia (o socialismo e a anarquia não era uma bandeira acadêmica na época de Karl Marx). Este intelectual questionou o poder dos Estados de sua época (os Estados pós-iluminismo). Foi um crítico do poder. Defendeu que os menos afortunados neste grande jogo de poder saíssem dos seus grilhões e levantassem a voz. Foi crítico de um sistema que, na sua ótica, regulava a  vida das pessoas e tirava-lhes a liberdade. Sua forma de buscar a liberdade foi propondo maior igualdade entre o que ele chamava de "classes".

Pela vida que viveu, pode-se dizer com quase total certeza que Marx não acreditava sinceramente na própria utopia (o comunismo de Marx era equivalente ao fim da história de Hegel, mas entendido através do materialismo histórico). Se acreditasse, teria abandonado a aristocracia para fazer revolução armada, algo que ele nunca pensou em fazer. Como intelectual Marx foi um revolucionário do pensamento padrão. Como bom hegeliano, ele tomava como pressuposto a análise dialética da história, ou seja, em seus resultados práticos e as analisava criticamente, trazendo para a sua realidade. É o que o Olavo diz quando afirma que "todo filósofo tem como parâmetro de análise a sua própria realidade". Não posso fazer filosofia sobre o passado e nem sobre o futuro, mas sobre a realidade que vivo e na qual nasci.



Conclusão

 Karl Marx na velhice
Depois de sua morte, o que surgiu foram INTERPRETAÇÕES do que foi por ele escrito. Interpretações estas passíveis de mudar de sentido devido ao CONTEXTO de quem as leram. Se Karl Marx vivesse hoje em dia, provavelmente seria fã de Edward Snowden. Seria um libertário, defendendo uma reforma política total, o fim do corporativismo, o fim das regalias dos políticos, seria a favor da Internet livre, da livre circulação de informações e seria totalmente a favor da tecnologia (que tira o homem do trabalho mecanizado e lhe dá tempo para estudar e fazer o que gosta). Se Karl Marx tivesse tido acesso em sua época à teoria marginalista (1870), se realmente tivesse se debruçado a estudar tais teorias, provavelmente acabaria sendo a favor do livre-mercado também.

As teorias econômicas e sociais de Karl Marx faziam sentido EM SUA ÉPOCA e em SEU contexto. O mundo mudou muito desde 1883 (ano de sua morte). Dificilmente o próprio Marx manteria a opinião que tinha no mundo de hoje. Se tivesse lido Carl Menger, Milton Friedman, Ludwig Von Mises, Friedrich Hayek e outros, provavelmente abandonaria tudo o que pensava. As críticas de Eugen Von Bohm-Bawek foram publicadas APÓS a morte de Karl Marx, por exemplo. A primeira em 1889, “Theory of Capital”. E somente em 1896 que Bawek publicaria o livro “Karl Marx and the Close of His System”.

Se, porém, ele não abandonasse o que pensava, ao menos refletiria MUITO sobre tudo o que escreveu. Do mesmo modo que conheceu Proudhon e manteve diálogos com ele, discordando de muita coisa, Karl Marx provavelmente teria uma postura semelhante com os economistas citados acima. E se percebesse a diferença entre as teorias do valor-trabalho (que gerou sua interpretação de mundo) e do marginalismo, muito provavelmente tornar-se-ia defensor de um sistema pró-consumidores e anti-monopólios. Ou seja, ele seria um grande libertário.

Mas para a sua época, ele já foi um libertário. Lutou contra a tirania, defendeu aqueles que eram “explorados”, promoveu o fim do monopólio da razão (religião) e defendeu a superação da dualidade. Nada diferente de um libertário hoje em dia, que é contra Estados que “roubam impostos” do “explorado contribuinte” e defende a máxima liberdade para os indivíduos, superando assim os “padrões culturais da sociedade estatista”. O que o libertário é hoje, Karl Marx foi para a sua época.

Mas ao final de tudo, Karl Marx era apenas um cara que queria melhorar o mundo em que vivia. Sua culpa e seu drama é o de ter escrito demais o que homens pouco instruídos iriam levar ao pé da letra.

Que falta faz ao mundo um novo Hegel!

Grato pela leitura,

Sasha Lamounier
Liberal Clássico


Porto – Portugal
08 de Março de 2015.