17/10/2017

Vossa Majestade



Vossa Majestade



Introdução


O título deste artigo é provocativo. Ouvimos a todo momento “Vossa Excelência”, ou “Vossa Senhoria” na arena política e nos lembramos do “Vossa Majestade” quando falamos da Rainha da Inglaterra ou quando falamos de novelas, seriados e filmes. Qual é o peso do pronome de tratamento “Vossa Majestade” para você? Já pensou nisso? Como todo e qualquer outro pronome de tratamento, ele visa indicar alguma coisa. O indivíduo que recebe este pronome encarna aquilo que o tratamento enseja. E não é difícil compreender a importância dos símbolos. Todos nós, quando temos de representar nosso time de futebol, usamos um símbolo. Na política e no poder, é a mesma coisa. Por isso temos brasões, temos bandeiras e temos pronomes de tratamento para diferentes funções. Usamos “Vossa Majestade” para Reis e Imperadores. E “Vossa Excelência” para servidores públicos de todas as demais ordens (executivo, judiciário e legislativo).

O que ninguém entende é a diferença entre “Vossa Excelência” e “Vossa Majestade”. Porque um é mais aceito popularmente do que o outro? Quando este debate começou? Sem querer entrar muito na história, dado que este não é o objetivo deste artigo, é importante registrar que o debate a cerca de um “líder eleito pelo povo” e um “rei ascendido ao poder hereditariamente” começou nos idos da Revolução Francesa. O iluminismo trouxe a Europa do século XVII ideias concernentes a liberdade individual, direitos civis e separação dos poderes. Na Inglaterra, o iluminismo representou uma mudança no papel do monarca, que passou a dividir funções com o Parlamento, acabando assim com a monarquia absoluta britânica. Já no Continente, muitos monarcas absolutos adotaram ideias iluministas em seus estilos, o que ficou conhecido posteriormente como “despotismo esclarecido”. Um entremeio diante da monarquia absoluta e do iluminismo.

Na França, no entanto, as coisas foram mais radicais. Luiz XVI foi decapitado junto de sua esposa. Um período “republicano” o sucedeu, com caos em todos os setores e muito mais decapitações. Caos este que teve fim com a ascensão de Napoleão Bonaparte como imperador da França. Ironicamente, diga-se. Afinal, aboliram um Rei para terminar com um Imperador. A monarquia francesa só viria a ser abolida definitivamente em 1848. Em todo caso, fato é que a ruptura radical entre o absolutismo e o novo sistema “de liberdades civis” da França revolucionária criaria o que hoje conhecemos como o debate entre “progressismo” e “conservadorismo”.




Foi na França revolucionária que os termos esquerda e direita surgiram na política. Aqueles que se sentavam à esquerda da Assembleia Nacional Francesa eram conhecidos como os reformadores (jacobinos), que desejavam mudar o sistema vigente como um todo. À direita na Assembleia, sentavam-se os conservadores e moderados (girondinos), que inclusive desejavam algumas mudanças, mas não radicais. A pergunta que fica é: em que momento da história “república” e “democracia” se tornaram sinónimos? Há muitas possibilidades. Mas a mais provável é que a França criou a ruptura ideológica e os Estados Unidos serviu de exemplo de ruptura prática. Daí e diante muitos associariam democracia a república, numa tentativa ainda revolucionária de relacionar uma coisa a outra. Muito fruto da propaganda norte-americana e francesa, sem dúvida. Visando fazer frente a poderosa monarquia britânica, tentaram de tudo fazer com que a monarquia parecesse retrógrada, antiga, caduca e sem sentido. O debate real sobre o que funciona e o que não funciona ficou deixado de lado por muito tempo. E por isso, muitos preconceitos antimonarquistas prevaleceram até hoje.

Pois é neste contexto que escrevo este artigo. Não para fazer uma rememoração histórica, mas apenas lógica e conceitual da monarquia. Afinal de contas, o que representa a monarquia nos tempos contemporâneos? Ela é mesmo inferior a República? Ela é contrária a Democracia? Ela representa tirania? Todas as monarquias do mundo devem se abolidas e dar lugar a repúblicas? A república é o futuro e a monarquia o passado?



Tipos de Monarquia e República


Antes de tudo, é importante esclarecer ao leitor leigo quais são as diferenças entre os sistemas. Há tipos de monarquias e repúblicas. E é isso que veremos a seguir:

Ø  Alguns diferentes tipos de Monarquia:

a). Monarquia absoluta:

É o sistema que a maior parte dos leitores está acostumado a conhecer. É basicamente quando o Rei possui o poder de legislador (fazer leis), de executor (fazer a lei ser cumprida) e de judiciário (julgar a lei). É basicamente o poder total concentrado numa única figura. Embora as monarquias absolutas não fossem de fato absolutas, pois o Rei precisava sempre contrabalançar sua força com os nobres locais e estrangeiros, em todo caso o sistema favorecia o poder real absoluto. Por isso, este tipo de monarquia ficou conhecido como absolutismo. Exemplos contemporâneos de monarquia absoluta: Arábia Saudita.

b). Monarquia absoluta esclarecida:

É muito semelhante a monarquia absoluta, mas com a diferença de que o monarca (Rei) exerce seu poder no intuito de respeitar e aprimorar os princípios iluministas, tais como os direitos individuais, o bem-estar social, a segurança da população e assim por diante. O poder ainda permanece concentrado no monarca, mas agora, além de contrabalançar seu poder com nobres locais e estrangeiros, ele tem de demonstrar ao povo que é um Rei comprometido com o povo. Pois se isso não for cumprido, ele pode perder apoio do povo e a própria cabeça. Um exemplo contemporâneo de monarquia esclarecida seria o Estado do Vaticano.

c). Monarquia Constitucional e Parlamentar:

Este tipo de monarquia é o que mais existe na Europa contemporânea e é, de fato, a monarquia como a defendida pelos monarquistas brasileiros e portugueses. Neste sistema, o poder do Rei é dividido com o Parlamento. Se antes o Rei tinha poder de governo, agora este poder fica a cargo de um Primeiro-Ministro eleito entre deputados no Parlamento, que representará a Coroa nos assuntos de governo. Ao Rei fica a função de Chefia de Estado, onde ele irá representar o Estado Nacional diplomaticamente, representará a sociedade e a cultura de seu país, fará a relação entre o poder temporal e atemporal e servirá como um mediador dos poderes executivo, legislativo e judiciário. E tudo isso debaixo da letra fria da Constituição. O monarca não tem mais interesses pessoais neste modelo. Ele tem apenas funções constitucionais a respeitar, visando com isso manter a estabilidade social, política e cultural e, ainda mais, a estrutura social para o progresso. Os contemporâneos exemplos deste modelo incluem Reino Unido, Espanha, Jordânia, Dinamarca, Bélgica, Holanda, Suécia, Noruega, Japão e outros pequenos estados europeus.


Ø  Diferentes tipos de República:

a). Ditadura pessoal republicana:

Muito parecido com a monarquia absoluta, a República em formato de ditadura é um regime onde um ditador exerce o poder total no país, sem ter de prestar contas a ninguém que não seja ele próprio e seus apoiadores. Seja como chefe do “partido do governo” ou como ditador carismático, ele cria leis, executa leis e julga crimes de acordo com estas mesmas leis. Normalmente estes tipos de regimes nascem de golpes militares ou guerras civis. Mas também podem surgir após eleições. Hoje em dia temos bons exemplos de ditaduras republicanas: Coreia do Norte, Síria ou ainda Cuba. Os princípios iluministas são total ou parcialmente nulos neste sistema.

b). Ditadura institucional republicana:

Neste caso, embora muitos direitos individuais sejam diminutos ou mesmo inexistentes, não se trata de um ditador carismático governando como bem quer, mas de um conjunto de instituições fechadas em si mesmas que governam sem qualquer legitimidade democrática. Ou seja, governam por ruptura, sem respeitar os direitos humanos e o bem-estar social. Semelhante as monarquias esclarecidas, a ditadura institucional pode ou não favorecer princípios iluministas. A forma de se chegar ao poder pode ser via eleição ou tomada à força. Depende do regime, de suas prioridades e de seus interesses. Exemplos contemporâneos de ditaduras institucionais: China, Rússia e Egito.

c). República Constitucional:

Neste modelo, há uma Constituição efetiva e um aparato de poderes que se contrabalançam relativamente bem. A Chefia de Estado e Governo podem estar unificadas numa pessoa (o chamado presidencialismo) ou podem estar separados (parlamentarismo). Uma República Constitucional é onde direitos e deveres devem ser respeitados exclusivamente dentro da lei e respeitando-se os principais tratados internacionais, como dos direitos humanos, direitos individuais e demais valores nascidos do iluminismo. Este sistema eleva seus representantes ao poder, tanto Presidente da República quanto Primeiro-Ministro, através de eleições. Normalmente com mandatos pré-estabelecidos pela Constituição. Em todo caso, não há em sua maioria limite de tempo para partidos ficarem no poder com diferentes representantes. Exemplos contemporâneos: República francesa, República alemã e Estados Unidos da América.



O que isso significa?


Algumas coisas devem ter ficado óbvias para o leitor atento. A primeira delas é que, em ambos os sistemas (monarquia ou república), há poder. Ou seja, o fato de existir um processo de coerção e de controles diferenciados desta coerção, é simplesmente um fato. Por mais antimonarquista que você seja, não pode negar que o poder tem vida própria. E esta coerção pode ser aplicada de maneira absoluta ou ditatorial, ou pode ser aplicada de maneira democrática. Seja numa monarquia ou numa república. Democracia, portanto, é poder controlado por muitos. É descentralização. E com isso já refutamos o argumento de que “democracia” e “república” são “a mesma coisa”. Não, não são.

Em termos práticos há poucas diferenças entre os tipos de monarquia e os tipos de república. A ideia de que a República é superior a monarquia não passa de um mito. A República pode ser tão prejudicial quanto uma monarquia absoluta. Tudo depende do quanto as liberdades individuais são garantidas e do quanto os poderes são CONTROLADOS. E aqui reside a chave donde podemos compreender este debate entre República e Monarquia. Obviamente, quem defende a República defende a República Constitucional. E quem defende a monarquia também defende a Monarquia Constitucional. Ambos são Estados de Direito democráticos. No entanto, é muito comum ouvir dos republicanos dois argumentos antimonarquistas:

1). A legitimidade do poder vem do voto (todo poder emana do povo).
2). A monarquia representa a desigualdade e deve ser combatida por isso.

Vamos analisar ambos os argumentos em separado.


I). Quanto a Legitimidade:

Afirmar que a legitimidade advém do voto popular é uma falácia ad populum. Não é porque uma suposta maioria votou em alguma coisa que este alguma coisa é certo. É bom lembrar que muitos ditadores subiram ao poder através do voto e lá ficaram graças ao próprio voto. Hugo Chaves, por exemplo, foi eleito e reeleito mesmo quando ele próprio mudava as leis para se beneficiar. Isso é legitimidade? Isso é democracia? Só se for através de um filtro muito ideológico.

Não é o voto que dá legitimidade. O que dá legitimidade ao poder na contemporaneidade são duas coisas: respeito aos valores iluministas e Estado de Direito. Se há uma constituição, se há controle entre os poderes, se a tirania é combatida por este Estado e se as liberdades individuais são corretamente garantidas pela lei, então há Democracia. Pois democracia não é “governo do povo”, mas sim “governo de muitos”. O povo não governa de fato nem na própria República! Quem governa são aqueles que foram capazes de, com dinheiro e retórica, convencer o maior número possível de cidadãos para conseguir seus votos. Democracia enquanto “governo de muitos” é o oposto semântico de absolutismo (governo de um). Uma monarquia constitucional é um governo de muitos. Basta que o poder coercitivo seja descentralizado.  

O oposto de democracia é absolutismo. E o oposto da liberdade é a tirania. Uma monarquia pode (e na grande maioria dos exemplos contemporâneos, de fato o é) democrática, legítima e defensora das liberdades individuais.


II). Quanto a questão da hierarquia social e desigualdade:

Este tipo de argumento é mais usado por aqueles que defendem (consciente ou inconscientemente) uma sociedade igualitária. E por igualdade devemos nos lembrar que há dois tipos de igualdade: a formal e a material.

A igualdade formal, pela LEI, é aquela onde todo indivíduo deve respeitar a lei pois ninguém está acima da lei. Pois bem, nas monarquias constitucionais todos, desde o cidadão comum até o Rei, devem prestar contas a constituição. Já há esta igualdade formal nas monarquias contemporâneas. Logo, afirmar que a monarquia promove a desigualdade é uma falácia da Descida Escorregadia. Tenta-se relacionar a monarquia a desigualdade entre aqueles que podem tudo e os que não podem nada e, numa bola de neve argumentativa falaciosa, transformar a monarquia em algo retrógrado, antiquado, caduco e mofado.

Já quanto a igualdade material, se trata puramente de uma questão ideológica. Anarquistas, socialistas, comunistas de modo geral tendem a defender uma igualdade material universal, de modo que assumir que uma família possui poderes e vive em palácios apenas por direito de nascimento é um tanto absurda. Porém, para estas pessoas também é absurdo um homem rico viver de maneira extravagante, “ostentando” riqueza. Logo, para estes ideólogos de esquerda, qualquer desigualdade material é negativa e deve ser combatida. Não só a monárquica como também o Estado republicano burguês. A estes darei o benefício da ignorância, visto que não há argumento possível que os faça compreender a legitimidade de um monarca.

Já para alguns liberais, social-democratas, conservadores e libertários, que compreendem a desigualdade como algo natural na sociedade humana, a questão se resume mais a economia. Ou seja, porque irei pagar com meus impostos para uma família viver num Palácio e andar de carruagem? O que ganho com isso?

A resposta a esta legítima dúvida vem através de uma clássica separação: poder público e poder privado. Qual é a legitimidade do presidente da República viver no Palácio do Planalto? Mesmo que mude de morador de 4 em 4 anos, ainda assim sempre terá uma família morando no Palácio do Planalto. A diferença disso para a Monarquia é que o morador não muda de 4 em 4 anos. Ponto. Logo, algumas funções públicas naturalmente são custeados pelo Estado e assim deve o ser, uma vez que o servidor público não faz do Palácio uso pessoal, mas sim institucional. O palácio pertence ao Estado. O Rei vive nele por institucionalmente estar ligado ao Estado. Mas os seus gastos particulares, são particulares. E aqui entra a separação do público e do privado.




A fortuna da família real britânica, por exemplo, é sustentada pelos investimentos que seus membros fazem. Somente algumas poucas propriedades são de posse da família real, enquanto todos os demais palácios pertencem ao Estado britânico. Fazem parte dos símbolos nacionais e da cultura local. Em qualquer monarquia constitucional a família real tem gastos privados e gastos públicos. Os gastos públicos são concernentes a sua função institucional e os gastos privados, a suas vidas privadas. No entanto, sei que isso não é suficiente para esclarecer a dúvida. Vamos então a matemática.

A família real britânica gera bilhões de libras todo ano com turismo. É mais valioso visitar castelos virtualmente pertencentes a um Rei vivo do que visitar castelos de um Rei que morreu a 200 anos atrás. Logo, só com turismo a monarquia britânica, por exemplo, paga muitos dos gastos públicos que saem dos cofres do pagador de impostos. Ao mesmo tempo, ainda é mais barato manter uma família real do que várias famílias de ex-presidentes ou de presidente em exercício. Temos três pontos favoráveis as famílias reais ou imperiais:

a). Os gastos públicos e privados são diferenciados por lei e transparentes, uma vez que a família real sempre estará diante do escrutínio público e dos olhos atentos do Parlamento. Com isso, o tanto em impostos que o povo tem de pagar já diminui drasticamente.

b). Monarcas vivos geram mais turismo em seus países do que monarcas mortos. Não só por causa dos castelos e da história, mas também dos eventos culturais. Curiosidade, a magia da monarquia, o interesse do público por ver um Rei vivo é suficiente para atrair muitos turistas anualmente e, com isso, gerar muita renda ao próprio povo local.

c). Os pontos anteriores já barateiam muito uma família real diante de políticos tradicionais. Em todo caso, vale lembrar que um Rei contemporâneo NÃO TEM DIREITO DE LEGISLAR. Portanto, ele não tem controle sobre orçamento público. Isso impede que monarcas façam leis que os beneficiem. Já os políticos, tendo direito de legislar e executar as leis que eles próprios criam, podem fazer o que quiser com o orçamento público se tiverem essa oportunidade. Portanto, é mais difícil um Rei gastar de forma irresponsável o dinheiro do pagador de impostos do que um político.

Do ponto de vista pragmático e financeiro, uma família real dói menos no bolso do pagador de impostos do que políticos. E com o benefício de que ela impulsiona o turismo, preserva a cultura local e a história e serve como símbolo de estabilidade e de democracia perante todo o mundo.

A desigualdade não é um problema. Alguns nascem em famílias ricas, outros nascem em famílias pobres. O que importa é a oportunidade de ascender socialmente. Numa monarquia constitucional todos podem deixar de ser pobres e ter uma vida saudável. Só não podem ser Reis. Mas qual é o problema disso? Quantos seres humanos numa República tem a vontade, capacidade, habilidade e paciência para ser um Presidente da República? E em todo caso, um cidadão poderá servir seu país como Primeiro-Ministro. O que no fundo, dá na mesma.

Não é a desigualdade que é o problema. É a tirania, a pobreza e a ignorância que são o problema. Todo o restante é tolerável e assim deve ser. Se você não é socialista, ou comunista ou anarquista, certamente irá compreender estas palavras.



CONCLUSÃO
Monarquia ou República?


Majestade significa “excelência” ou “grandeza”. Quando chamamos um Presidente ou um Juiz de “Vossa Excelência”, estamos repetindo um mesmo ritual nascido com “Vossa Majestade”. A diferença de palavras, no entanto, qualifica também a diferença de conotações para um desavisado. Vossa Excelência nos remete a falsa ideia de um “igual que chegou lá”. Enquanto o Vossa Majestade nos remente a também falsa ideia de um “diferente superior”. Em todos os debates a cerca de Monarquia e República, 90% dos argumentos antimonarquistas se concentram nesta diferença. Ou seja, na questão da legitimidade e da desigualdade como um problema a ser enfrentado.

Fato é que uma pessoa nascida para reinar jamais será como um político. Pois o político nasce em qualquer espetro social e precisará de ambição para chegar em elevados postos. E ambição é uma ótima forma de se chegar a corrupção. O Rei não precisa ambicionar nada. Ele está preso a sua função constitucional e a ela deve prestar contas. Se ele ambicionar algo, terá de tentar na vida privada, no espectro privado, não no público. O termo “Majestade” não deve ser usado da forma preconceituosa que é usada por republicanos e antimonarquistas.


Inquéritos sobre Religião e Cultura - Prof Christopher Dawson/ introdução


O leitor atento terá observado que o que importa não é “vencer as hierarquias sociais” ou defender “igualdade material para todos”. Isso são argumentos nascidos dos grupos esquerdistas e anarquistas. O que importa é o Estado de Direito, a Democracia enquanto “poder de muitos”, descentralizada, e o respeito aos princípios e valores iluministas, tais como os direitos individuais. Usando isso como base comum para nossas análises, resta-nos averiguar qual sistema tende a ser melhor do que o outro. Não precisamos falar das Repúblicas e Monarquias não-democráticas, pois não nos interessam. Logo, o que é melhor para a Democracia? Monarquia ou República?

Para responder a isso, devemos nos ater a três prospetos:

1). Possibilidade histórica.
2). Valor cultural e social.
3). Controle do poder.

O ponto número 1 nos leva a considerar a cultura de uma sociedade e a forma como ela está organizada historicamente. Devemos nos perguntar: há espaço nesta sociedade para uma República ou para uma Monarquia? Algumas sociedades simplesmente não tiveram nenhuma experiência monárquica no passado. Logo, é muito difícil imaginar que uma “nova” dinastia surgiria do nada, de maneira democrática, para reinar por todo o sempre. A estas sociedades sem nenhuma relação histórica ou tradição com famílias reais ou imperiais, a República talvez seja o formato mais desejável.

E isso nos leva ao ponto número 2. Dependendo de como uma cultura está orientada, pode ser que a estabilidade do Estado de Direito seja melhor alcançada numa monarquia ou numa república. Depende de muitos fatores. Depende dos valores culturais locais, depende de como as famílias estão organizadas, ou ainda, de como o tratamento interpessoal é assimilado nesta sociedade. Tudo isso influencia positivamente ou negativamente para qualquer um dos sistemas.

Acumulando o ponto 1 e 2, chegamos ao ponto 3. De acordo com o histórico da sociedade e sua forma de se organizar culturalmente e mesmo religiosamente, chegaremos ao entendimento de como o poder deve ser controlado nesta sociedade. Se a monarquia for uma opção histórica e cultural, do ponto de vista pragmático, ela sem dúvida é mais pertinente do que a República quando se trata de controle do poder. Na República, todo o poder está nas mãos dos políticos, que fazem as leis e as executam de acordo com a retórica e o poder financeiro que dispõem. Logo, o poder coercitivo é muito mais incontrolado do que na Monarquia. Já se houvesse um Rei ou Imperador, haveria uma figura destoante do sistema eleitoral (e portanto não dependente da retórica ou do poder financeiro), que seria a grande voz pública, social e cultural, zeladora da Constituição e dos interesses nacionais e do povo.

Como dito anteriormente, o fato do monarca não ser eleito e não depender dos jogos políticos para manter o poder o torna uma figura ímpar em todo o mundo ocidental. É o seu ponto forte! O rei absoluto medieval tinha de fazer jogos políticos. Logo, ele tinha grandes chances de ser corrupto. Hoje, o Rei não precisa mais fazer estes jogos. Não é mais a sua função. A família real é o único conjunto de indivíduos que, de maneira precisa e muito específica, servem para sustentar o Estado de Direito democrático em pé. E com isso, todo o progresso científico, social, cultural, político e económico dele proveniente. O Rei fala sem falar e governa sem governar. É por conta de sua função única em todo o sistema político democrático que o monarca ganha o direito e nós o dever de o chamar de “Vossa Majestade o Rei”. Porque ninguém suportaria sua função, justamente por termos a tendência de sermos muito fracos diante das nossas ambições pessoais.



Tradução

Querida Lilibet,

Eu sei como você amou seu papá, meu filho, e eu sei que você ficará tão devastada como eu por essa perda. Mas você deve colocar esses sentimentos de lado agora, para a chamada do dever. O sofrimento da morte de seu pai será sentida em toda parte, seu povo precisará de sua força e liderança. Vi três grandes monarquias derrubadas pelo fracasso em separar as indulgências pessoais do dever. Você não deve se permitir cometer erros semelhantes. E enquanto você chora seu pai, você também deve lamentar outra pessoa: Elizabeth Mountbatten. Pois ela já foi substituída por outra pessoa: Elizabeth Regina. As duas Elizabeths estarão frequentemente em conflito uma com a outra. O fato é ... a coroa deve vencer. Deve SEMPRE vencer.

Queen Mary

Antimonarquistas de modo geral querem um sistema onde todos os poderes políticos sejam exercidos por indivíduos ambiciosos o suficiente para corromper e serem corrompidos. Querem que qualquer tipo de cidadão chegue aos altos cargos da República. A monarquia nega isso a eles. A monarquia educa uma família inteira para uma única específica função na vida. Aquilo que torna o Rei uma verdadeira Majestade é também aquilo que mais irrita republicanos. Pois bem, que o julgamento do que é mais sóbrio fique para a consciência do leitor.

De minha parte, tudo o que espero é que o debate a cerca da monarquia ou da república passe por estes tipos de argumentos. O que é mais eficiente pragmaticamente? Será que a sua sociedade está preparada para uma Monarquia? Será que a República é capaz de se aperfeiçoar ou ela sempre estará a mercê dos jogadores da política? Perguntas deste calibre deveriam povoar os debates entre monarquistas e republicanos, não o enfadonho “monarquia é retrógrado, república é democracia”.


Um homem é um homem,
Mas quando você vê um rei, você vê o trabalho
De muitos milhares de homens.

George Eliot


Obrigado pela leitura,

Sasha Lamounier
Jornalista e um Liberal Clássico



Porto, Portugal
17 de Outubro de 2017