13/04/2021

SOBRE O ABORTO

 

SOBRE O ABORTO

Uma perspectiva liberal clássica

 

Panorama Geral

 

Como já escrevi em artigo de 2014 (A Condenação Moral da Pena de Morte), o liberal clássico defende uma tríade de princípios que fundamentam todo o ideário, a saber: vida, liberdade e propriedade. Nesta ordem. A tríade lockeana, longe de ser apenas uma proposição jusnaturalista, é também uma proposição empírica. Sem o objeto vivo, não tem como existir um objeto livre. E sem o objeto livre, não tem como haver posse. Neste sentido, a própria teoria evolutiva de Charles Darwin como o empirismo de David Hume e o utilitarismo de Jeremy Bentham assume que a preservação da vida humana é o maior e mais importante princípio para todo o arcabouço filosófico do liberalismo clássico.

Dito isso, é comum vermos entre aqueles que se denominam liberais a defesa intransigente do argumento da ‘propriedade do corpo’, embora seja este um falso argumento sem qualquer prenúncio de lógica. O eu-corpo não pode ser propriedade de si mesmo, pois ai estaria subentendido que o corpo não é o indivíduo, mas ‘algo que é posse de alguma outra coisa’. Isso é metafísica, já não é lógica empírica e materialista. O ser humano é o seu corpo, a sua carga genética, desde que ele existe como tal até o momento em que morre. Não tem como falar de ‘propriedade do corpo’ se você é o seu corpo. Curiosamente a esquerda usa a mesma falácia que libertários usam para defender seu individualismo autista.

No debate sobre o aborto, é notável a divisão de argumentos entre a defesa da vida em si mesma e da liberdade da mulher sobre o seu corpo (pró-vida e pró-escolha). Este é, necessariamente, o ponto de discordância de liberais. E daqui duas colunas de argumentos se estruturam. Uma delas, favorecendo a vida, começa no argumento genético de que a vida humana se estabelece quando um órgão biológico com 23 pares de cromossomos é nidado (colado) na parede do útero da mulher, o que significa necessariamente que dali e diante o ser ou vive ou morre. Tal como acontece com qualquer indivíduo em qualquer fase de sua vida. O outro lado do argumento, favorecendo a liberdade de escolha da mulher, diz que enquanto o feto estiver dentro da mulher, é ela que decide se mantém a gestação ou não. Não há argumento científico para isso, apenas político/social mesmo.

Entre aqueles que tentam arrumar um argumento moderado, busca-se alternativas científicas para determinar aonde começa a vida humana. Alguns dizem que é quando se estabelece o sistema nervoso no feto, outros dizem que é quando passam-se X semanas de gravidez, outros tentam abarcar o assunto para quando há má formação fetal e misturam assunto de cariz científico e médico com o social e moral. O ponto é: quem quer defender a vida, não precisa fazer malabarismo, basta ir ao centro da questão e perceber que um objeto biológico que irá se desenvolver no útero de uma homo sapiens fêmea irá, necessariamente, ou morrer ou se desenvolver em mais uma vida humana. Não há aqui dúvidas sobre isso. Se este objeto biológico é uma vida humana em desenvolvimento, o assunto está encerrado: é vida humana, logo, deve ser preservada. Para se ter sistema nervoso, é preciso que se tenha um animal humano para este sistema nervoso. Logo, o fato de existir um ser humano ANTES do sistema nervoso já encerra o suposto debate.

Por isso, o debate sobre aborto não é científico, é social e político. Entra-se aqui no campo moral e pragmático, onde diversas jovens são vítimas de estupro ou são abandonadas pelo pai biológico, que não dá o apoio financeiro ou psicológico necessário para o bom desenvolvimento da gravidez. Do ponto de vista médico, o aborto só é realmente indicado quando há má formação fetal (causando a morte prematura do feto) ou quando há risco de vida para a mãe. Nestes casos a comunidade médica debate a possibilidade do aborto. Mas fora isso, o médico tem como juramento defender a vida humana, e nisto está incluso o bem-estar do ser humano em desenvolvimento no útero materno.

Neste sentido, se o debate sobre o aborto NÃO é científico e nem médico, mas apenas ético e moral, ou ainda, político e social, fica muito evidente que quem quer defender a vida, o fará desde o começo, quando há carga genética única nidada a parede do útero materno. Quem não quiser defender a vida humana e o fizer em nome da liberdade, estará sempre a favor da relativização da vida para financiar seu argumento. O leitor fique atento a estas duas posturas. O liberal clássico de verdade vai sempre colocar a vida acima da liberdade, pois não há liberdade sem a vida.

 

REFUTAÇÃO PONTO A PONTO

 

Para facilitar o entendimento, passarei a seguir a refutar ponto a ponto os argumentos mais usados em favor da escolha da mãe de abortar, demonstrando o quanto incoerente é com o liberalismo clássico defender esta posição.

1º. “É o corpo da mulher e ela faz o que quiser com o mesmo”.

É verdade, a mulher tem total legitimidade de fazer o que quiser com o seu corpo. Mas o corpo dela é dela, já o da vida humana em desenvolvimento dentro dela é outro! A mãe é a hospedeira de uma outra vida humana, não é dona desta outra vida humana.

2º. “Pelo fato da mulher sofrer mais efeitos em seu corpo do que o homem, ela tem o direito de determinar o que fazer com a gravidez”.

Completamente falso. Nenhuma gravidez é espontânea ou por simbiose de cargas genéticas no ar. Trata-se da consolidação de um novo ser vivo a partir das cargas genéticas de DUAS pessoas, não de apenas uma. A partir do momento em que os genes do pai e da mãe estão envolvidos na formação do novo ser, ambos tem direito e dever igual e legítimo de tratar da gravidez.

3º. “A mulher não é obrigada a cuidar sozinha de uma gestação depois que o marido / namorado a abandonou grávida”.

O abandono parental é um problema grave, não importa a classe social ou a região do país ou do mundo. No entanto, este argumento é uma falácia do falso dilema. Um erro não legitima outro erro, de modo que o abandono parental não significa que a vida humana pode ser interrompida tão e somente por isso. É preciso uma rede de solidariedade social, estatal e privada, que ajude a mãe solteira a lidar com a criação desta nova vida. A gravidez é, na verdade, uma responsabilidade social, não tão e unicamente individual.

4º “A mulher pobre, sem apoio psicológico ou financeiro, não terá como sustentar a criança, que fatalmente irá entrar no crime e acabará se tornando ou um presidiário ou um morto precoce”.

Trata-se de outra falácia, denominada a do apostador, onde se considera que uma sequência de eventos irão necessariamente acontecer por causa de experiências similares anteriores. Não há lógica direta entre causa e efeito, visto que nada neste mundo garante o futuro que uma criança terá na vida a não ser a sua educação e as suas escolhas pessoais. Afirmar, em favor do aborto, que a pobreza tende a gerar marginais, é na verdade um argumento higienista e deve ser combatido pelo que é. Não é um argumento pró-escolha.

5º. “Não há consenso científico sobre o começo da vida humana

É outra mentira. Embora existam correntes que divirjam sobre o começo exato da consciência humana, não existe divergência sobre a origem genética da vida humana. A partir do momento em que temos um embrião com 23 pares de cromossomos individualizados colado na parede do útero materno, ainda que possa se dividir e dar origem a gêmeos, só há dois destinos para ele: ou viver ou morrer. Se continuar vivo, irá dar num ser humano fora da barriga materna, como eu e você. Se morrer, morreu, como toda gente um dia irá morrer em alguma fase da vida. O ponto é: a definição de onde começa a vida humana já existe e é bastante evidente.

Tentar argumentar que o aborto pode ser possível X semanas depois da nidação ou depois de surgir o sistema nervoso é apenas uma forma de relativizar a vida humana para tornar mais aceitável a ideia de interrompe-la. Não é uma proposta pró-vida, mas uma argumentação chinfrim pró-escolha.

 

CONCLUSÃO

 



Todo indivíduo vive em sociedade. É o que nos torna seres humanos. É o que nos diferencia dos demais animais, que vivem em bandos, mas não produzem linguagem própria complexa e não registram a sua própria história. Nós, seres humanos, o homo sapiens, estamos ligados pelo relacionamento temporal que estabelecemos entre nós todos. Quando se argumenta que o aborto deve ser favorecido em detrimento dos problemas sociais que o Brasil tem, não se está atacando o problema original (que é a pobreza, a falta de uma cadeia de solidariedade humana, a ausência do Estado e dos sistemas de saúde na vida das pessoas etc.). Está-se usando um fantasma, um espantalho, para atacar um problema tergiversado.

O abandono parental é um problema por si mesmo, assim como a pobreza, a miséria, a violência e a falta de assistência. Precisamos lutar para que a sociedade fique mais saudável, com famílias mais bem estruturadas, com um Estado mais eficiente, com políticas públicas que preservem a vida humana através de uma boa saúde pública. Este debate sim vale a pena ser feito. Defender o aborto não é solução para absolutamente nada. É apenas uma cômoda maneira (bastante ideológica) de defender o indefensável. A vida humana não pode ser relativizada. Se o fizermos, estaremos abrindo as portas para o inferno, desde a relativização do sexo até a relativização do que é estar vivo.

Não pode a liberdade de um infligir a liberdade de outro. E tampouco a propriedade é superior a vida. Como dito no começo deste artigo, todos os valores liberais existem para preservar a vida, tão e unicamente. Sem isso, perdemos o foco do que é ser um liberal, do que é defender a liberdade individual e do que é viver em sociedade. Entendo e me compadeço das mães solteiras Brasil afora que ficam sem assistência devido ao abandono do pai. Também entendo o drama psicológico de uma jovem estuprada, violentada, e que engravida forçosamente.  

Não é fácil simplesmente ignorar estes dramas pessoais. E nem deveríamos ignorar. Tomar consciência de que a mulher é muitas vezes abandonada na gestação é compreender que temos uma sociedade disfuncional, mais preocupada com os imediatismos consumistas do agora do que com o tecido que fomenta os relacionamentos humanos. O aborto não vai resolver um problema social desta envergadura. Não irá sequer apaziguar. O aborto serve apenas como bandeira ideológica para quem quer defender, sem qualquer apelo à razão, uma liberdade irrestrita que não é saudável e sequer liberal. O aborto é uma questão de saúde pública, não é um debate político ou social. Deve ser tratada por médicos e seus pacientes, caso a caso, dentro de uma rigorosa convenção científica em defesa da vida humana.

Aos liberais que defendem a tese pró-escolha achando que estão defendendo uma pauta liberal, lembrem-se de que o lado mais indefeso de todos nesta história é o bebê, que não tem autonomia para defender o seu direito de existir. Somos nós, defensores do princípio da vida, que devemos nos levantar em voz alta e preservar toda a vida, desde o embrião até a terceira idade. Nós como sociedade, só podemos avançar quando tratarmos os infantes e os velhos com o mesmo respeito. Não abandonemos o ser humano em nenhuma fase de sua história, pois ao faze-lo, estaremos abandonando a nós mesmos no outro.

 

Obrigado pela leitura,


Sasha van Lammeren

Um Liberal Clássico


10/04/2021

Quem é Sasha

 




Sasha Rupar Lamounier van Lammeren é brasileiro, nascido no estado do Rio de Janeiro, em 23 de Julho de 1990. Formado em Ciências da Comunicação, ramo Jornalismo, pela Universidade do Porto em Portugal, Sasha é entusiasta do Liberalismo Clássico há mais de uma década.

Mestre em Comunicação Política pela Universidade do Porto (2022) e doutorando em Ciência Política pela Universidade NOVA de Lisboa, Sasha é desde 2014 fundador e administrador do grupo Liberalismo Clássico, no Facebook. Sempre ativo nas redes sociais, Sasha participa ativamente da política online desde as grandes manifestações de 2013 que acometeram o Brasil todo. Em 2015 pertenceu aos quadros do MBL, saindo no mesmo ano. 

Tem sido apontado como a maior autoridade online sobre Liberalismo Clássico e grande difusor da mesma, sendo reconhecido o seu trabalho no combate a desinformação política e ideológica. Em 2016 enviou carta a então Presidente da República, Dilma Rousseff, que foi lida em Comissão do Senado Federal, denunciando aquilo que chamava de "corrupção moral, ética e ideológica do Estado de Direito e da liberdade individual", quando a presidente passava por um impeachment encabeçado justamente pelo MBL e outros grupos online. 

Também já escreveu artigos para o Instituto Liberal de Minas Gerais: 

O Congresso Nacional e o Executivo: de Collor a Bolsonaro
Uma reflexão sobre a história e os destinos da Venezuela

Além de seus estudos académicos, Sasha é autodidata em relações internacionais, sociologia, economia, cultura e psicologia. Ele é também analista e consultor político. 

Email de contacto: sashalamounier1990@gmail.com