03/06/2016

A Revolução não será compartilhada



A Revolução não será compartilhada

Por

Sasha Lamounier


Observando as notícias acerca do Brasil e comparando com as notícias do mundo, reparo que há um movimento global acontecendo. Algo que não é restrito às fronteiras verdes e amarelas, mas que é, sem dúvida alguma, mundial. Longe das teorias da conspiração, criadas tanto por comunistas quanto por conservadores, há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, e por diferentes motivos. E tudo isso vem criando uma grande confusão para aquele que se vê no olho do furacão.

Neste artigo, vou tentar apresentar um pouco destas observações ao mesmo tempo em que me posicionarei, enquanto pensador, diante delas.


1.      O que está acontecendo?

Seja na América Latina, Europa, Oriente Médio, Ásia ou qualquer canto do mundo, uma coisa é unanimidade: 44% dos seres humanos deste planeta estão conectados. Segundo dados do State of Connectivity 2015, são 3,2 bilhões de indivíduos ligados a Internet, num mundo com mais ou menos 7,3 bilhões de seres humanos. [1]

Isso indica que quase metade da humanidade está sujeita a receber todo tipo de conteúdo compartilhado nas redes. Este texto (publicado num blog) é destinado, justamente, a esta parcela da população que tem acesso a Internet.

Quase todo jovem tem uma conta no Facebook. E grande parte daqueles que tem acesso a Internet, também. Tecnicamente falando, o Facebook (assim como a maior parte dos sites na Internet), utiliza como modelo estrutural de texto, o hipertexto. O que é o hipertexto? Como a palavra já diz, é um “super texto” que não tem um fim definido, como uma página de livros ou jornais impressos. A rolagem do cursor faz com que o texto lido pelo internauta seja uma continuidade constante (o que impede, por exemplo, que o leitor foque sua atenção em uma só coisa, uma vez que há mais conteúdo “por conhecer” na rolagem). Além disso, o hipertexto também é intertexto, uma vez que há links que fazem a ligação de um texto para outros quaisquer. O impacto social deste modelo ainda é objeto de estudo por especialistas da semiótica. Mas de todo modo, serve como um importante dado para o que acontece na sociedade moderna. [2]

O leitor virtual é tido, pelos designes de conteúdo web, como preguiçoso. Ele precisa ter acesso a informação o mais rápido e intuitivamente possível, pois a natureza da Internet é a mutabilidade constante. Portanto, se o texto não é aprazível no curtíssimo prazo, não interessa. Num planeta onde 44% da população vive diariamente alimentada por hipertextos, naturalmente teremos uma mentalidade do descarte e da superficialidade. É aqui que a informação se diferencia do conhecimento. O indivíduo moderno tem acesso a muita informação. Mas o problema é que informar demais, também é desinformar. Isto porque o grande fluxo informacional pode, ao internauta desatento, formatar conceitos contraditórios sobre um mesmo tema. Por exemplo: Se eu disser que uma salada salgada tem bananas e ameixas, e logo depois você ler que bananas e ameixas fazem parte de saladas doces, há aqui uma contrariedade sem sentido claro, uma vez que não há explicações detalhadas do que seria uma salada salgada e uma salada doce. O mesmo ocorre com basicamente TUDO o que o internauta lê na Internet. O conhecimento está disperso em muitas informações. E nem todo mundo sabe separar o que é pertinente daquilo que é descartável.





2.      O que isso tem a ver com política e sociedade?

Se a sociedade virtual é superficial em termos de conhecimento e mais dispersa em termos de interesses, facilmente o que surge e acontece num lugar do mundo terá algum impacto em outro lugar do mundo. Não há mais uma lógica “de fronteira” para o nativo virtual. O mundo tornou-se uma coisa só. E temos vários exemplos de como isso funciona na prática. Por exemplo, a Primavera Árabe de 2011.  As “revoluções” na Líbia e Egito foram impulsionadas pelas redes sociais e as informações e desejos lá compartilhadas. Do mesmo modo que a Síria entrou em guerra civil através de protestos organizados pelas redes sociais. Dentro deste contexto, surge também o Estado Islâmico. E de que modo o ISIS recruta seus combatentes no mundo todo? Novamente, usando as redes sociais e a Internet. [3]

Se observarmos o conteúdo dos discursos, tanto na Primavera Árabe quanto no Estado Islâmico, veremos um mesmo sintoma: radicalismo e superficialidade. Já falamos da superficialidade. No caso do radicalismo, ele surge como fruto do vazio de conhecimento (fruto da superficialidade). A informação alarmista e descartável torna-se o problema central da vida do leitor, que de algum modo se identifica com o alarme. Novamente, o internauta é preguiçoso. Ele quer logo avançar naquilo que decidiu ler ou fazer. Não quer perder tempo fazendo pesquisa ou debatendo. Se ele resolveu clicar num link, é porque ele quer entrar neste link. Do mesmo modo, se um radical em potencial resolveu aderir ao discurso radical, ele fará isso até o fim. Neste entremeio, surge a ignorância.

O que os protestantes da Primavera Árabe queriam? Democracia. Era o “download” que eles optaram por fazer. Mas que democracia? Que sistema democrático? Com que tipo de reformas políticas? Qual era a agenda?

Não havia. Apenas baixaram o valor “democracia”. A Primavera Árabe foi uma revolta virtual que se projetou nas ruas. A espectativa de resultados no curtíssimo prazo, como num hipertexto, fez com que a discussão de algo necessariamente de longo prazo (como o futuro de uma nação ou uma sociedade) ficasse em segundo plano. Para que comentar, se posso curtir? Comentar demanda tempo. E eu (internauta) não tenho este tempo… Eis a superficialidade.

Quais são as demandas do Estado Islâmico? Qual é a base de sustentação da organização? Criado por ex-militares iraquianos e ex-membros da Al Qaeda, o ISIS surgiu com um discurso mais radical do que qualquer outro grupo paramilitar islâmico. O discurso do Daesh (como também é conhecido o ISIS) é o “retorno” a um tempo de glória no mundo árabe, onde Maomé ainda era vivo e ditava as leis diretamente, de acordo com os costumes da época (cerca de 1600 anos atrás). Novamente, percebe-se aqui uma preguiça intelectual. Ao invés de criar algo novo, ou um caminho diferente, resolveram fazer “download” literal de uma interpretação superficial do Islamismo para, assim, responder a suas “necessidades”. Não há vontade de discutir os problemas do Oriente Médio no ISIS, não há sequer uma pauta política definida (como o IRA na Irlanda do Norte), mas há uma necessidade de aproveitar um rebuliço social (Síria) para se criar uma metonímia do “islamismo perfeito e ideal”. Daí o nome “Estado Islâmico”, pois pretende-se, com isso, reviver o antigo e sonhado “Estado islâmico” de todos os muçulmanos do planeta. Eis o radicalismo. [4]

Seria este radicalismo e superficialidade um problema apenas destas nações desestruturadas do Oriente Médio? Será que somente eles utilizam a Internet como forma de radicalização do discurso?

O Oriente Médio tem cerca de 270 milhões de pessoas. E os muçulmanos no mundo são mais ou menos 1,5 bilhão. Se estamos falando de uma população de 3,2 bilhões conectados as redes, obviamente, não são todos árabes ou muçulmanos. Na verdade, em sua maioria são ocidentais. Membros da famosa “sociedade judaico-cristã”, de tradição greco-romana e europeizada.

Aquilo que vemos acontecer no Oriente Médio, que já é uma região desestruturada politicamente há muito tempo, é apenas um alerta do que ainda podemos ver ao redor do mundo, se não tomarmos muito cuidado.


Nos EUA, onde a grande maioria da população é conectada, temos visto surgir discursos superficiais e radicais sobre tudo. Há 20 anos atrás, alguém acreditaria que Donald Trump seria o candidato do Partido Republicano, prometendo construir um muro entre EUA e México e promovendo o mais alto grau de protecionismo econômico da história americana? Nem mesmo os Bush apoiam Trump. No entanto, ele superou todos os demais pré-candidatos do GOP e será o representante republicano contra o(a) candidato(a) democrata, com um discurso semelhante ao do ISIS: “Make America Great Again” (Fazer a América grande de novo). Ou seja, “retornar” a um período de suposta glória que os EUA teria vivido no passado. Novamente, o “download” ideológico. [5]

Obama foi o primeiro candidato a presidência dos EUA a entender esta lógica da sociedade virtual e surgiu apostando firmemente na campanha na web. Deu tão certo, que sua campanha de 2008 com o “Yes We Can” se tornou exemplo para diversas outras campanhas presidenciais. No Brasil, em 2010, Dilma Rousseff foi eleita seguindo o mesmo padrão da candidatura Obama.

Na Europa, o debate a cerca do extremismo islâmico e das soluções para o problema seguem a mesma lógica. Ao invés de debater a questão seriamente, entendendo o que acontece no Oriente Médio e qual a relação da União Europeia, EUA e Rússia com isso, opta-se pelo discurso mais “fácil de baixar”. Ou seja, o radical. Recentemente, na Áustria, um candidato de extrema-direita (Norbert Hofer) quase foi eleito presidente do país. [6] A única coisa que impediu sua eleição foi o voto dos imigrantes austríacos, que correram contra o tempo para votar no outro candidato (Alexander van der Bellen), impedindo que Hofer fosse o vitorioso. Na França, o discurso radical dos Le Pen tem crescido, especialmente depois dos atentados de 2015. Embora grande parte da população europeia ainda busque se aprofundar neste debate, a tendência do “download ideológico” criar surpresas é cada vez mais intensa.


3.      E no Brasil?

Finalmente, no Brasil, temos desde 2013 um movimento semelhante. Grande parte da população começou a ter acesso a Internet nos últimos 15 anos, fruto do crescimento econômico e das políticas de inclusão social, em especial do governo petista. Por mais que haja alguma polêmica quanto a isso, os dados mostram que o combate a pobreza no governo Lula e o surgimento da “Nova Classe C” favoreceu muito o acesso a Internet por parte de brasileiros nas mais diversas regiões. Em 2013, no ano da Copa das Confederações (o “ensaio geral” para a Copa do Mundo), o país parou. Eram manifestações gigantescas, com pautas de todo tipo. Gente que saía as ruas pedindo tudo o que sempre ouviram nas escolas, na TV e no senso comum: mais saúde, mais educação, menos corrupção, menos violência etc. Se olharmos criticamente, veremos que já em 2013 as pautas eram um grande “download” político.

Nas eleições de 2014 (poucos meses depois do Brasil perder vergonhosamente a Copa que sediava), tivemos a mais polarizada eleição desde Lula e Collor em 1989. Como se não bastasse, um candidato a presidência morre num acidente aéreo (Eduardo Campos), mexendo ainda mais no jogo político eleitoral. Nestas eleições, o Congresso mais conservador desde os anos 1980 seria eleito e ao mesmo tempo Dilma Rousseff seria reeleita presidente da República. Com esta configuração e com 2013 bem fresco na memória coletiva do brasileiro, 2015 certamente não seria um ano normal na política. O que acontece a seguir é semelhante as revoluções árabes de 2011. Aqueles que votaram no outro candidato (Aécio Neves) optaram por ou não reconhecer a Presidente eleita, ou simplesmente defender seu afastamento por supostas irregularidades nas contas de 2014. Claro que, o grande sustentador deste rebuliço era a economia, que começava em 2013 a dar sinais de fragilidade. Mas havia um combustível a mais…

Pois bem, a dúvida que surge é: o que acontecia nas redes que justificasse este rebuliço todo? Simples, a velha guerra de informação. Não havia nenhum debate sobre o Brasil e seu futuro. E quanto a isso, eu (Sasha) sou fonte primária, pois estive em todo tipo de debate virtual desde final de 2012. Por um lado, haviam os argumentos governistas, já conhecidos da sociedade brasileira desde que Lula foi eleito em 2002. De outro lado, haviam as “oposições” ideológicas, alarmistas, que defendiam um agenda diferente da governista, sempre acusando o governo do crime maior para a parcela conservadora da sociedade brasileira: o PT é “comunista”. O terror começou a tomar conta de todo debate. “Este governo tem de cair logo, querem transformar o Brasil numa União Soviética!” dizia o jovem nascido depois da queda do Muro de Berlin e que tinha acesso a Internet depois de sua família ascender a classe média no governo Lula.

Como este discurso alarmista surgiu? De um lado havia o velho astrólogo e jornalista Olavo de Carvalho, famoso por seus artigos conservadores nos jornais O Globo e Jornal do Brasil. Olavo vive nos EUA e tem contato direto com os mesmos republicanos que hoje votam em Donald Trump. Seu discurso? “Pelo retorno da sociedade judaico-cristã, contra o projeto globalista islâmico e comunista”. Sim, é isso mesmo que você pensou: é outro download ideológico.

Além dele, há os Institutos “Liberais”, como o Mises Brasil, o Instituto Liberal, o Instituto Millennium e o Estudantes pela Liberdade (do qual o Movimento Brasil Livre é fruto), que muito longe de serem fóruns de debates amplos e abertos sobre política são, antes de tudo, centros de doutrinação neoliberal e conservadora. Em resumo, mais um outro download ideológico.

Unindo-se a estas duas forças virtuais que bradavam contra o governo e usavam a população desejosa de “tudo” em 2013, estavam outros jornalistas (Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi), o economista Rodrigo Constantino e uma parte da mídia que denunciava, com ampla divulgação, grampos e acusações contra o governo como se fossem “julgamentos definidos”. Todo mundo tornou-se culpado até que se prove o contrário. O que notamos com isso?

Vamos a lista, fato a fato:

1.      Em 2013 tínhamos uma população de classe média B e C, com acesso a Internet, desejosas de melhores serviços públicos, como transporte, educação, saúde, saneamento básico, contra a corrupção, pelo respeito aos impostos e todas as demais pautas “senso comum” da sociedade brasileira. Os protestos eram organizados pelo Facebook.

2.      Olavo de Carvalho começa a tornar-se viral na Internet em meados de 2009, através de seu curso de filosofia online (ele vive nos EUA, mas a divulgação de seus cursos são no Brasil). Antes, Olavo era um conhecido ensaísta e autor, mas sem notoriedade de massas como a Internet lhe proporcionou.

3.  Ao mesmo tempo, já desde 2005, pelo menos, haviam institutos alinhados com o neoliberalismo do Consenso de Washington e com o conservadorismo social discutindo soluções para vencer o discurso petista. Entre eles, os citados Instituto Millenium (criado em 2005), Instituto Mises Brasil (surgido em meados de 2008 e 2009) e o Estudantes pela Liberdade (surgido no Brasil em 2012). Todos com plataformas virtuais (sites, blogs e canais no YouTube) para divulgação.

4.     Em 2014 surge a Operação Lava Jato, sediada em Curitiba pelo Juiz Sérgio Moro, com foco na investigação de um esquema sistêmico de corrupção envolvendo a maior empresa brasileira: Petrobrás. Cada novo escândalo noticiado pela grande mídia torna-se assunto do dia, da semana e do mês nas redes sociais.

Tudo isso, ao mesmo tempo em que no mundo a crise financeira de 2007-08 criava uma série de colapsos econômicos e exigia medidas estatais e austeras para salvar as principais economias do mundo. E ao mesmo tempo em que as denúncias de espionagem da NSA viam a público, através de Edward Snowden. Uma delas, inclusive, tratava da espionagem do governo americano nos emails e celulares da presidente Dilma Rousseff e na Petrobrás.




A partir de 2013, por diferentes motivos, a sociedade brasileira começou a sentir o peso da inflação e os custos que, antes, favoreciam a classe média. Portanto, o que vimos em 2013 foi uma população revoltada com a economia e que queria soluções rápidas para seus problemas. O download do arquivo “direito de consumir” havia sido baixado pelas classes B e C. Aproveitando isso, diversas forças utilizaram o ranger de dentes popular por reformas, para criar uma pantomima ultraliberal e conservadora, jogando a população contra o governo de forma radical e sem debate. Se o pacote “direito de consumir” estava falhando, criaram o pacote “direito de protestar”.


4.      A que conclusão se chega?

De fato, aquele que ignora a força da Internet na sociedade moderna terá grandes dificuldades para entender o que está acontecendo a nossa volta. Tudo pode parecer lógico num primeiro momento, pois criou-se um pacote para ser baixado com uma lógica pré-definida. Mas onde está o debate? Onde está o dialogo social, tão necessário para mudar no longo prazo uma nação? O brasileiro sempre soube, em seu íntimo, que os governantes tinham seus “esquemas”. E debater isso é parte da reforma que a sociedade brasileira precisa. Porém, o que tem ocorrido no país é uma grande hipocrisia seletiva e coletiva, onde a corrupção de um é “menos ruim” do que a corrupção de outro. Onde se compete para ver quem é mais “moralmente elevado”. Onde se conspira abertamente pelo poder e todos fecham os olhos. Onde a informação é manipulada, mas finge-se que é legítima. Onde o meu time precisa vencer o seu time.

Na falta de conhecimento e profundidade, surge o radicalismo. E é exatamente neste ponto que a sociedade brasileira se encontra. A exemplo dos europeus assustados com o mito do projeto de poder islâmico global, ou ainda dos americanos com receio do avanço chinês, ou também como os próprios islâmicos radicais, com medo de perder sua cultura para o avanço globalizante da cultura ocidental, os tempos são de hipertextos.

Se nada for feito, no Brasil e no mundo, para superar este crônico problema, a tendência será o emburrecimento cada vez mais elevado de uma população que não para de crescer. Hoje somos 7 bilhões de seres humanos. Até 2050 seremos mais de 10 bilhões de seres humanos. Mas em que condições de vida? Em que condições de intelecto? Lutando que tipo de guerras? E mais importante: em nome do quê?

Em um mundo tão disperso, tão superficial e radical, apenas uma coisa é certa: esta revolução não será compartilhada.

Obrigado pela leitura,


Sasha Lamounier
Porto, Portugal 

03 de Junho de 2016 



Referências:

[1] State of Connectivity – 2015


[2] O hipertexto como mídia semiótica – Maria Angela Coelho Mirault

http://www.webartigos.com/artigos/o-hipertexto-como-midia-semiotica/15391/


[3] O Papel das Redes Sociais na Primavera Árabe – Acessado em 03 de Junho de 2016.




[5] Propostas Donald Trump – 2016



[6] Vitória de Der Bellen foi graças ao voto por correio – Acessado em 03 de Junho de 2016.