04/12/2015

A Revolta do Jeca Tatu


A Revolta do Jeca Tatu


Por


Sasha Lamounier




Presságios


Desde sempre eu tive compromisso com a verdade, seja ela qual for. Sempre acreditei que mais vale uma verdade amarga do que mil mentiras doces. Nesta semana, no dia 02 de Dezembro, o ano chegou ao estopim de uma futura tragédia anunciada. O tal impeachment! E aqui não digo quem está certo ou errado, apenas relato fatos óbvios e mais que notórios para qualquer pessoa sensata.

Em 2013, tivemos aquelas grandes manifestações, de um povo que resolveu ir às ruas exigir direitos. Em 2014, uma Copa do Mundo no Brasil, perdida de forma humilhante. Logo depois, eleição, com o país dividindo-se entre o antipetismo e o petismo. Por uma pequena margem, vence o petismo. Em 2015, começamos com um conjunto de perdedores que se compromissaram em derrubar os vencedores. Novamente, houve manifestações. Não fui às ruas, mas escrevi dois artigos para o Movimento Brasil Livre. Escrevi dois textos que falavam de consciência, de liberdade e de autonomia. Pois sou partidário da tese de que defender algo é ser pró alguma coisa, não anti. Achei por bem dizer o que eu defendia.

O ano foi passando. Entre marchas, manifestações e mais pedidos de impeachment, comecei a questionar muitas convicções que, outrora, me levaram ao mesmo antipetismo. Eu defendo e sempre defendi a liberdade, a independência e a autonomia. Também sempre gostei de economia, de política, de sociologia, de cultura e de história. Como todo jovem da minha geração, sonhava em fazer parte da história. Mas durante este ano de 2015, notei que a história é uma mentira. E eu sempre fui muito fiel à verdade para fazer parte de uma mentira.

Optei então por ser um cara do mundo atual. A história está no passado e querer fazer história é querer competir com o passado. Eu não quero competir com ninguém. Não quero repetir nada. Por isso, reavaliei sim muitas das minhas antigas decisões. Eu já fui um anti-PT convicto. Já acreditei na história do PT comunista. Pensava que a “nova direita” estava começando a surgir. Até perceber que o que eu defendia não fazia parte da “nova direita”. De nova ela não tem nada. O PT nunca foi comunista. Ser anti-PT é o que, afinal? Ser anti alguma coisa não é defender absolutamente nada. Essa é a verdade. É odiar, tão e unicamente. E eu não quero viver uma vida odiando algo. Por isso, renunciei ao ódio. Eu quero propor, mudar, fazer diferente. Mas não odiar.

E renunciando ao ódio, renunciei ao revanchismo. Renunciei ao dogmatismo e finalmente renunciei a ignorância. Não defendo ninguém e nem combato alguém. Eu defendo minha consciência. É querer demais nestes tempos? Será que só temos a opção de odiar? O PT odeia a nova direita e esta nova direita dá cada vez mais motivos para isso. A nova direita odeia o PT, e o partido não sabe lidar com essa situação. Chegamos a um impasse que, nas minhas mais honestas previsões, não será nada agradável.

O PT representa um conjunto de ideias muito caro a grande parte da esquerda brasileira. Não é necessário ser sociólogo para entender o contexto e os motivos que fizeram do PT o partido que é. Do mesmo modo, a nova direita não nasceu ontem. Ela reproduz o mesmo discurso que décadas atrás motivou o surgimento de um partido como o PT. Um discurso que tenta “limpar” a barra da ditadura. Um discurso que tenta marginalizar a esquerda. Um discurso que tenta fechar partidos e “refundar a nação”.


O Dilema de Narciso



O problema do PT e da “nova direita” é achar que podem “refundar” o Brasil. Ambos, dogmáticos, acreditam em suas visões de mundo e de futuro como a única alternativa possível para o país dar certo. Radicalização. É nesta seara que nos encontramos agora e isso tende a aumentar.

Juridicamente falando, há argumentos sérios e sólidos para a defesa de Dilma contra este impeachment. Como também há argumentos a favor do impeachment. De todo modo, ainda que juridicamente a Presidente seja inocente, o julgamento é político. E aqui devemos perguntar: quem comanda a política nacional?

Estudando história, indo a fundo nela, você percebe que são poucos aqueles que têm domínio dos acontecimentos e das narrativas. Bem poucos. E sinto lhe informar, mas o Estado não é o nosso maior inimigo. O Estado brasileiro é grande, gordo e fraco. É um Estado dependente de uma oligarquia dominante e poderosa, aliada de cinco famílias da grande mídia. Eu acho incrível como que tem gente que acha normal uma organização de comunicação dominar os mercados de televisão, jornal impresso, rádio e TV a cabo. O brasileiro vive numa grande ilusão. Qual é o Brasil que o brasileiro conhece? Qual é a perspectiva? O que você sabe do seu próprio país?

A verdade mesmo é que tudo não passa de um circo onde ninguém é herói. Tudo muda para continuar a mesma coisa. Aqueles que querem “fazer história”, não passam de manipulados por um sistema de informação que serve a interesses restritos. São 20% da nova direita influenciadas por 1% da velha direita. 

Considerando tais fatores, segue minha análise política e econômica. Bem simples. Como costumo dizer, a complexidade é apenas um conjunto de simplicidades.



Uma Casa Dividida


O país está dividido entre o petismo (vermelho) e o antipetismo (verde). São os discursos deste teatro. Mas engana-se quem acha que há maiorias absolutas. São 200 milhões de brasileiros. Ainda que as manifestações em 2015 tenham colocado nas ruas cinco milhões destes brasileiros, ainda assim, há mais de 190 milhões que ninguém sabe de verdade a opinião. Dizer que 90% da população é anti-PT é um exagero. 90% estão insatisfeitos com a economia, com o não ter dinheiro para pagar as contas, com a perda do poder de compra e com a estima lá embaixo. Só isso. Melhore a economia um pouco, e estes 90% de antipetismo vai embora rapidinho. A “nova direita” não passa de 20%. Assim como a esquerda, que na verdade, não passa de 20% também.

A “nova direita” é formada em sua grande maioria por pessoas do sudeste e sul brasileiro, com escolaridade e acesso a Internet. Pessoas de classe média, desde a média-baixa até a média-alta. Brasileiros e brasileiras que só querem viver o padrão de consumo que é incentivado por uma informação globalizada nas redes sociais. Em sua maioria, são brasileiros com acesso a Internet. Formada por jovens que buscam “fazer história”. Encontraram no PT o inimigo perfeito para viver seus sonhos Don Quixotescos de “refundar a pátria”. No fundo todo mundo quer ser a pessoa que “salvou o Brasil”. Por isso, para muitos, o Brasil não pode dar certo até que ele, o herói, apareça para salvar o país. É isso que move a nova direita.

A esquerda (simbolizada pelo PT enquanto governo, enquanto símbolo) é composta por estudantes e militantes que, munidos de um discurso reformista, querem manter em marcha suas teses de “salvação do Brasil”. O perfil é parecido com a da “nova direita”. Com a diferença que sua formação não é apenas a classe média baixa e alta, mas também setores das classes mais humildes (estudantes formados em escolas técnicas e trabalhadores) que facilmente são absorvidas pelo discurso reformista. Estão mais presentes no nordeste e parte do sudeste brasileiro, assim como estão dispersos pelo norte, centro-oeste e sul.

Estes dois grupos são, em conjunto, 40% da população brasileira. Ou seja, numa estimativa, trata-se de 80 milhões de pessoas espalhadas por todo o Brasil, cujas mentalidades perpassam pela “nova direita” e pela “esquerda” militante.

Enquanto isso, onde estão os demais brasileiros? Onde estão os 60%? Onde estão os 120 milhões de brasileiros que não abraçaram nenhuma causa? Trabalhando! Enquanto tem gente indo à rua para ser herói da pátria, ou escrevendo teses e mais teses facebookianas, outros tantos estão jogando o lixo fora que a cidade deixa na madrugada, estão na padaria de manhã cedo, estão nas obras ou nos caixas de supermercado, são os motoristas de ônibus e os taxistas raivosos com o Uber. São estudantes que não tem nenhum interesse em atacar ou defender ninguém, mas que querem apenas viver. Pessoas que pensam em casar, ter filhos, se divertir, viver uma vida digna e conquistar algumas coisas, como uma viagem internacional, um carro, um apartamento e assim por diante. Este é o verdadeiro Brasil. Esta é a maioria do povo brasileiro. O mesmo Brasil que morreu junto do Rio Doce.

Com eles, com os 60%, há diálogo. Não são radicalizados. Não são dogmáticos e não querem “salvar” ou “refundar” o Brasil. Querem apenas viver. Por isso são pragmáticos o suficiente para encontrar um caminho pacífico para todos os problemas.

Mas quem está na linha de frente das redes sociais e da Internet, cujo ambiente é o maior incentivador das mudanças recentes no país, é a “nova direita” e a “esquerda militante”. E quem usa as redes sociais, ao ver o volume de conteúdo gerado por essa galera dos 40%, acha que o país todo está nesta balbúrdia ideológica. A grande mídia também ajuda nesta impressão, mostrando uma situação cada vez mais caótica e desesperadora.



Ocaso da Temperança


Não há caminhos para o diálogo com estes 40%, pois a “nova direita” quer que o Brasil volte ao status de “nação do futuro”. Ao mesmo tempo o PT e as esquerdas quer manter a tese de que eles são os “salvadores da pátria”. Neste embalo, duas coisas aumentam: a amargura e o ressentimento.

Havendo impeachment, o PT não permitirá dar-se por vencido e partirá para o combate. Um combate jurídico, mas também ideológico. A questão é que grande parte da população que viveu por muito tempo com o Bolsa Família e conseguiu conquistas na vida durante a era PT irão aderir a este discurso. E são milhões e milhões de brasileiros.

Em caso contrário, não havendo o impeachment, a “nova direita” não se dará por vencida e tentará a todo custo minguar e destruir o governo petista, que acusam de ser o “maior mal do Brasil”. Com a economia piorando, vão ganhar mais adeptos a sua causa “patriótica”. E são milhões e milhões de brasileiros.

Portanto, não há mais volta. Agora entramos na ciranda do ódio e do ressentimento constante. Cada vez mais aquilo que está em larga escala nas redes sociais, irá também para a vida na rua. Socialmente, trata-se de um círculo vicioso da pior espécie. Ódio que gera ódio. Intolerância. Da intolerância, vamos para o medo e para a raiva. Isso é uma constante da crise “espiritual” do Brasil nos próximos tempos. E esta constante será conhecida na economia como “instabilidade social e política”.

Na economia, são necessários alguns fatores para a prosperidade. O primeiro deles é estabilidade. Quando um ambiente é estável, torna-se possível as trocas acontecerem sem impedimentos alheios à própria troca. Por isso um sistema estável gera incentivos para as pessoas empreenderem. A ciranda da economia é, como tudo na vida, bem simples. Se eu posso fazer trocas, eu posso aumentar a renda. Se eu aumento minha renda, posso consumir. Se eu posso consumir, empresas podem produzir mais, pois sabem que eu irei consumir. Enquanto elas produzem mais, gerarão mais empregos. E com mais empregos, haverá mais salários. E com mais salários, mais renda e mais consumo. Mais riqueza, mais produção e assim por diante. Seria o círculo virtuoso da estabilidade.

Mas quando há instabilidade, acontece exatamente o inverso. Em um ambiente incapaz de garantir segurança para as trocas (comércio) entre as pessoas, aqueles que podem colocar dinheiro na economia, não colocarão mais, por receio de perder o investimento. Com menos dinheiro haverá menos produção. Com menos produção, haverá também menos empregos. Com menos empregos, a renda diminui. Com menos renda, há menos consumo. E com menos consumo, há ainda menos produção e tudo recomeça. Como resultado da instabilidade, aumentam os pobres e as classes médias inferiores. As classes médias altas e as classes altas tenderão a sair do país, num êxodo financeiro.

Como diria o grande Ruy Barbosa: “Má conselheira é a fome, especialmente para a multidão, em cujo seio há muitos instintos bons, muitas tendências nobres, muitos impulsos desinteressados, mas há também as paixões da ignorância, da indigência, da força. Quando, portanto, a necessidade, que, creio eu, desde que o mundo é mundo, não tem lei, lhe estiver surdamente despertando n'alma esses sentimentos cegos, importa reagir, com certa prudência, no sentido oposto, avivando-lhe esses sentimentos contrários, de abnegação, de paciência, de esperança, de altivez, de fé no trabalho, de ódio à injustiça, tão profundos no povo, mas tantas vezes entibiados, e, entretanto, tão necessários, tão salvadores nesses tempos de provação.”.

É este cenário de instabilidade que prevejo para o futuro. E será longo. Com mais pobreza, haverá menos conhecimento. O povo que tentava “acordar”, voltará a adormecer na grande cama das ilusões novelistas de todo dia. Aquele vislumbre de uma vida um pouco melhor irá embora, deixando para as futuras gerações a sensação de injustiça, de vingança e da necessidade de se “refundar o Brasil”. Temo pelas gerações futuras, que viverão em um Brasil dividido, amargurado, vingativo e pobre.

Por isso que, já prevendo estas coisas e sabendo que a história está mudando, mas para ficar igual ou pior ao passado, eu reneguei a famigerada luta de “refundação do Brasil”. Não faço parte nem dos pró impeachment e nem dos anti impeachment. Faço parte daqueles que querem apenas diálogo. Que honestamente acreditam na democracia, na liberdade e na autonomia dos indivíduos. Que acredita na pátria como o lugar onde nós nascemos, crescemos, casamos e educamos nossos filhos. É com estes brasileiros que me alio.  O Brasil não precisa ser “refundado” ou “salvo”. O Brasil precisa apenas se encontrar. Nós carregamos em nós o dom de sermos capaz. De sermos felizes. Nosso sucesso não está em ninguém lá fora. Não está em “salvadores da pátria”. Está dentro daquilo que chamamos de “casa”.





Grato pela leitura,

Sasha Lamounier
Um brasileiro



05 de Dezembro de 2015