09/09/2022

God save the King!


Por Sasha van Lammeren

Porto, Portugal - 09 de Setembro de 2021




Ao ter seu hino atualizado, os britânicos cantam, ainda atentos para não errar, o novo-velho canto que entoará a vida nacional pelas próximas décadas (muitas delas). Com a morte de Elizabeth II e a ascensão de Charles III, o mundo acompanha a sucessão de um dos tronos mais antigos e dos mais importantes de toda a história da Europa.


O que, no entanto, muitos querem transformar num ‘debate’ sobre o futuro do Reino Unido e da própria monarquia, na verdade tem servido para confirmar aquilo que eu já sabia: o seguro rumo que este país de história inigualável irá viver a partir de agora.


Os britânicos sabem o que significa uma monarquia. Mas sabem de verdade, não aquilo que a propaganda republicana ou revolucionária vende por ai. A coroa, o trono, o cetro, são símbolos histórico-culturais que ligam as gerações do passado com as gerações do presente e, ainda mais, com as do futuro. Essa continuidade é o que caracteriza as grandes nações. Povos que não sabem de onde vieram, não tem como saber para onde vão. E o Reino Unido sabe, muito bem, de onde veio. Sabe das lutas que deram ao mundo uma das maiores democracias liberais que se têm notícia. Da história que nos logrou valores como limitação do Estado, liberdade individual, progresso científico e assim por diante.

 

A história do Reino Unido e de sua Coroa estão interligados. Como também a história de todos os povos. O hino ‘God save the Queen’ ou ‘the King’ não é uma ode a pessoa do monarca, mas ao cargo e o símbolo. O ser humano que ocupa o cargo tem como fardo a obrigação de cumprir o dever histórico de representar este símbolo. Ao tornar-se Rei, Charles sabe desta diferenciação. Ele sabe que, como Rei, não está mais isento da responsabilidade de representar esta instituição que, agora, está umbilicalmente ligada a seu próprio corpo. Como pode um homem cometer erros ou atentar contra a democracia, quando a legitimidade de seu cargo depende, necessariamente, da sua capacidade de servir ao país da forma como se espera que ele sirva?


A única pergunta na mente de Charles daqui para frente, será esta: eu estou servindo bem o meu país? O que eu faço, tem feito bem ou mal ao Reino Unido? Eu sou fator de estabilidade ou de instabilidade?

 

Essa é a vida dele até morrer. E será de William um dia. Como também do pequeno George.

 

A característica da maior parte das pessoas que criticam a monarquia e vivem numa República, é que elas não sabem o que significa a Coroa. Pois mal sabem o que está escrito nas suas constituições! Provavelmente, são pessoas que não conhecem os nomes dos ex-presidentes da República, não sabem da história da sua bandeira nacional e nem entendem porque chamamos uns de Vossa Excelência e outros de Vossa Senhoria. Essas pessoas, que condenam a monarquia e tentam acoplar na coroa britânica eventuais erros do passado britânico, não respeitam nenhum símbolo histórico-cultural dos povos (nem do seu próprio!). Pois na verdade não lhes interessa o passado, mas apenas a sua própria narrativa.

 

Aqueles que criticam a propriedade privada, não querem se desfazer de suas propriedades privadas. Aqueles que criticam Charles por herdar a coroa, entram na justiça quando um parente morre para ter direito a herança. Aqueles que querem o fim da monarquia, não sabem sequer o que é uma República. E nisso, o ‘debate’ parece estar estabelecido. Será que a monarquia vai acabar agora que a Rainha morreu? Não! Porque deveria? A monarquia é uma instituição viva, adaptável e capaz de se reinventar. Charles é ambientalista, defensor de todas as fés, tem um histórico de lutas progressistas. Ele é exatamente o Rei que a esquerda adoraria que existisse. Se o problema é 'ser conservador', então Charles é o oposto de muitos conservadores por ai. Assim como William.


Mas a monarquia é velha”, diriam uns. Como também são velhos as instituições do seu país, como também são as Igrejas, como também é a língua, como também é aquele seu clube de futebol que existe a mais de 100 anos, como é tudo aquilo que tem história. Mas porque devemos apagar a história? Que senso de democracia é essa onde é preciso derrubar regimes ‘não eletivos’? Desde quando eleger alguém significa democracia? Desde quando eleição, sozinha, significa liberdade? De onde vem tais ideias? A própria separação dos poderes (executivo, legislativo e judiciário) foi pensado por Montesquieu para controlar o poder do Rei, não para se criar um poder republicano. Na história, a República é o erro, não a Monarquia.


Mesmo assim, monarquistas não estão por ai defendendo o fim de todas as Repúblicas. Monarquistas defendem que os povos que melhor se adaptam a República, que se mantenham assim. Do mesmo modo, os povos que melhor se identificam e se adaptam a monarquia, que tenham o direito de sê-lo. Não é, afinal, prerrogativa da democracia que os povos escolham os seus destinos? Pois então, que o debate sobre o futuro da monarquia britânica se dê dentro das necessidades do povo britânico. Não de uma ideologia antimonarquista sem qualquer fundamentação.


Não, as monarquias não precisam ser derrubadas e nenhum Rei precisa ser guilhotinado. Quem pensa assim é autoritário e ignorante, pois desconhece a história, desconhece o funcionamento dos Estados e desconhece, decerto, a si mesmo. A passagem do trono de Elizabeth para Charles simboliza, apenas, o momento histórico na qual um povo renova os votos de dever e serviço uns com os outros. Pois são nestes votos de dever e serviço que se fazem as grandes nações. É ai que se fundamenta o sentido de comunidade. DE POVO. O Reino Unido continuará a ser relevante enquanto tiver a sua monarquia. Pois no dia em que, por qualquer motivo que seja, a monarquia britânica acabar, então o próprio Reino Unido deixará de existir no teatro das nações. Não haverá mais identidade, não haverá mais reconhecimento e não haverá mais futuro.


A morte eventual da monarquia britânica seria equivalente a morte da nacionalidade britânica (nisto incluso, especialmente, da inglesa). Enquanto houver um britânico neste mundo que tenha orgulho de onde nasceu, ele será direta ou indiretamente monarquista. Pois mesmo aquele britânico republicano cujo divertimento é falar mal do seu Rei ou Rainha, sem ambos, ele não teria mais o que fazer da vida. Perderia a sua própria função no relógio social. Para o detrator existir, é preciso que exista o alvo do detrator. Do mesmo modo que para a admiração existir, é preciso que exista o objeto a ser admirado. A coroa, a monarquia britânica, é o que é. Uma instituição que não foge dos olhos públicos e, por isso, pode e deve ser criticada.


E por isso também, a monarquia britânica é o maior exemplo de democracia do planeta. Pois ao ser viva, ao estar disposta a ir ao debate, a falar sobre o futuro de igual para igual com todo mundo, ela se atualiza, se renova e permanece. Como todas as boas instituições deste mundo. A coroa britânica o faz pois foi ela que nos deu a tradição liberal que rege a maior parte dos povos ocidentais. É ela, sem dúvida, que irá nos ajudar a superar os autoritarismos do mundo dividido entre Ocidente e Oriente, entre democracias e autocracias, entre liberdade e ditadura.

 

Respeitar a monarquia britânica e o seu simbolismo é, para todos os efeitos, defender os valores liberais do mundo Ocidental.


Portanto,

 

Vida longa ao Rei!

God save the King, Charles III!