11/12/2014

Entendendo o Contrato Social



ENTENDENDO O CONTRATO SOCIAL
                                                                                    


Introdução


A intenção deste artigo é ser didático e objetivo. A contextualização histórica do que levou os três diferentes e principais autores (Hobbes, Locke e Rousseau) a discorrerem sobre o contrato social, demandaria um artigo a parte. Assim como necessitaria de outro artigo para tratar dos comentadores e estudiosos do contrato social. Portanto, citarei os autores clássicos de modo pontual sem maiores danos a praticidade deste artigo.

Uma das maiores falácias contra o Estado é o velho argumento "onde assinei o contrato social". Ao invés de recorrer a toda rica fonte de autores que tratam do tema, buscarei explicar de maneira simples o que é o contrato social, se existe e como funciona para, a partir disso, passarmos a ler os clássicos (aqui citados) e entender o que eles querem dizer com suas obras.

Então vamos começar do começo. Quando o homem nasce, ele é um ser completamente indefeso. Ao contrário de outros animais, o homo sapiens filhote é incapaz de fugir das presas e de preservar sua vida sem a ajuda de outro homo sapiens mais capaz. Isso é um fato. Inclusive, a família é a primeira instituição de uma civilização. Entenda por família quem produz a espécie e a mantêm. Portanto, desde o começo da vida humana nós já sabemos que o “direito natural”, sozinho, não significa muita coisa. “Ter” o direito natural não impede que o ser humano tenha seus direitos infligidos. É por isso que bebês choram. É a única forma, instintiva, que conhecem de expressar suas necessidades.

Esta diferença na formação do homo sapiens indica que somos uma espécie muito frágil para um mundo tão brutal. Claro que poderíamos citar o indelével avanço genético que nossa espécie sofreu até que tivéssemos um crânio e um cérebro maior, capaz de gerar uma cognição mais ampla. Mas, isso não é muito importante neste artigo. O que importa são os fatos. E, em posse deles, o fato é que nos adaptamos a uma situação de perigo iminente, onde não só a natureza em si poderia nos destruir, como também outros homo sapiens poderiam nos destruir repentinamente e por motivos diversos. Em seu surgimento, o homo sapiens era uma população minoritária no planeta. Portanto, em todos os sentidos, na luta pela sobrevivência, a humanidade começou perdendo. O que nos fez avançar foi à sociedade. Portanto, a civilização, o conjunto cooperativo de homo sapiens organizados em torno de objetivos comuns.

Mas o que são os direitos naturais? São condições que o homem possui ao nascer. Portanto, logicamente, ao nascer à primeira coisa que a natureza lhe deu foi à vida. Com ela você pode fazer o que quiser de acordo com o contexto que o ambiente lhe propicia. Isso é liberdade. E você tem em seu corpo o local onde vive a vida e a liberdade. Isso é propriedade. Surge assim a tríade clássica dos direitos naturais: vida, liberdade e propriedade.


O Estado de Natureza

Mas eles só conseguem ser plenos no estado de natureza, uma interpretação central para a compreensão do contrato social. E é aqui, no estado de natureza, que começa o problema. Para Hobbes, o estado de natureza existiu e era basicamente formado por uma condição de constante guerra, pois o homem é naturalmente egoísta e buscaria preservar seus interesses individuais (vida, liberdade e propriedade), como bem quisesse. Daqui surge a famosa frase hobbesiana “o homem é lobo do homem”. Para Locke, o estado de natureza ainda permanece hoje, porém controlado devido ao interesse comum de viver pacificamente em busca da prosperidade. Já para Rousseau, contrariando os dois últimos autores, a vida no estado de natureza era pacífica e harmoniosa, pois a natureza dava ao homem tudo aquilo que ele necessitava. É a tese do “bom selvagem”. Apesar destas diferentes interpretações, os três autores concordam que este estado de natureza existiu, em teoria ou prática e que foi a partir dele que surgiram as civilizações posteriores. Ou seja, foi superando o estado de natureza que a história (com H) começou.

Como alertado no início deste artigo, não é de nosso interesse agora buscar compreender cada um dos autores, mas sim o conceito que constitui o contratualismo, discorrido pelos três.

Sendo assim e com o que já temos até aqui, vamos considerar alguns fatos:

1º. Todo ser humano tem direito natural à própria vida, liberdade e propriedade.

Mas para Hobbes e Locke isso, por si só, não é suficiente. Como espécie, queremos sobreviver. Mas fazemos diferentes interpretações desta busca. Portanto, não somos pacíficos. Queremos a nossa sobrevivência nem que para isso seja necessário impedir a do outro. Isso nos leva ao segundo fato.

2º. Estes direitos precisam, igualmente, que sejam respeitados impositivamente para que não sejam infligidos por terceiros.

Aqui já nasce o conceito de contrato. Somos naturalmente livres, mas abdicamos de parte de nossa liberdade, em nome de uma força coercitiva que obrigue os depredadores dos direitos naturais a nos respeitarem. Tanto para Hobbes como para Locke é este o conceito de Estado e sua função na vida humana. Podemos considerar Estados desde os primeiros clãs (famílias) que se uniam em torno de grupos armados de caçadores-guerreiros, até os Estados modernos que a rigor possuem os mesmos caçadores-guerreiros, mas com outros nomes.


O Contrato Social e seus autores

Para Rousseau, porém, tudo o que surgiu como superação do estado de natureza foi uma corrupção dos valores naturais do homem. Ou seja, para ele a propriedade privada era a chave pela qual a humanidade perdeu sua “pureza”. A maçã do pecado é a propriedade privada que daria origem aos Estados. Para Hobbes e Locke é basicamente a propriedade privada (direito de propriedade) que geraria o surgimento dos Estados (clãs, tribos, reinos, impérios, nações etc). Nota-se que os três autores concordam em uma coisa: a propriedade privada gerou o Estado. Para Rousseau isso é negativo, mas para Hobbes e Locke isso é positivo. Para Hobbes, especialmente, a produtividade só é possível em uma ordem social pacífica, onde desordeiros da vida humana seriam coibidos por um poder central e forte, legitimado por todos os seres humanos que estivessem comprometidos com a preservação dos direitos naturais. Para Locke, o princípio é o mesmo, com uma diferença simples. Este poder central e forte seria uma construção constante tendo como base a racionalidade humana. Ambos endossam a liberdade como o impulso que moveu os homens a criarem o Estado, visto que a sobrevivência é uma necessidade do homem para além de suas vontades.

Já Rousseau diz que esta liberdade não é plena se não houver igualdade entre os homens (igualdade esta em todos os sentidos, principalmente de poder). Por isso que a propriedade privada é um corruptor do ser humano, para Rousseau. A igualdade é um princípio mais preponderante e é esta busca que norteia todo o trabalhou rousseaniano.

Sendo assim, compreendendo o que os autores refletem, já temos uma definição de contrato social. O contrato social nada mais é do que a voluntária associação de homo sapiens em busca da preservação de seus direitos naturais, estabelecendo, para isso, regras de convívio social e um centro de comando que administra estas regras e as impõe diante daqueles que discordam destas regras. É voluntário, pois os homens abdicam (abdicar - verbo indicador de ação) de seus direitos plenos em nome de um bem maior: a convivência pacífica. Ninguém impôs o contrato social, visto que ele não existia no estado de natureza. Foi a voluntariedade humana que a criou!

Respondendo aquela falácia citada no começo do artigo: onde, então, assinei o contrato social? A resposta é simples: ao nascer. O contrato social, por ser uma cooperação coletiva pela preservação dos direitos naturais (ganhos pelo homem ao nascer), endossa que todo ser humano tem o direito a vida, a liberdade e a propriedade. Mas que a simples existência destes direitos não é suficiente para garanti-los. Por isso a coerção se faz necessária. Deste ponto em diante, podemos compreender todo o arcabouço da ciência política moderna, desde os contratualistas até os utilitaristas e juspositivistas de modo geral.


Considerações Finais

Entendendo isso, compreendemos também o conceito de sociedade civil. A sociedade civil é feita por todos os seres humanos (homo sapiens) nascidos dentro de um contrato social (Estado). Isso nos torna cidadãos, ou seja, membros da cidade. Foi com Hobbes e Locke que nasceu o conceito de cidadão moderno (influenciados por Aristóteles). E com o conceito de cidadão, surge o conceito de individualidade, tão caro aos liberais. Só há individualidade positiva se houver contrato social. Pois sem o contrato social, estamos no estado de natureza, onde todo homem é livre para fazer o que quiser, sem repreensões morais, pois estas são advindas da civilização e não da natureza (que é amoral). A própria cultura começa a partir do momento em que há contrato social. Os valores são construções da civilização ao longo dos milênios. Sempre visando à compreensão da realidade e a preservação da espécie.

Há outro fato que nos ajuda a compreender o conceito de cidadania no contrato social dos Estados modernos. Todo ser humano já nasce dentro de um território pertencente a um grupo de seres humanos que compartilham do mesmo lugar. O território é um recurso escasso, vide que há um limite geográfico no globo terrestre. E todo homem nasce, necessariamente, em um destes territórios. Se ele assina o contrato social ao nascer, então por direito de nascimento ele é um dos donos daquele território! É a forma de preservar o direito natural a propriedade para todos os indivíduos. Mas como o homem é um animal social e não individualista, pois ele necessita de humanidade para existir e compartilhar do território, então ele é proprietário-sócio de um grande esforço coletivo chamado país (Estado-nação).

A dicotomia entre Hobbes/Locke e Rousseau é a velha discussão filosófica da natureza humana. Qual é a natureza do homem? Ele é naturalmente bom e a sociedade o corrompe, ou ele é lobo de si mesmo? São as perguntas que filósofos de todas as eras tentaram responder, e os contratualistas não fugiram da regra. O liberal, por ser influenciado especialmente por Locke, mas também por Hobbes, entende que o homem tende a ser egoísta e que, portanto, não está naturalmente direcionado a uma convivência pacífica. Somos seres racionais e, como seres racionais, criamos o Estado, justamente para coibir a irracionalidade que também faz parte do ser humano. A função do Estado, portanto, é a segurança e a justiça, pois é com isso que se preservam os direitos naturais.

Há uma diferença fundamental entre os três autores, que deve ser ressaltada. Para Hobbes, o estado forte e central existia numa relação hegemônica. O homem nasceu num estado de natureza por ele denominado “todos contra todos”. Por isso, é importante que o Estado tenha participação ativa na sociedade. É o famoso Leviatã. Já para Locke, o contrato social é formado pela confiança e consentimento. O homem abdica de parte de seus direitos naturais plenos para, através da racionalidade, estipular governo que, numa via comum entre sociedade e autoridade, organizariam a vida social de modo a preservar os direitos naturais, especialmente o de propriedade. O Estado para Locke não deve ser forte e central como para Hobbes. Mas sim, uma troca onde o governo serve ao povo e o povo abdica da plenitude de seus direitos naturais em troca de um bem comum (é uma relação de reciprocidade). Já Rousseau diz que o Estado é a unidade que representa a vontade geral. Ou seja, se Hobbes e Locke dizem que o Estado é uma necessidade da humanidade, Rousseau diz que é parte da própria natureza do homem e que tudo feito pelo Estado, se legitimado pelo povo, é de fato legítimo, pois representa a vontade geral, o desejo mútuo da maioria.

Em suma, toda organização humana demanda contratos. E o contrato social nada mais é do que o direito natural positivado. A partir do momento em que há quem obrigue que certos direitos sejam respeitados, ativa ou passivamente, há contrato social. O estado de natureza, que Hobbes e Locke se opunham, era justamente a condição de vida humana primitiva onde não havia nenhuma garantia dos direitos naturais.

É uma compreensão simples e eficaz. Creio que neste artigo consegui expressar com certa exatidão o conceito do contrato social e demonstrar que sim, ele existe. Sim, ele funciona. E sim, ele é necessário. Qualquer um que imagine um mundo sem Estados, estará imaginando um mundo sem contratos sociais. Portanto, sem garantia dos direitos naturais. O fato é que se nenhuma experiência humana progrediu sem a presença de um contrato social, é porque empiricamente, na experiência humana, ele é um fato incontestável. E, ainda mais, sem contrato social não haveria civilização e sem civilização, não haveria nem mesmo o conceito de individualidade e liberdade.


Obrigado pela leitura,

Sasha Lamounier,
Um liberal Clássico


Porto, Portugal - 11 de Dezembro de 2014.

01/09/2014

Pelo Direito de ser Coxinha!



PELO DIREITO DE SER COXINHA!




O Termo

Diz-se que o termo “coxinha” surgiu como apelido dos policiais paulistanos nos anos 1980, pelo fato que em seus intervalos, os policiais almoçavam com vale-refeição de baixo custo, sendo estes vales apelidados de “vale-coxinha”, tendo como referência o popular salgadinho tipicamente brasileiro. Hoje, inclusive, policial e coxinha são praticamente sinônimos em São Paulo. Depois, com a popularização dos programas policiais de TV, o termo ampliou-se, alcançando toda pessoa preocupada com segurança, sendo, por conta disso, associadas à classe média paulistana. A partir daí, o termo começa a ser associado aos “mauricinhos”, ou “filhinhos de papai”. É um termo oriundo de São Paulo, para muitos, a terra de todos os coxinhas. [1]

A sua conotação ideológica e abrangência nacional, no entanto, ganhou maior destaque durante as manifestações de Julho de 2013, onde brasileiros resolveram sair às ruas para manifestar todo tipo de insatisfação e bandeiras. Manifestações estas iniciadas em São Paulo (movimento do Passe-Livre).

Tendo como base este pano de fundo, o que seria o “coxinha” nacionalmente conhecido? Na gíria esquerdista, o coxinha é uma derivação do “mauricinho” anteriormente citado. É aquele jovem de classe média, que luta para ser um bom aluno, sem colar na prova, é o cara que estuda em faculdade particular, ou o que tem um emprego e está feliz por estar inserido no mercado de trabalho. É o cara considerado “coxinha”, por ser “engomadinho”, “careta”, defensor dos “bons costumes” etc. Mas na verdade, o coxinha “ideológico” é todo aquele que discorda ou pensa diferente das políticas e bandeiras da esquerda, seja no campo social ou econômico. Ou seja, “coxinha” significa “pequeno burguês”. [2] [5]

Engomados, bons moços, preocupados em acentuarem suas diferenças do resto da sociedade, inimigos da crítica... Acabaram ridicularizados pelo restante da sociedade. Antes dos protestos, eles só eram visíveis em São Paulo. [1]

"Inimigo da crítica" é o menos compreensível. Visto que o coxinha, em si, não apelida ninguém que discorda dele. Mas, continuando...

Não é de hoje que a esquerda apelida seus inimigos ideológicos. Podemos dizer que isso vem desde Marx, que transformou todo proprietário privado dos meios de produção em exploradores malvadões de trabalhadores. “A história da sociedade até aos nossos dias é a história da luta de classes”, diria Karl Marx no Manifesto do Partido Comunista. [3]

E apelidar todo jovem que discorda das bandeiras da esquerda de “coxinha” é nada mais e nada menos do que promover a luta de classes, tão necessária para que a luta marxista tenha sentido. Ter um inimigo declarado é fundamental para a esquerda, que precisa de um discurso “messiânico” para, deste modo, instaurar a ditadura do proletariado que é, em última instância, o objetivo de todo comunista.



Decifrando o “Coxinha” e o “Esquerdista anti-coxinha”.

Compreendido o que o termo coxinha conota, vamos entender quem é seu crítico. Tomo como ponto de partida as definições dadas a quem é “coxinha”, contrapondo-o com aquele que o critica. Se alguém critica o “coxinha”, é porque este alguém é anti-coxinha, certo? Nesse caso, tudo o que direi a seguir é pertinente à negação daquilo que o termo “coxinha” significa politicamente. Se o leitor achar rasa as comparações, é porque a definição de “ser coxinha” já é rasa. Se o coxinha é a favor dos "bons costumes", então, pela lógica, o esquerdista é contra os "bons costumes". Então, vamos lá. 

Quem é o jovem esquerdista? Seria aquele jovem pobre, que lutou para passar no ENEM, se esforçou para ter um emprego e ganhar na vida? Não! Isso é ser coxinha demais. Como pode um esquerdista ser coxinha? Como pode um esquerdista passar de ano sem colar? Como pode um esquerdista passar no ENEM ou estudar numa faculdade particular, se ele é contra estudar a sério? Não faz sentido. Afinal, para que estudar se a vida é mais do que “bater ponto” no trabalho, não é?

Bom, vamos pelas definições. O esquerdista é tudo aquilo que o coxinha não é. Então podemos dizer que:

1º. Se ser coxinha é ser “engomadinho”, portanto, “careta” ou “bem arrumado”, devo crer que o esquerdista é um jovem em busca de novas experiências na vida, livre, sem apreço por nenhum movimento estilístico e desprendido de tudo e todos. Algo como Alexander Supertramp (se nunca ouviu falar, Google!). Correto?

2º. Pelo fato de coxinha, o original, ser um salgado popular, devo também concluir que todo “coxinha” é uma pessoa humilde e/ou batalhador, certo? Afinal, a origem do termo vem de policiais que almoçavam vale-refeições de baixo custo para, depois do “rango”, trabalharem para servir a população. Nesse caso, o esquerdista é aquele que não come coxinha, pois come coisa melhor (tipo caviar), não é?

3º. Bom, se o coxinha é o oposto do esquerdista, então ele é anti-Estado e anti-intervenção econômica também (Estado grande e mercado regulado são bandeiras da esquerda). Logo, o coxinha é aquele que prefere gastar seu dinheiro ganho no trabalho no mercado ao invés de usar serviços públicos. Logo, o esquerdista é aquele que só usa serviços públicos.

Até aqui se conclui que o esquerdista é uma mistura de Alexander Supertramp com Robin Hood e Chê Guevara, acertei?!

Se o “pequeno burguês” é a favor da meritocracia, podemos dizer que o esquerdista é contra a meritocracia. Se o “coxinha” é a favor de estudar e trabalhar, para ter o seu dinheiro, então o esquerdista não quer estudar e nem trabalhar. Se o “coxinha” se veste mais ou menos arrumado, então o esquerdista é contra todo tipo de movimentos estilísticos. Se o “coxinha” é “filhinho de papai rico”, então o esquerdista é “filhinho de papai pobre”. Se o “coxinha” é a favor do livre-mercado, então o esquerdista é a favor de alta regulação do Estado, inclusive de impostos para sustentar todos os serviços públicos.

Nesse caso, o que é o esquerdista?

Na melhor das hipóteses, o esquerdista é um vagabundo que não quer estudar, não quer trabalhar, quer gastar um dinheiro que ele não ganha (mas vem de algum lugar, talvez do “pai pobre” dele) para pagar impostos e ainda tem alguma aversão a alimentos populares. É o cara que pede "cola" da prova ao nerd, ao invés de dar a "cola". 

Já o “coxinha” é o inverso. É quem dá a cola! É o cara que se mata para estudar corretamente, respeita e honra o dinheiro de seus pais, procura se formar e exercer uma profissão, ganhar seu dinheiro no mercado de trabalho e utilizar apenas o SEU dinheiro ganho para se beneficiar de serviços privados. Então o “coxinha” é Christopher McCandless!


Conclusão

Após tudo o que foi verificado, a pergunta fundamental é: o que ganha o anti-coxinha sendo anti-coxinha? Qual é o grande mal que o coxinha oferece para a sociedade? Será tão ruim estudar, trabalhar, ir para o mercado de trabalho e construir uma vida? Será que nascemos para não estudar, não trabalhar e viver à custa dos outros? De onde vem os recursos para aquilo que possuo? De onde vem o meu conforto? A comida na minha geladeira, de onde vem? Quem faz aquilo chegar até mim? Como que um lápis produzido graças ao trabalho e estudo de tantos coxinhas mundo afora pode ser tão ruim?

Se o coxinha é aquele que estuda e trabalha, que valoriza princípios e estima o ganho individual, portanto a meritocracia, então o coxinha é o construtor de tudo aquilo que a humanidade utiliza. Principalmente da tecnologia! Nesse caso, Bill Gates, Steve Jobs, Mark Zuckerberg e Larry Page são coxinhas!

Entre ser um nada, que não estuda, não trabalha, é pobre, que utiliza o pouco dinheiro do pai para pagar impostos (serviços públicos arrecadam dinheiro de algum lugar e empresas produzem para alguém) ou ser um jovem estudante, filho de uma família igualmente batalhadora, empreendedora, com perspectivas de futuro e interesse em gastar apenas seu dinheiro ganho pelo seu trabalho, quem você gostaria de ser?

Alexander Supertramp ou Christopher McCandless?

Se você ainda não procurou no Google, talvez por considera-lo um site coxinha demais, assista ao filme “Into the Wild”, de Sean Penn e você entenderá o que significa estes nomes acima citados. [4]

Finalizo apenas com minha reivindicação: que todos tenham o DIREITO de serem COXINHAS, para que, um dia, possamos viver numa sociedade inteira feita de coxinhas!



Grato pela leitura,


Sasha Lamounier
Um Liberal Clássico

Porto – Portugal
02 de Setembro de 2014;


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Fontes e Referências:












30/07/2014

O Paradoxo Ancap


O PARADOXO ANCAP


Introdução


Toda causa e todo movimento ideológico tem a sua extremidade, que nada mais é do que a defesa principiológica das bases da ideologia em sua literalidade. A isto se dá o nome de fundamentalismo. O fundamentalista é aquele que crê no sentido literal das “escrituras” ou da tábua sobre a qual sua ideologia está edificada.

No caso do liberalismo, cujo princípio base é a liberdade, o seu extremismo (ou fundamentalismo) é o anarco-capitalismo (ancap). Seu principal ideólogo, ou pelo menos o que deu origem ao movimento “ancap” através de suas obras, como A Ética da Liberdade e Anatomia do Estado, foi Murray Rothbard. Ex-aluno de Ludwig Von Mises, Rothbard foi quem definiu as bases sobre as quais o anarco-capitalista baseia todo o seu ideário (em especial na obra A Ética da Liberdade).

Seguindo seus passos, outros anarco-capitalistas confessos continuam na peregrinação em busca do mundo ideal da liberdade. Entre eles, o filho do grande Milton Friedman, David Friedman, o economista norte-americano Walter Block, o também economista e filósofo alemão Hans-Hermann Hoppe, e entre tantos outros, só para exemplificar.

Se o liberal clássico é aquele que pauta sua filosofia tendo como base os direitos naturais (entre eles a liberdade), e se o ancap é a face extremada do liberal, o que seria, então, o anarco-capitalista? O ancap é aquele que defende a liberdade em seu sentido literal e absoluto. É aquele que condena todo tipo de coerção e defende um mundo onde o direito natural (negativo) seria exercido em sua plenitude. A única regra moral seria o axioma do princípio da não agressão, o famoso PNA.

Não há aqui o interesse de refutar nenhum autor, mas tão e unicamente de esclarecer as bases do ideário ancap frente ao liberalismo. O autor deste artigo, inclusive, é liberal clássico e defensor dos direitos naturais. Refletindo-se sobre alguns conceitos chave dos anarco-capitalistas e estudando o pensamento libertário a fundo, chega-se a algumas conclusões um tanto desconfortáveis para qualquer libertário. Para compreender tais conclusões, disponhamos de uma singela investigação da origem ancap e o entendimento sociológico do PNA.


Antologia do Estado

O anarco-capitalista fundamenta toda a sua estrutura de pensamento no princípio da não agressão, o PNA. Deste modo, o único padrão moral existente em uma sociedade ancap seria aquele ditado pelo respeito e reconhecimento ao PNA.

Isso pode ser visto em A Ética da Liberdade, de Rothbard, assim como em obras de David Friedman, que trata da organização social do mundo ancap.

Mas, afinal, o que é o PNA? É um axioma libertário que diz que é moralmente errado iniciar agressão contra não agressores. Considerando agressão aqueles contra os direitos naturais, como vida, liberdade e propriedade. Esta seria a única lei do mundo ancap. E vale lembrar, é um princípio de direito negativo, pois não seria, a priori, imposto coercitivamente por nenhum Estado (visto que no mundo ancap não haveria Estados).

Antes de enveredar pela reflexão a cerca do PNA na sociedade ancap, há de se compreender o motivo que impulsiona o movimento libertário a defender o PNA e rechaçar o Estado.

Para o libertário, o Estado é um violador de PNA, pois ele obriga o cidadão a ter uma determinada conduta
coercitivamente. Ou seja, o Estado impede que o voluntarismo seja exercido plenamente. Para o libertário, a visão hobbesiana do Leviatã é tomada como ponto de partida. Para Hobbes, somente um governo central forte poderia evitar o caos completo. Este pensamento influenciou a ciência política desde sua origem, e não obstante, influencia o libertarianismo em sua luta contra a servidão e a favor da liberdade. Hobbes foi, assim como Locke e Rousseau, um contratualista (o primeiro deles), sendo esta a base fundamental para a compreensão dos Estados modernos.

Um dos primeiros argumentos libertários é justamente o questionamento do “contrato social”. Indaga-se “onde assinei o contrato social”? E a partir daqui o libertário começa a estruturar toda a sua desconstrução do modelo estatal moderno e a defender um ambiente totalmente livre de coerção estatal e baseada no voluntarismo.

Também é condenado pelos libertários o monopólio da coerção, ou do controle social, exercido pelo Estado através de suas instituições, como forças armadas, polícias etc. (Max Weber). Todo este pensamento deriva de Hobbes que formulou um modelo de Estado que tinha como intenção o controle social. Demais intelectuais, principalmente utilitaristas, como John Stuart Mill (O Governo Representativo) [1], refutariam esta ideia, apresentando a questão da utilidade do governo e sua manutenção.

Em resumo, com Hobbes surge a ideia contratual de que indivíduos abdicam de suas liberdades em nome de um bem maior, dando o poder a um Estado centralizador. Note que o ato de abdicar é uma escolha voluntária por si mesma. Com Mill (já influenciado por Voltaire e demais intelectuais da Revolução Francesa), isso muda e o Estado começa a ser compreendido como um esforço coletivo e voluntário pelo bem da sociedade. Não é mais uma abdicação, mas uma cooperação.

Na sociedade moderna e na ciência política, a ideia de um Estado de Direito e Constitucional tem como base o princípio utilitarista e não mais hobbesiano.

Posto isso, há de se fazer a distinção. O que seria o Estado de Direito do utilitarista? Para o utilitarista, nada pode ser bom se não for socialmente bom. Logo, o Estado de Direito necessariamente precisa respeitar os direitos naturais, humanos, para a partir disso formular suas políticas, leis etc. A coerção estatal, neste sentido, é uma prevenção contra crimes contra a humanidade. A função do Estado moderno, essencialmente, é esta. Logo, o Estado é coercitivo, pois positiva os direitos negativos.

Com base neste entendimento, liberais clássicos como Mises e Friedman defendiam um Estado de Direito Mínimo, onde a justiça, principalmente, seria monopólio estatal, conjuntamente da segurança. O resto seria definido pelo livre-mercado. Já os ancaps advogam que mesmo este Estado é ilegítimo, pois todo tipo de coerção ou monopólios são ilegítimos.

Compreendido o contexto da ciência política, indaga-se: o que, afinal, é o Estado?

Se o Estado é um grupo de instituições que tem como função o controle ou a governança social, então o Estado é um ambiente controlado por seres humanos que tem como intenção fundamental exercer controle sobre outros seres humanos. Mas, quem são estes seres humanos que fazem parte do Estado e como o fazem?

Para o utilitarista, a legitimidade do Estado está no apoio popular que este contém. Sendo assim, os seres humanos que estão no Estado só estão lá por apoio popular e não por tirania. Por isso a ciência política define o que é uma ditadura e o que não é. Uma ditadura é um governo cuja contradição social é incapaz de exercer atividade. É um governo fechado em si mesmo e não aberto às manifestações do povo, que começa a respeitar o governo por medo e não mais por apoio voluntário. Este medo é o que Maquiavel chama de “respeito pelo temor”, em O Príncipe.

A tirania, contudo, é incapaz de sobreviver sozinha e o próprio Maquiavel já havia provado isso. Para exemplificar, recorramos à história. Na Revolução Francesa, o governo de Luis XVI perdeu completo apoio popular, sendo necessária uma série de medidas paliativas, com o interesse de contornar a crise imposta. No entanto, a insatisfação popular foi tamanha que nem as forças armadas reais conseguiram impedir o levante popular, que teve seu auge na Queda da Bastilha, quando populares colocaram, voluntariamente, o símbolo do poder real abaixo. Nesse sentido, todo governo é voluntário, pois no primeiro instante em que o governo perde apoio do povo, este cai. Logo, a tese de que o Estado exerce controle social é falha em sua origem.

Os contratualistas já haviam dito isso, mas os libertários ignoraram. O contrato social não é um papel assinado por todos os cidadãos. É um esforço coletivo pela preservação dos direitos naturais. Esforço este que encontra expressão no Estado. As leis nada mais são do que a positivação dos direitos negativos (naturais). Neste sentido, não existe Leviatã, ou governo forte e acima da sociedade. O governo é derivado e é a sociedade, pois é este que legitima o primeiro.

Como é possível o Estado ser voluntário? Oras, do mesmo modo que o livre-mercado o é. Se um grupo maior de consumidores compra um produto, o concorrente poderá ir à falência ou ter de diminuir o preço de seu produto até este ser comprado. O consumidor escolhe o que quer. No mundo real, isso ocorre também com o Estado. O povo são os consumidores. O Estado nada mais é do que o melhor produto fornecido para preservar os direitos naturais no mundo moderno. E é um produto, pois assim que o povo (consumidores) deixar de comprar esta ideia, ele cai. Por isso nenhum governo se sustenta sem apoio popular. Pois nenhum produto se mantém sem consumidores.

Pode-ser-ia questionar, ainda, se os Estados não surgiram para escravizar os homens. Após tudo o que foi dito, é meio difícil sustentar esta posição. Mas, pensemos. Com que intuito surgiu os Estados? Para invadir outros? Mas porque um Estado invade outro? Por puro desejo de dominar ou por instinto de sobrevivência de sua própria nação? E porque um Estado não beligerante formaria um exército? Não seria para proteger-se dos Estados invasores? E porque os Estados invasores existem? Não seria para capturar recursos que o seu Estado não possui para a sobrevivência de seu povo?

Se todo Estado é formado por seres humanos, obviamente todo Estado tem como premissa maior a preservação dos direitos naturais do ser humano. Seria plausível considerar que o Estado nasceu para escravizar, se os detentores do poder estatal não fossem seres humanos, mas seres de outra espécie. Se somos nós, seres humanos que criamos e legitimamos qualquer Estado, então somos nós os responsáveis por ele.


Livre Mercado e PNA

Para continuar em nossa investigação, precisamos compreender o conceito de ordem espontânea, fundamental para o entendimento da sociedade ancap. A ordem espontânea é a ordem criada no caos aparente. Portanto, é a organização no meio da desorganização. No caso humano, trata-se das vontades individuais caóticas no meio que, em confluência uns com os outros, cria a ordem.

Anarco-capitalistas utilizam este conceito para justificar a ordem que seria formada em uma sociedade sem Estado. Junto deste, usa-se o conceito de livre-mercado para promover a livre concorrência entre todo tipo de nicho mercadológico, formando assim um bem estar social aparentemente, criado a partir do voluntarismo pleno da livre iniciativa.

Sendo assim, a sociedade ancap seria gerida pelo livre-mercado, que através da ordem espontânea se auto-organizaria. Os indivíduos deste livre-mercado viveriam em consonância com o PNA e tudo ficaria perfeito. Este é o sonho ancap. Esta é a utopia.

Mas vamos para a realidade.

A grande questão, e também o grande paradoxo, é: o livre-mercado tem moral?

O livre-mercado nada mais é do que a junção de todos os indivíduos que agem em busca de suas necessidades. Esta busca individual coletivizada, contudo, não tem uma moral, mas várias. Cada indivíduo que age no livre-mercado o faz tendo como objetivo seus interesses individuais. E estes interesses podem ser de ordem positiva ou negativa. Cada indivíduo que age no livre-mercado tem uma moral, uma ética própria. E não necessariamente em consonância com o PNA. Logo, como garantir que o PNA (que é um preceito moral positivo, bom) seria respeitado em meio a tantas “moralidades” distintas?

O ancap parte do pressuposto de que toda a humanidade compreenderia, reconheceria e defenderia o princípio da não agressão. Neste sentido, o ancap acredita que a humanidade é boa. Pois somente uma humanidade INTEIRAMENTE boa poderia respeitar o PNA (e/ou defendê-lo).

Mas, aceitando isso, surge um dos paradoxos. Se a humanidade é naturalmente boa, bastaria que o Estado fosse formado pelos homens bons que tudo ficaria organizado. Mas nenhum anarquista concordaria com isso. Logo, a humanidade não pode ser boa.

Se a humanidade não é boa, ela é má? Se ela for naturalmente má, então o PNA também não seria respeitado, pois homens maus não respeitam princípios morais, mas apenas seus próprios interesses. Logo, a defesa do PNA já estaria morta antes mesmo do mundo ancap surgir, visto que não existe uma moral homogênea na humanidade.

Se não há homogeneidade, então o mais lógico é que o homem é bom e mau ao mesmo tempo. Se isso for verdade, então, mais uma vez, indaga-se: o que faria o PNA ser respeitado na sociedade ancap?

Digamos que o homem é bom e mau ao mesmo tempo. No livre-mercado, não apenas produtos seriam comercializados livremente, mas também ideias, padrões éticos, costumes culturais etc. E como definir o que é bom e/ou mau no livre-mercado, que essencialmente é amoral?

Se a ética viveria em livre-concorrência, então não haveria certo e errado, mas muitos certos e errados. Não haveria nenhum padrão ético para a humanidade, mas vários. Nesse sentido, o PNA é relativo. A interpretação do PNA para um muçulmano não é a mesma para um judeu, ou para um cristão, ou para um taoista etc.

Posto isso, não há lógica na defesa do anarco-capitalismo, a não ser que seus defensores acreditem que o mundo caminha para a bondade plena. O ancap precisa encarar este desafio e definir: afinal, o homem é bom ou mau?


Se o libertário afirmar que o homem é bom, então o Estado e todos os demais sistemas de governo do mundo não terão nenhum problema em existir. Pois bastaria que os bons estivessem no comando que tudo caminharia bem.

Se o libertário afirmar que o homem é mau, então nenhum sistema funcionará no planeta. Muito menos o PNA, que seria desrespeitado dia após dia e relativizado ao extremo da maldade.

Se o libertário afirmar que o homem é neutro, portanto bom e mau ao mesmo tempo, então o futuro ancap baseado no PNA será exatamente igual ao presente estatal, onde os bons tentam preservar a bondade e os maus se unem para fazer suas maldades. Só que, no cenário ancap, isso seria pior, pois vivendo no livre-mercado das ideias, todo tipo de ética abominável poderia ser defendida (e vendida) livremente. E com o passar das gerações, a tendência daquilo que consideramos bom seria decair e o mundo se dividir entre o núcleo dos homens maus e o núcleo dos homens bons. Mas a esta altura, tudo o que conhecemos atualmente de certo e errado já teria sido reinventado por outro padrão ético. Um padrão, possivelmente, muito mais negativo do que o atual.


Conclusão

Longe de resolver os problemas da humanidade, o sistema anarco-capitalista, baseado tão e unicamente em um único princípio moral, fundamenta sua estrutura em uma crença fantasiosa de que a humanidade, inteira, iria respeitar o PNA. Mais do que isso, o libertário crê que a humanidade estaria disposta a defender o PNA a todo custo, ignorando um dos princípios do livre-mercado: interesse próprio. No primeiro momento em que ferir o PNA for interessante para alguém, este será feito. E em um mundo onde as ideias não são padronizadas, mas relativas via mercado, há um convite para a imoralidade.

Se surgisse uma sociedade ancap hoje, comprometida com o PNA, ela iria viver um tempo baseado em seus princípios fundadores. Mas com o passar dos anos, com a miscigenação cultural e as reformas do pensamento, natural em toda sociedade, o PNA ganharia novas interpretações, seria relativizado e seu princípio fundador de respeito aos direitos naturais, ganharia novas conotações, já distantes da original.

Não obstante, esta sociedade ancap precisaria lidar com homens maus que desejariam corromper o PNA. Esta sociedade não poderia abrir mão da coerção para coibir estes marginais. Oras, estamos trocando a coerção estatal pela coerção privada. O problema disso é que, por se tratar de uma propriedade privada, esta coerção estaria sujeita apenas aos ditames de seu proprietário e não de uma comunidade ou civilização qualquer. O conceito de civilização não existiria mais no mundo ancap, pois o homem, condenado a sua individualidade, não mais necessitaria seguir padrões sociais, mas tão e unicamente a sua vontade individual. Pela lógica, um PNA relativizado seria defendido por toda sorte de gente, desde os santos aos demônios. Aonde reside a verdade nisso? Onde está à moralidade e a ética?

Uma sociedade fundamentada pelo livre-mercado, e mais nada, não tem moral, como já dito anteriormente. E não tem porque não há civilização, mas indivíduos soltos que viveriam de acordo com seus interesses pessoais. Em 50 anos, novos Estados acabariam surgindo no mundo ancap. E o pequeno grupo fundamentalista que ainda desejaria manter o sonho ancap, seria engolido por aqueles que organizaram novos Estados e, consequentemente, mais recursos do que o grupinho sonhador.

Mais do que uma utopia fantasiosa, o anarco-capitalismo é uma contradição em si mesmo. Para que o mundo seja ancap, como já dito por Mises, será necessário vivermos em um mundo de anjos. Mas quem disse que a humanidade é boa, já que o Estado, formado por homens, é mau? Eis o paradoxo ancap.

Por fim, para melhor exemplificar isso, citarei algumas falas do grande Ludwig Von Mises, ex-professor de Rothbard e liberal clássico, sobre a questão do Estado de Direito e o anarco-capitalismo:

[2] Em Human Action, Mises diz: “Por causa da paz doméstica o liberalismo visa a um governo democrático. Democracia não é, portanto, uma instituição revolucionária. Pelo contrário, ela é o próprio meio para evitar revoluções e guerras civis. Ela fornece um método para o ajuste pacífico do governo à vontade da maioria. [...] Se a maioria da nação está comprometida com princípios frágeis e prefere candidatos sem valor, não há outro remédio além de tentar mudar sua mente, expondo princípios mais razoáveis e recomendando homens melhores. Uma minoria nunca vai ganhar um sucesso duradouro por outros meios”.

Em Socialism, Mises escreve: “A democracia não só não é revolucionária, mas ela pretende extirpar a revolução. O culto da revolução, da derrubada violenta a qualquer preço, que é peculiar ao marxismo, não tem nada a ver com democracia. O Liberalismo, reconhecendo que a realização dos direitos econômicos objetivos do homem pressupõe a paz, e procurando, portanto, eliminar todas as causas de conflitos em casa ou na política externa, deseja a democracia”. Ele acrescenta ainda: “O Liberalismo entende que não pode manter-se contra a vontade da maioria”.

Em Bureaucracy, por exemplo, ele sustenta que a polícia deve ser uma clara função do estado. Mises escreve: “A defesa da segurança de uma nação e da civilização contra a agressão por parte de ambos os inimigos estrangeiros e bandidos domésticos é o primeiro dever de qualquer governo”.

Em Liberalism, Mises é ainda mais direto: “Chamamos o aparato social de compulsão e coerção que induz as pessoas a respeitar as regras da vida em sociedade, o estado; as regras segundo as quais o estado procede, lei; e os órgãos com a responsabilidade de administrar o aparato de compulsão, governo”. E, caso não tenha ficado claro, ele enfatiza: “Para o liberal, o estado é uma necessidade absoluta, uma vez que as tarefas mais importantes são sua incumbência: a proteção não só da propriedade privada, mas também da paz, pois na ausência da última os benefícios completos da propriedade privada não podem ser aproveitados”.

Segundo ele, “o anarquismo ignora a verdadeira natureza do homem”, e seria praticável “apenas em um mundo de anjos e santos”.


Obrigado pela leitura!


Sasha Lamounier
Um minarquista liberal puro.

Porto, Portugal
31 de Julho de 2014



Referências








02/06/2014

A Condenação Moral da Pena de Morte




A CONDENAÇÃO MORAL DA PENA DE MORTE


Como prometido, eis meu artigo sobre a questão da pena de morte. Trata-se de um artigo que esclarece amplamente as razões e lógicas que me levam a ser contrário a todo tipo de pena capital, não importa se aplicado pelo Estado ou pelos homens “livres”.


Pena de morte: a vida como moeda de troca.

Quando se trata de pena de morte, estamos falando de um tema gritantemente mal compreendido por pseudoliberais e por anarco-capitalistas (que prefiro chamar de anarco-individualistas). Em volta deste tema, há em primeiro lugar a necessidade de justiça. Frente a um crime hediondo, seria legítima a morte do marginal? O que fundamenta isso? Se não seria, por qual motivo?

Em debates pela Internet, nunca há uma clara visão dos argumentos defendidos por todas as partes. Na verdade, muitos são a favor e outros são contra sem ao menos se dar conta dos motivos que os levam aos seus raciocínios. Para compreender perfeitamente as razões contra e a favor da pena de morte, precisamos entrar em outra discussão ainda mais séria e profunda. Afinal, existem leis naturais? Ou a sociedade é quem determina as regras do jogo? Como alcançar o bom convívio social entre todos seus agentes?


Utilitarismo x Jusnaturalismo

O debate referente à penalidade da morte ao criminoso perpassa por duas vertentes filosóficas que, diretamente, influenciam o liberalismo e consequentemente o próprio anarco-capitalismo: trata-se do utilitarismo versus jusnaturalismo.

O utilitarismo se fundamenta no bem-estar geral da sociedade, tendo como base a ação de algo e sua consequência. A lei natural (ou jusnaturalismo) propõe que há características na vida humana que não são determinadas por vontade do homem, sendo, portanto, inerentes à qualidade do ser. Estas duas vertentes acabam criando desentendimentos filosóficos profundos entre a defesa moral da pena de morte e a sua condenação. Por um lado, para os defensores da pena de morte, seria legítima a morte de um assassino, pois ele é um mal para a sociedade e deve, por isso, pagar na mesma moeda aquilo que ele causou de negativo a outro indivíduo.

Já para o jusnaturalista, a morte não é algo que deve ser considerado pela vontade ou razão humana de bem-estar, visto que o ser humano nasceu com características naturais inerentes ao seu ser. A própria racionalidade humana deriva destas características naturais. Para o jusnaturalista, o homem nasce com vida e esta vida é por si mesma, um princípio maior que deve ser defendido sempre, mesmo para o mais cruel dos bandidos.

O utilitarismo é uma corrente filosófica que surgiu através de mentes brilhantes, como Stuart Mill e Bentham (seu fundador). No entanto, seu surgimento tinha mais como intenção fundamental organizar a vida em sociedade tendo como base uma busca pelo bem estar geral de todos os indivíduos. Sendo assim, o utilitarismo sozinho não é uma corrente filosófica que defende a pena de morte, pelo contrário. Podem-se usar argumentos utilitaristas para condenar a pena de morte. O que os defensores da pena capital aproveitam do utilitarismo é tão e unicamente o fundamento do bem estar geral.

Já o jusnaturalismo é um pouco mais antigo, tendo surgido ainda na Idade Média, através de outras mentes brilhantes como São Tomás de Aquino e posteriormente Hobbes e John Locke (este último, um dos grandes pais do liberalismo clássico). A lei natural é simples e lógica. A vida social exige que certos preceitos humanos sejam garantidos para que, necessariamente, exista bom convívio entre os indivíduos. A lei positiva existe para preservar o que a natureza logrou ao homem. Logo, a lei positiva é derivada da lei natural e não de uma “vontade” humana. Ao contrário do que os críticos do jusnaturalismo dizem a lei natural não depende da razão humana para existir, visto que a lei natural antecede o próprio ser humano, sendo ele apenas um receptor darwiniano das potências garantidas pela biologia natural do ser.


Para o jusnaturalista, existem três princípios naturais a serem respeitados: vida, propriedade e liberdade. Notadamente, são também estes três princípios que fundamentam todo o corpo filosófico do liberalismo clássico e moderno (o chamado libertarianismo). Vale lembrar que o jusnaturalismo fundamenta, também, o próprio anarco-capitalismo. Sem a defesa moral destes três princípios, não existiriam outros, tais como livre mercado, ordem espontânea, liberdade de pensamento, liberdade de expressão, democracia etc.

O utilitarismo, curiosamente, é a filosofia menos liberal entre as duas. Na verdade, alguns intelectuais costumam referenciar o utilitarismo como a defesa moral do Estado e do socialismo. A ideia de que uma ação só é moral se causar felicidade a outro pode levar a equívocos temerários. O que é felicidade? Se a própria ideia de felicidade é relativa, então o conceito de moralidade do utilitarista é igualmente relativo. Quem bateria o martelo para decidir o que é ou não moral? Só se for o Estado ou o indivíduo mais forte. Nesse sentido, o utilitarismo contraria a lei natural, pois não é a natureza que exerce influência na vida social e normativa do homem, mas sim a vontade de felicidade do ser humano e sua busca incessante por ela.

Então temos duas vertentes bem claramente definidas. O utilitarista, que defende a moral da felicidade, ou do bem estar geral da sociedade. E temos o jusnaturalista, que defende as características inatas da vida humana.

Este específico debate entre ambas as correntes é bastante amplo e para dissecar perfeitamente seria necessário escrever um livro. E talvez em vários volumes. Como este artigo é uma dissertação sobre as razões que levam seu autor a contrariar a pena de morte, não iremos nos aprofundar tanto agora.


Uma questão de princípios

Como já dito anteriormente, a defesa ou condenação da pena de morte é principiológica. Aqueles que defendem a pena capital só o fazem por crer que aquele assassino não é mais útil à sociedade após o crime cometido. Anarcoindividualistas podem alegar que a família da vítima morta, por exemplo, teria o direito particular de vingar a morte de seu ente querido através de uma penalidade brutal contra o marginal.

Qual é a moral desse raciocínio? É utilitarista! Mas se é utilitarista, não é mais jusnaturalista. Então o equívoco começa a ser de coerência. Existem duas correntes famosas que já defenderam abertamente o “descarte” de seres “inúteis para a sociedade”. São elas o comunismo e o nazismo. Ambas com concentrado poder estatal. O anarco (!) capitalista que defende a pena de morte através do utilitarismo do bem estar social (ou individual) já é incoerente aqui.

Em segundo lugar, a incoerência também é ideológica. Como ele pode defender o livre-mercado, portanto a ordem espontânea da sociedade, portanto a livre escolha, se ele promove a morte? Um bandido morto perde o direito de escolher seguir outro caminho, diferente ao do crime. Um marginal morto perde o direito de ser melhor. Em suma, ele perde aquilo que o próprio anarco-capitalista defende para si: liberdade de vida.

Como bom liberal, sou um jusnaturalista. E aquele liberal ou ancap que não defender as leis naturais, com o perdão da palavra, beira a demência. Como um sujeito pode defender liberdade promovendo a não-liberdade? A pena de morte já é imoral no fato de tirar a coisa mais preciosa que todo ser humano possui: a vida. Neste ponto, um defensor da pena de morte poderia alegar que o marginal não pensou na liberdade da vítima. Sim, eu concordo! O marginal que matou outra pessoa tirou da vítima a liberdade de viver. Mas isso não significa que o marginal perdeu seu direito a vida.

O direito a vida, a propriedade e a liberdade são inegociáveis. Em se tratando de lei natural, ou é ou não é. Se o ser está vivo, então a natureza logrou-lhe a vida sem pedir permissão para nenhum ser humano na face da Terra. Logo, a vida é imposta pela natureza e é uma lei por si mesma. Sendo assim, nenhum ser humano perde o direito natural à vida.

Voltando ao jusnaturalismo, se todo ser humano possui características inerentes ao ser, portanto que não foram dados pelo homem, mas pela natureza, então fica evidente que um crime não justifica o outro. Em termos morais, a pena de morte é equivocada, pois além de tirar a liberdade de adaptação e de melhoria mental do marginal, trai-se também o princípio de que todos são iguais perante a natureza e, portanto, todos são vivos por algum motivo.

Se o defensor da pena de morte relativizar o direito a vida, então os demais princípios serão também relativizados. A tríade liberal é simples: todo ser vivo possui uma propriedade em seu corpo (auto-propriedade). Habita neste corpo uma consciência viva que é livre, que é, portanto, liberdade (Sartre). Logo, para que exista a liberdade é necessário à auto-propriedade e para que exista auto-propriedade é necessário antes de tudo à vida! Trair o direito humano a vida é trair toda a tônica liberal e trair o próprio anarcocapitalismo como ideologia.

Se o defensor da pena de morte continuar sua cruzada contra a vida de marginais e assassinos, se o defensor da pena de morte continuar traindo as leis naturais, então ele não poderá jamais ser considerado liberal ou seus derivados ideológicos. Defensor de descarte humano são os totalitários, os estatistas e os verdadeiros fascistas. O descarte humano é aquilo que o liberalismo condena desde o seu início, lá na Revolução Inglesa.

Em termos práticos, a pena de morte também não resolve absolutamente nada. Mata-se um assassino, mas nada impede que outros dois surjam. Se a sociedade for feita de mortes, sempre haverá injustiças (mortes de inocentes genuínos). Assim como moralmente o ser humano estará morto. Se a moralidade morre (afinal moral relativa não é moral), então não há mais definição do que é ou não crime. A defesa da pena de morte, na prática, faz com que a humanidade perca aquilo que tem de humano. E se as leis naturais não forem mais eficazes e respeitadas pelo direito positivo, então toda a ideia de liberdade torna-se impraticável. Por isso o anarquista que defende a pena de morte está, na verdade, dando um tiro no próprio pé. Defender a pena de morte é ser anti-liberdade, é ser anti direitos naturais e, portanto, anti anárquico.

Não há argumentos morais que defendam a pena de morte. Vontade da família? Então um grupo coletivo de gente teria mais direito sobre a vida de um indivíduo do que ele mesmo? Qual é a diferença da pena capital estatal para a pena capital anárquica? Nenhuma! Apenas de grau de funcionalidade. A pena capital estatal é aplicada pelo uso da normatividade estatal. A pena capital anárquica é aplicada com base no “sentimento” de justiça, no emocional e não racional. E mesmo que numa sociedade ancap houvesse tribunais privados, a normatividade da pena capital seria privada, ao invés de estatal. Em suma, não se altera nada. A racionalidade reside na preservação dos direitos naturais do homem e não na sua destruição. Se o homem perde o direito a sua natureza, então a lei deixa de ter validade, então a moral deixa de existir e sobra tão e unicamente a tirania! Anarquistas que defendem a pena de morte não passam de tiranos!

Muito do que foi dito aqui vale, igualmente, para demais questões do “famoso” (e falho) princípio da não-agressão (PNA). Só que isso necessitaria de outro artigo que, um dia, escreverei. O anarcocapitalismo em si é uma ideologia falida, pois não tem aplicabilidade real no mundo moderno. Mas por agora creio que é suficiente. Espero que tenha esclarecido de uma vez não apenas minha posição, mas as razões pela qual é moralmente condenável qualquer liberal ou anarquista defender a pena de morte. Não existe nada mais contraditório do que um pretenso defensor da vida, propriedade e liberdade ser, ao mesmo tempo, defensor da morte.



Obrigado pela atenção,

Sasha Lamounier,
Um minarquista liberal puro.

Porto, Portugal
03 de Junho de 2014