01/12/2018

O Futuro da Economia Brasileira


O Futuro da Economia Brasileira
Um modelo macroeconómico

Por
Sasha Lamounier


Este texto tem por objetivo clarificar a situação da economia brasileira, fazendo uso de explicações de economistas, gráficos e estatísticas oficiais provenientes de institutos sérios e do próprio Governo Federal. Este artigo não pretende ser um panfleto ideológico, embora seu autor evidentemente tenha uma opinião sobre o assunto e a expõe em todo o corpo do texto. O objetivo é que o leitor, desde o economista até o mais leigo, tenha uma mínima compreensão crítica do tema e perceba de fato o que irá acontecer com seu país e em sua vida nos próximos anos.

Estrutura do artigo

1.      Como funciona a economia contemporânea;
2.      Fundamentos básicos da produtividade e da formação bruta de capital;
3.      O modelo dos governos recentes e do futuro novo governo (Bolsonaro-Guedes);
4.      Perspetivas e estratégias: uma crítica construtiva;



Ø  Como funciona a economia contemporânea;

Podemos classificar a economia global em três setores: o mercado financeiro, o mercado produtivo e o mercado de consumo. Cada um destes mercados está direta ou indiretamente relacionado ao outro e, como se diz no famoso mote economês, “em economia tudo tem a ver com tudo”. Para compreender isso, vamos definir o que é cada mercado e como eles funcionam.

A). Mercado Financeiro;

Quando você ouve falar de Bolsa de Valores ou quando os bancos (privados e públicos) falam em investimentos financeiros, na verdade estão falando de alocação pura de recursos financeiros (dinheiro) naquilo que gera mais ou menos rendimento. A Bolsa de Valores é onde pedacinhos de empresas e instituições são vendidas para investidores privados do mundo todo, criando assim um preço de mercado deste pedaço da empresa. O pedaço é conhecido como “ação” (share, em inglês) e é vendido todos os dias nos pregões das Bolas do mundo.

Os bancos, por sua vez, compram e vendem papéis de dívida pública, investem em renda fixa, previdência, fundos e assim por diante. Trata-se de um mercado baseado tão e somente na fluidez financeira, por isso se chama “mercado financeiro”. Quando uma economia é próspera, os mercados financeiros também tendem a ser prósperos, com muitas oportunidades de investimento e rendimento. Na prática, no entanto, fundos de investimentos e bancos monopolizam o mercado financeiro, impedindo que a sociedade entre neste mercado e participe da produção e distribuição de riqueza. Este é um problema que teremos de tratar ao longo deste texto.

B). Mercado produtivo;

O mercado produtivo, por sua vez, são os empreendimentos, os negócios que produzem algum bem ou serviço de valor na sociedade. E para tanto, há diversos e diversos nichos de mercado dentro do mercado produtivo. Temos o mercado de tecnologia, o de manteiga, o de sapatos, o de carros, o de livros e assim por diante. Cada um deles com suas determinadas características e necessidades. O mercado produtivo pode ser dividido em uma cadeia produtiva de três grandes grupos: matéria-prima (commodity), indústria e bens e serviços.

O mercado de commodity é fundamentado em um grupo de produtos que tem pouca ou quase nenhum nível de industrialização. São aqueles produtos vendidos em seu estado puro, ou bruto, tais como petróleo, carvão, trigo, algodão e assim por diante. Na cadeia produtiva, tais produtos funcionam como instrumento da indústria, que trabalha estes produtos e os transforma em derivados, como combustível, pão, tecidos etc. Em seguida, o mercado de serviços é onde os produtos da industria são comercializados. Então estamos falando de padarias onde o pão é vendido, lojas de moda onde roupas são vendidas, postos da gasolina onde o combustível é vendido e assim sucessivamente.

Essa cadeia produtiva também cria outro conceito importante da economia denominado “divisão internacional do trabalho”. Ou seja, dado que temos diferentes grupos da produção internacional, temos também diferentes grupos de atuação do mercado de trabalho. Na agricultura temos o agricultor, na indústria temos o operário e no setor de serviços temos o vendedor, por exemplo. Cada posto de trabalho perfaz uma divisão internacional do trabalho (alocação de recursos humanos internacionais) e tanto a especialização quanto as vantagens competitivas engendram o estímulo que os grupos produtivos necessitam para movimentar as cadeias produtivas.

C). Mercado de consumo;

O mercado de consumo, por sua vez, é o ambiente onde os produtos, bens e serviços das três cadeias produtivas são comercializados. O agricultor só pode vender seu trigo se tiver consumidores, do mesmo modo o industrial e o vendedor de loja. E para existir consumo, é necessário existir renda. Afinal de contas, o grosso da economia não funciona mais pelo processo de escambo (ou trocas de produtos), mas de escala. Se estamos falando de economia de escala, estamos falando de escoamento de produção e de lucratividade do mesmo.



Aqui entra diversos fatores que demandam atenção. Para que o consumo seja possível, é necessário a geração de postos de trabalho assalariado. E para que existam postos de trabalho, os setores da economia precisam ter disposição para investimento. Todo investimento é um risco, pois é o desprendimento de um recurso financeiro em favor de uma aposta de mercado. Por exemplo, uma determinada empresa só irá construir uma nova fábrica se esta fábrica gerar lucro para sua empresa. Se não o fizer, esta empresa preferirá ganhar recursos no mercado financeiro (de ações) do que na produção (fábrica).

Isso significa que nem sempre quando o mercado financeiro vai bem o mercado produtivo também vai. Pois se os agentes de mercado (consumidores e investidores) são racionais (um dos princípios da economia) e tendem a tomar as atitudes mais lógicas a depender do número de informação disponíveis, então o empresário ou investidor irá colocar seu dinheiro onde dá lucro e nada mais do que isso.

O mercado consumidor, portanto, é o que todos compram e vendem em todos os mercados acima descritos. Tanto na cadeia produtiva, quando no mercado financeiro. Um investidor que compra uma ação de uma empresa está agindo como consumidor. A diferença é que ele não está comprando um produto de uso objetivo, mas sim um investimento. E todo investimento só é válido se ele lhe gerar lucro. Aqui entra outros conceitos da economia, como inflação, estabilidade do mercado, simetria de informação e assim por diante. O importante é que o leitor se lembre de que “mercado consumidor” não é apenas ele que vai numa loja e compra uma roupa nova. Mas tudo o que é vendido e comprado em todos os mercados globais.

Este artigo ficaria imenso se eu tentasse resumir todos os conceitos da economia para o leitor. Eu parto do pressuposto de que o leitor sabe que cada país tem uma moeda e que o preço desta moeda é o câmbio. Que sabe também que a divisão internacional do trabalho modifica a estrutura produtiva de um país e suas potencialidades no mercado financeiro, gerando incentivos ou desincentivos para o investimento privado nacional frente ao investimento (e interesses) privados internacionais. Creio que o leitor também sabe o que são instituições financeiras (bancos, fundos de investimento) e instituições produtivas (empresas, indústrias etc.).

Posto isso, vamos adiantar o tema para o segundo composto teórico que gostaria de explicar e fundamentar bem. Trata-se dos conceitos de “produtividade” e “formação bruta de capital”. O leitor já sabe o que é produtividade, tendo em conta o pequeno resumo em “mercados de produção”. Agora iremos investigar o que gera a produtividade das nações e como uma sociedade pode formar capital para consumo e investimento interno, visando deste modo complexar sua cadeia produtiva e gerar mais riqueza.


Ø  Fundamentos básicos da produtividade e da formação bruta de capital;

Para que qualquer coisa seja produzida, é necessário um conjunto de fatores. Por exemplo, para que uma empresa construa uma fábrica, é necessário capital, uma dada facilidade de infraestrutura para o escoamento de produção, é necessário mão-de-obra para o trabalho, é necessário previamente um mercado consumidor alvo para que o produto fabricado seja vendido e assim por diante. Então quando uma empresa (nacional ou estrangeira) pensa em investir diretamente na nossa economia, a primeira coisa que ela vê são as condições do investimento e se vale ou não a pena o risco.

Neste sentido, produtividade está diretamente relacionado a malha produtiva de um país. Os insumos são mais baratos ou mais caros? Há facilidade ou dificuldade para a alocação de recursos? Existe capacidade produtiva ou não? Se a resposta for negativa para duas destas três perguntas, a empresa não irá investir em uma nova fábrica, por exemplo. Então temos de considerar estes fatores. Mas o leitor poderá dizer: se a economia está cada vez mais globalizada, não precisamos nos preocupar com malha produtiva, apenas em aprofundar nossas vantagens competitivas e deixar os investidores construírem fábricas em outros países.

Aqui entra o fator da formação bruta de capital. Digamos que o leitor está certo e que de fato não é necessário se preocupar com industrialização, mas sim com as vantagens competitivas de nichos de mercado inseridos na cadeia produtiva internacional. Isso significa que um país como o Brasil, que possui vantagens em matéria-prima deve favorecer seus negócios em commodity e deixar a produtividade industrial de lado. No entanto, de onde vem o investimento dos grandes produtores de matéria-prima?

Diferentes mercados de commodity tem diferentes necessidades e desafios. O mercado do petróleo, por exemplo, é muito favorecido quando o preço do petróleo está alto. Mas quando ele tem uma queda brusca, todos os negócios em petróleo sofrem perdas as vezes irreparáveis. Do mesmo modo, na agricultura, é necessário mercado consumidor em escala para alimentar toda essa gente, gerando valor no produto ofertado. Então se o Brasil exporta muita soja, o preço da soja deve se manter mais ou menos estável para que os negócios continuem firmes.

Num cenário hipotético onde os preços se mantém constantes, portanto estáveis, eu pergunto: qual é o incentivo para o investidor tirar seu dinheiro de um negócio lucrativo para alocar em outro? Nenhum! Se o Brasil ignorasse sua indústria, seríamos uma verdadeira grande fazenda voltada para a economia de escala (internacional) e pouco para o nacional. Pois o que daria lucro aos agricultores e pecuaristas seria a exportação (onde se atinge mais consumidores) e menos o mercado interno, onde há dificuldades para manter os preços competitivos.

O que aconteceria com uma economia baseada apenas em commodity? Bem, a malha produtiva seria inteiramente voltada a beneficiar investimentos em agronegócio. Então mesmo que se abra comercialmente o país, o investidor industrial estrangeiro não irá abrir uma nova fábrica no Brasil, pois os custos serão demasiados e o investimento não valerá a pena. Investidores da agropecuária até poderiam investir no Brasil, comprando terras e criando novas oportunidades de negócios (foi o que o governo Dilma fez ao vender terras para a China). Mas, isso significaria entrar em rota de colisão com os grandes produtores nacionais e sua lucratividade. Então não é tão simples quanto parece.

A formação bruta de capital (que significa a capacidade de uma sociedade gerar renda para consumo e investimento), num país dependente de commodity, estaria inteiramente comprometida, pois só haveria dois mercados para o dinheiro escoar: agronegócio e setor de serviços. O setor de serviços é todo aquele conjunto de empreendimentos onde o produto final é vendido. Então grande parte seria produzido fora (já que um Brasil dependente de commodities não teria indústria suficiente para a demanda interna), para então ser vendido domesticamente. Se os brasileiros não conseguirem investir bem seu dinheiro e terem altas margens de lucros, também não conseguirão formar dinheiro para novos investimentos. O que significa que sua condição ficaria engessada, favorecendo mercados produtivos e financeiros internacionais, ao passo que o mercado interno ficaria na dependência do agronegócio e dos serviços. O risco da desindustrialização, portanto, é o empobrecimento da sociedade como um todo, aprofundando desigualdades sociais e impedindo a geração de riqueza.




Os grandes bancos tem grandes margens de lucro, pois o spread bancário e suas taxas é favorecido em detrimento das perdas de seus investidores (poupadores). Então por exemplo, quando você investe em COE (Certificado de Operação Estruturada), apostando numa possibilidade de rendimento alto e seguro, não lhe é dito qual a chance de realmente acontecer este rendimento. E se você investe 100 reais em 2018 para, no pior dos casos, receber de volta 100 reais em 2023, você perdeu dinheiro pois teve um montante que ficou preso enquanto rendimento artificial por anos, gerando rendimento apenas para o banco em altas taxas e spread. Este processo acontece aos montes no sistema bancário brasileiro e impedem a formação bruta de capital dos poupadores-investidores de pequeno porte.

Os grandes investidores, que são poucos e que fazem grandes fortunas, investem diretamente na operação financeira que dá retorno direto, sem intermediários. Por exemplo, 72% de todo o dinheiro investido no mercado financeiro brasileiro vai direto para dívida pública, pois é ali que o rendimento acontece. Oras, ao invés de você investir seu dinheiro no banco e nas propostas que o banco lhe oferece, porque você não investe diretamente no tesouro? Os bancos não dão essa informação ao pequeno poupador. Seus ganhos seriam muito mais altos e não haveria o malabarismo que os bancos fazem para render em cima do seu dinheiro, que ficaria preso por um tempo em benefício do banco.


Isso é só um exemplo para mostrar como que a sociedade brasileira é enganada em sua já baixa tentativa de formação de capital e como que vendem um pacote de liberalização da economia, sem dizer realmente o que isso significa. Precisamos aprofundar estes estudos e é por isso que, no próximo tópico, procurarei dar um resumo do que foi feito pelos últimos governos e o que podemos esperar do próximo. Antes, observe estes dados e vídeos:




Endividamento das Famílias brasileiras








Ø  O modelo dos governos recentes e do futuro novo governo (Bolsonaro-Guedes);

Antes de entrarmos na questão do que os governos recentes fizeram na economia brasileira e do que Bolsonaro promete, observe os seguintes mapas:


Segundo a EMBRAPA, o bioma da Amazônia é um deserto sem a sua floresta. Trata-se de uma biodiversidade que se sustenta por si mesma. Ao desmatar, não há terra produtiva em todo o perímetro da Amazônia. O Cerrado é também improdutivo, podendo a terra ser trabalhada através de uma série de processos caros e demorados que somente grandes empresas e grandes agricultores podem arcar. Fora isso, temos a Caatinga que é um deserto improdutivo e que, seguindo a mesma lógica do Cerrado, pode se tornar produtiva se houver a infusão de processos caros de trato da terra. O grosso da produção agropecuária brasileira se concentra nos Pampas e no bioma da Mata Atlântica, onde também a maior parte da população brasileira se concentra. Isso se mostra claramente no próximo mapa:


As regiões em amarelo representam todas as propriedades agrárias (visando o agronegócio ou a pecuária) do Brasil em atividade neste momento. Em vermelho, estão os centros urbanos. E por falar em centros urbanos, onde está concentrada a produção industrial brasileira?


O leitor percebe que a produção nacional, que já é pouca, está concentrada no Sudeste e no Sul, com importante participação do Nordeste. Se tivéssemos de resumir o Brasil seria nisso: um país absolutamente costeiro com um interior inexplorado pela falta de recursos e capital. Mas podemos ir além. A malha ferroviária de um país diz muito sobre sua malha produtiva e capacidade de escoamento de produção. Países como EUA, Índia, China, com territórios continentais como o Brasil, possuem malhas ferroviárias muito desenvolvidas. A título de comparação, veja a malha ferroviária chinesa:


E agora compare com a do Brasil:


Nosso mapa rodoviário, no entanto, é bem maior e demonstra o quanto dependentes de rodovias a infraestrutura brasileira está:


O que isso significa? A dependência de rodovias significa que todo o escoamento de produção brasileiro (especialmente do setor de agropecuária) é via rodovias, tornando mais custoso e demorado na alocação de recursos agrícolas. Se houvesse uma maior malha ferroviária, no entanto, haveriam pelo menos os seguintes benefícios:

·         Grande capacidade de armazenamento e transporte de cargas.
·         Capacidade de deslocar grandes volumes a um baixo consumo de combustível (4 vezes menor do que no rodoviário).
·         O custo médio por distância Km/tonelada é significativamente mais baixo se comparado aos outros meios de transporte de cargas.
·         Não encontra problemas nas vias de locomoção, visto que as condições dos trilhos ferroviários encontram-se sempre em ótimos estados operacionais, e a sua manutenção é periodicamente realizada.
·         Menor risco de danos à carga por conta de fatores externos (roubos, furtos e acidentes).
·         A Redução de custos influencia positivamente nos custos de produção.

Então se até mesmo para o nosso forte, que é o setor de commodities, a malha rodoviária significa custos consideráveis, imagine para a produção industrial, onde temos menos incentivos ainda, com pouca mão-de-obra qualificada e pouca infraestrutura. 



 Governos e seus feitos (e defeitos)


Durante os governos FHC e Lula 1, o Governo Federal teve como prioridade a estabilidade financeira. Ou seja, a garantia de que a moeda se manteria mais ou menos estável diante das crises internacionais e que o ambiente produtivo no país se manteria equânime, de modo a favorecer setores-chave da economia brasileira e a produtividade interna. No período Lula, tivemos um boom nos preços das commodities, que favoreceu em grande escala os produtos brasileiros. Houve alguma tentativa de investimento em infraestrutura no Programa de Aceleração do Crescimento 1 e 2 e a promoção de uma nova política macroeconómica, visando estimular a produtividade interna.

O grande erro do governo Lula 2 e dos governos Dilma foi que, nesta tentativa de se estimular a produtividade interna, não foi levado em conta que não tínhamos formação bruta de capital, afinal o boom das commodities foi aproveitado para favorecer um boom de consumo no setor de serviços. Algo que mais tarde geraria uma crise de endividamento. O bem-estar de muita gente melhorou, mas isso não significou produção de riqueza e tampouco capacidade de investimento da parte da sociedade civil e dos investidores nacionais. A economia ficou engessada. Especialmente com as barreiras comerciais levantadas em 2011 e 2012 pelo governo Dilma visando estimular os produtores internos.

Faltou visão aos governos petistas para formar uma malha produtiva que pudesse beneficiar, no médio prazo, a formação de capital e a produtividade nacional. Em 2016 houve o impeachment e o vice-presidente Michel Temer assume diante de uma grande crise financeira (crise de confiança na moeda e no mercado brasileiro, alimentado por uma pós-crise nos preços das commodities) com um discurso liberalizante. Temer aposta numa tentativa incipiente e superficial de diminuir o Custo Brasil (denominação genérica dada a uma série de custos de produção, ou despesas incidentes sobre a produção, que tornam difícil ou desvantajoso para o exportador brasileiro colocar seus produtos no mercado internacional, ou então tornam inviável ao produtor nacional competir com os produtos importados).

No entanto, a crise de confiança permaneceu, dada a instabilidade política e as diversas greves e manifestações, sem falar das denúncias de corrupção, que poderiam colocar em risco reformas consideradas importantes pelo mercado financeiro. Isso porque o mercado financeiro (internacional e nacional) investem fundamentalmente em dívida pública, na aposta de que o governo irá honrar com seus compromissos. Se o défice público é muito grande e a dívida entra numa escalada de ascensão constante, isso deixa os investidores temerosos de um default.

Por isso, Temer (através de seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles) promoveu reformas que beneficiassem uma pequena produtividade interna a fim de impedir que o rombo fiscal se tornasse um problema absoluto e impedisse a entrada de investimentos estrangeiros. Neste sentido, Temer foi uma pílula de açúcar (efeito placebo) para tapar um problema que não depende de paliativos financeiros, mas de reformas estruturais na malha produtiva. Diante deste fator, as eleições de 2018 colocaram em xeque quais alternativas estavam se predispondo para mexer ou não neste problema estrutural. O candidato eleito, porém, representou uma continuidade das promessas de Temer ao mercado financeiro.


E mais ainda, o governo eleito (Jair Bolsonaro), através de seu futuro ministro da Economia (Paulo Guedes) representam um conjunto de ideias bem mais radicais do que as propostas por Temer. Economicamente falando, Guedes propõe uma forte liberalização da economia, promovendo uma radical abertura comercial e um conjunto de privatizações, visando com isso atingir dois objetivos: arrefecer o impacto da dívida, acabar com o rombo fiscal e deixar para a iniciativa privada toda a capacidade produtiva.

Mas como vimos anteriormente, para que este projeto tenha possibilidade de sucesso, o problema da malha produtiva (a qual podemos resumir em educação e infraestrutura) precisa ser debatida e atingida concretamente. Sem melhoria nos níveis de educação, faltará mão-de-obra qualificada. E sem melhoria na infraestrutura do país, faltará ambiente para a produção. Considerando que o Brasil não tem capital interno suficiente para o investimento, sobra para o capital externo. E como vimos, o capital externo não irá investir numa fábrica se isso não for lucrativo para si. Eles pretenderão continuar investindo no mercado financeiro, onde o lucro é menos arriscado do que num país cuja malha produtiva praticamente inexiste.

Isso nos leva a dois resultados prováveis. O primeiro deles é que, a grosso modo, as propostas liberalizantes de Paulo Guedes não alterarão nada no setor produtivo, mantendo o agronegócio como o carro-chefe e o setor de serviços como a grande fomentadora de bem-estar social. É possível o barateamento de alguns produtos, dado a internacionalização da economia e a entrada de produtos estrangeiros. No entanto, isso não significa no médio prazo a garantia de poupança e tampouco de investimento, que continuarão concentrados no mercado financeiro e no agronegócio.

O endividamento das famílias brasileiras ainda é uma questão primordial. Estimular o consumo com uma abertura comercial gerará uma euforia de curto prazo, promovendo uma nova rodada de consumismo na sociedade brasileira. No setor produtivo, favorecerá a importação de alguns insumos. Mas estes insumos não beneficiarão a criação de novas indústrias no país, pois não temos malha produtiva. Poderá beneficiar o surgimento de novos negócios no setor de serviços e talvez alguns equipamentos no setor de commodities. Mas em termos gerais, não modifica a estrutura da economia brasileira.




O problema do endividamento é que os bancos não estão interessados em renegociar dívidas. Estão interessados em ganhar nas taxas e no spread, mantendo sua alta lucratividade. Banco não vê gente, vê números. E é isso que os interessa. Se grande parte da população está com o nome no SPC, por exemplo, então a euforia como dito anteriormente terá um prazo de validade até que todo mundo aprofunde seu endividamento e acabe trabalhando em qualquer coisa para poder pagar dívidas.

Ai que entra outro fator perverso da proposta de governo Bolsonaro: direitos trabalhistas. É verdade que uma reforma da CLT era necessária, visando moderniza-la e torna-la mais maleável para a condição da economia brasileira. É verdade também que outras reformas, como da previdência, tributária e investimentos pesados em infraestrutura são importantes para favorecer o mercado de trabalho. Mas não investindo em educação e nem em infraestrutura, uma abertura indiscriminada de empregos sem o abrigo da CLT favorecerá o subemprego e os abusos de salários (sempre abaixo do mínimo).  

A ideia de uma “carteira de trabalho verde e amarela” não significa a geração de empregos, mas a geração de empregos sem o abrigo dos direitos trabalhistas, algo que pode ser entendido através de uma frase muito dita por Jair Bolsonaro: “O povo tem de escolher entre trabalhar sem direitos ou ter direitos e não ter trabalho”. Oras, trabalhar sem direitos, sem garantias fundamentais, permite que não apenas o subemprego se institucionalize, mas também não garante melhoria no rendimento dos brasileiros. Se eles já estão endividados, se não tem especialização e se não há infraestrutura que permita uma alocação de recursos humanos mais eficiente, então os brasileiros estão condenados a uma vida de semiescravidão, onde trabalharão para pagar dívida e para sustentar uma rede de interesses financeiros perversa.

A demografia possui um papel importante nesta análise, assim como os mapas da estrutura produtiva nacional. Basicamente, o Brasil não tem tantas terras produtivas como se imaginava e não temos um número suficiente de indústrias que favoreçam a produção de riqueza nacional. Ao mesmo tempo, temos uma sociedade que está no final do boom demográfico e caminha para um aprofundamento do envelhecimento. Isso significa que teremos menos força de trabalho nas próximas décadas do que temos agora e que, configurando-se tudo o que foi dito até aqui, o Brasil caminha para um século inteiro de subdesenvolvimento e aprofundamento das suas desigualdades sociais.


Ø  Perspetivas e estratégias: uma crítica construtiva;

Criticar sem apresentar alternativas pragmáticas ou estratégias para resolver o problema não contribui para o debate, que já anda bastante ignorado no Brasil contemporâneo. É por isso que dedico este espaço a seguir para propor soluções que podem (ou poderiam se fossem adotadas) diminuir o peso destes problemas e favorecer um desenvolvimento robusto na segunda metade do século XXI no Brasil. Como vimos, temos um problema produtivo que passa pelas instituições financeiras (e seus interesses) e pelo endividamento da sociedade brasileira.

Precisamos atacar os dois problemas frontalmente. Isso significa promover uma reforma bancária dentro de uma reforma estrutural da economia brasileira, demandando investimento público em educação, segurança, infraestrutura e saúde. A sociedade precisa estar minimamente assistida e possuir informação para a formação bruta de capital e para o investimento interno. A abertura comercial é também importante, mas precisa ser orientada para favorecer a produtividade e não apenas o consumo.

Com a reforma bancária, vem também um plano de refinanciamento da dívida da sociedade civil e dos estados e municípios. O Governo Federal pode e deve diminuir encargos, cortando especialmente no funcionalismo público. Isso significa, contudo, bater de frente com os interesses de setores complicados da sociedade, como os grupos jurídicos e militares, que representam gastos anuais consideráveis para o erário público. Uma abertura comercial no setor bancário é bem-vindo, pois acirra a concorrência e dá opções para os cidadãos brasileiros.

Ao contrário do que parece, o governo liberalizante de Bolsonaro-Guedes não é um governo liberal, pois não é descentralizador. É um governo concentrador e que favorece a estrutura monopolista dos bancos privados brasileiros e dos interesses do mercado financeiro nacional e internacional. As reformas de Estado do período Temer e as propostas de Bolsonaro vão na contramão do que precisamos fazer, pois não estimulam a produção de riqueza, mas sim o consumo e os setores concentrados da economia para que a dívida seja paga ou entre num círculo virtuoso de sustentação.

Se houvesse preocupação do governo eleito em resolver nossos problemas, haveria uma tropa de choque contra os interesses financeiros e bancários e um pacto federativo e republicano visando favorecer o cidadão brasileiro em sua busca por melhora nos níveis de poupança. Uma sociedade só enriquece se houver trabalho e poupança. Subemprego não é trabalho e aprofundamento do endividamento das famílias não é poupança. Os próximos 4 anos, a depender da oposição da sociedade civil e do estamento político, podem significar uma perda profunda da capacidade geracional da sociedade brasileira entrar num ciclo de prosperidade na segunda metade do século XXI.

A euforia dos mercados e do consumo com as propostas de Guedes são de curto prazo, pois a realidade é a de uma economia desindustrializada, sem malha produtiva, altamente dependente de commodities e do setor de serviços, com uma sociedade endividada e uma alta concentração bancária. Não é uma fórmula que pode dar certo. Não deu muito certo nos governos petistas e não tem como dar certo num governo que promete ser a antítese dos governos petistas. O fluxo de concentração de renda continuará, a dinâmica de enfraquecimento do mercado de trabalho nacional também continuará e o Brasil vai se distanciar mais e mais das nações desenvolvidas diante de sua pouca complexidade económica e de sua tímida inserção na divisão internacional do trabalho.

Para que este texto não pareça inteiramente pessimista, gostaria de indicar que se houvesse um investimento coordenado do Estado no favorecimento de educação especializada em Tecnologias da Informação associado com a entrada de investimentos externos, haveria a possibilidade de, neste contexto, o Brasil iniciar um processo semelhante ao da Índia no médio-longo prazo. Seria uma saída para o cenário dantesco em que nos encontramos diante da revolução tecnológica. Mas seus resultados demandariam tempo e não contribuiriam no curto prazo com os problemas estruturais da economia e sociedade brasileira.

A verdade é que o Brasil é um país onde o vácuo de informação e de coordenação política na convergência de interesses nacionais genuínos, da sociedade como um todo e enquanto comunidade, é tamanha que poucos setores conseguem criar uma cortina de fumaça e pautar o debate público. Este texto é uma das poucas críticas a este cenário e mesmo assim é capaz de encontrar resistência de indivíduos de classe média que acreditam, verdadeiramente, que o modelo de governo Bolsonaro os irá enriquecer. Tais pessoas acreditam que consumo e níveis de bem-estar material representam riqueza, enquanto todos os investidores realmente milionários sabem que riqueza é capacidade produtiva e de investimento, não o consumo.

Que possamos, pelo menos, iniciar este debate visando a segunda metade do século XXI. No atual cenário, este autor acredita que já perdemos as próximas décadas. Talvez, se começarmos agora, poderemos salvar as décadas pós 2050 e favorecer um final de século próspero e vantajoso para toda a sociedade brasileira. Se conseguirmos, o século XXII poderá ser o grande século brasileiro. Mas para isso, temos de começar agora a debater as estruturas de país que queremos para nós e para nossos filhos, netos e bisnetos. Precisamos pensar enquanto comunidade, não como indivíduos e seus interesses passageiros. Precisamos de uma visão de longo-prazo.

Obrigado pela leitura,

Sasha Lamounier
Jornalista, Brasileiro vivendo em Portugal
Um Liberal Clássico



25/10/2018

BRAZIL - O Fim do Brasil com S


BRAZIL
O Fim do Brasil com S


Tenho escrito sistematicamente a cerca do Brasil desde, pelo menos, 2013. Naquele ano, quando houveram as manifestações (ou marchas) de Junho-Julho, parecia que o povo brasileiro havia se levantado (espontaneamente) contra tudo de ruim que existia no país. Foi como um grande grito de “chega”, dado para o mundo nos ouvir. Era a véspera da Copa do Mundo de 2014 e das eleições presidenciais do mesmo ano.

A partir dali, no entanto, a população brasileira começou a ser engrupida numa escalada voraz e virulenta de anti-petismo, alimentada pela grande mídia e por setores conservadores da sociedade. Anti-petismo esse que ganhou ares de anti-esquerdismo, como se a culpa do Brasil estar como está fosse toda da esquerda. Mais ainda, levantou-se um discurso neoconservador e fascista que estava adormecido no interior de muitos brasileiros.

Isso significa que a insatisfação de 2013, que era popular e espontânea, foi aparelhada pela direita (nacional e internacional), visando com isso construir um caminho de poder alternativo ao que, até então, o país caminhava na sua jovem democracia. Pode-se questionar se 2013 foi apenas isso, ou se estes movimentos já existiam incipientes desde antes. Para isso teríamos de fazer uma rememoração profunda da história brasileira.

Neste texto, contudo, vou me ater a um fato consumado e muito claro nas eleições de 2018: a morte do Brasil. Mas, como podemos identificar a morte de um país? Primeiro, temos de entender o que compõe um país.



Observe o quadro conceitual acima. Para formar um Estado-Nação, precisamos dos elementos povo, cultura, território e governo. Deste modo, teremos um “Estado-Nação”. Quando falamos da morte de um país, estamos nos referindo necessariamente a rutura destes elementos formadores do Estado-Nação. Resta perguntar: em 2018, como que as eleições demonstram claramente que o Brasil caminha para sua morte certa?

Primeiro, temos de compreender o povo. O povo brasileiro sempre foi politicamente apático e passivo diante do poder. Eram poucos os reclames populistas que surgiam com força suficiente para levantar as massas (varguismo, brizolismo, lulismo). Nas eleições de 2018, no entanto, ficou claro que o lulopetismo e o anti-petismo são duas forças coesas o suficiente para dividir a população ideologicamente e levantar as massas.

Poderíamos falar o que levou o povo a cair nesta rede populista de direita e esquerda, o que nos demandaria um outro texto ainda mais longo. Em todo caso, há um fato aqui e ele não pode ser negado: o lulopetismo e o anti-petismo. Portanto, o povo até então sólido e unitário (divergente apenas em questões secundárias), agora possui uma fratura social extremamente considerável, tanto a nível de discursos quanto a nível de atitude. O anti-petismo foi completamente sequestrado pelo Bolsonarismo e o lulopetismo sequestrou a narrativa da Democracia.

Se o lulopetismo e anti-petismo eram dois discursos mais focados em pequenos grupos radicais até meados de 2017, depois das eleições de 2018 tornaram-se dois grandes grupos populacionais, que ou são anti-petistas radicais ou são anti-bolsonaristas radicais. Não há espaço, aqui, para o meio-termo. A questão é que se isso fosse um problema apenas de povo, ou seja, se fosse uma divisão política de momento, haveria chance de a cultura sanar as discórdias no longo prazo. Mas aqui entra outro elemento da questão: a guerra cultural.

A cultura brasileira sempre viveu sobre uma falsa paz e tolerância. No entanto, o fundamentalismo evangélico e o movimento neoconservador recente fizeram brotar entre a população uma radical divisão entre o Brasil nativo-africano e o Brasil eurocêntrico. Chamamos de Brasil nativo-africano o grupo social formado por influências africanas e indígenas. E o grupo Brasil eurocêntrico formado por influências judaico-cristãs (especialmente as neopentecostais que querem, a todo custo, refundar uma espécie de “neo-messianismo” religioso, como o fundamentalismo norte-americano).





Num país como o Brasil, isso traz a tona a questão do “Brasil verdadeiro”, de modo que ambos os lados reclamam para si a alcunha de ser o “verdadeiro” Brasil. Neste sentido, temos muito claramente um povo com duas visões de país, tanto a nível político, quanto a nível religioso e cultural. São dois Brasis que não se sustentam e não convivem pacificamente. O Brasil de cultura pagã ou nativo-africano, e o Brasil conservador e fundamentalista cristão. Se antes havia uma tolerância tácita entre ambos, hoje está sendo posto para fora todos os preconceitos enraizados no indivíduo. Preconceitos estes que, graças a guerra contra o politicamente correto, se tornou uma bandeira política e social.

E isso nos leva para a questão do território. Neste momento (Outubro 2018), ainda não há uma radical polarização territorial capaz de dividir geograficamente o Brasil. No entanto, o processo social-político e cultural já está acontecendo e não há qualquer horizonte (quer seja num Governo Bolsonaro ou num Governo Haddad) onde tal polarização diminua ou arrefeça. Pelo contrário, as questões económicas, sociais e geopolíticas parecem tender a um acirramento das tensões, de modo que a polarização será uma narrativa guarda-chuva para todo tipo de atrocidade e depredação do tecido social.

Não é de se ignorar a tendência do Nordeste (e partes do Norte) brasileiro favorecer o PT e as culturas nativo-africanas, ao passo que sul-sudeste favorecem o anti-petismo e a cultura judaico-cristã eurocêntrica. O centro-oeste tende a favorecer o sul-sudeste, embora com menos impacto e importância política. O grande Brasil acontece mesmo no eixo litorâneo que vai dos Pampas gaúchos até a Caatinga nordestina. E é este Brasil que está polarizado e em conflito constante.


Em vermelho, votos dados a Haddad no primeiro turno. Em verde, votos dados a Bolsonaro.

Até aqui falamos dos elementos formadores da “Nação”. Agora, iremos observar o conjunto Estado-Nação para compreender o argumento central do texto. Um Estado é um Governo que administra um território. Instituições de Estado são permanentes e instituições de Governo são transitórios. Está claro desde 2015-16, no impeachment ou golpe parlamentar de Dilma Rousseff que as instituições republicanas estão aparelhadas.

Não pelo petismo, como se havia cogitado, mas pela corrupção e pelos interesses de diversos grupos que coexistem no mesmo espaço. Isso significa que as instituições brasileiras não agem mais por respeito a lei ou ao devido processo legal, mas sim por ativismo jurídico e movidos por forças de interesse político-ideológico. Oras, se são as instituições de Estado que sustentam o próprio Estado, e se ela não tem conseguido se manter impassível diante do caos social, então notadamente elas também estão inseridas no contexto polarizador.

As Forças Armadas são um exemplo disso. Há setores legalistas (representado pelo Comandante do Exército, General Villas Boas) e há setores linha-dura (representado pelo General Mourão), que defendem com unhas e dentes a candidatura Jair Bolsonaro e uma “releitura” do regime militar. A Lei da Anistia, que havia anistiado todos os crimes daquele período (tanto os cometidos por militares quanto por guerrilheiros de esquerda), deixou na história brasileira uma ferida exposta que, agora, parece cobrar seu preço. O Supremo Tribunal Federal, maior instância jurídica do país, assim como o STJ, a OAB e demais instituições fundamentais da sociedade civil e do Estado de Direito estão aparelhados. Isso significa que é muito diminuta a possibilidade de, nos próximos anos, estas instituições serem reformadas para agir de modo imparcial e como lhe é devido.

O Governo Bolsonaro tenderá a criar crises institucionais diversas vezes, seja com o Congresso (que será composto por elementos da esquerda e do centro fisiológico), seja com tribunais que, por ventura e quando provocados pela sociedade civil, tomem atitudes contrárias aos interesses do Governo. Portanto, o cenário de ingovernabilidade e tendência ao autoritarismo está dado. Não é uma teoria da conspiração, não é uma possibilidade e nem mesmo uma hipótese, mas trata-se necessariamente de um dado factual da realidade presente. Já bem visível durante a própria campanha do segundo turno.

Ou seja, o Estado-Nação brasileiro não tem mais condições de continuar funcionando. Espera-se de qualquer país um mínimo de coesão a cerca de princípios e fatos compartilhados por todos, quer seja à direita quer seja à esquerda. Neste momento, temos um grande movimento revisionista histórico de ambos os lados, radicalização cultural, social e política e uma economia que demanda sacrifícios da parte de toda a população para voltar a funcionar a contento. Se a situação atual já é das piores possíveis, com a tendência da economia falir, o desemprego aumentar, a inflação aumentar e a moeda derreter, não há qualquer chance de uma recuperação da saúde do Brasil e seu povo.

E ainda que a economia consiga sobreviver por algum milagre, o estrago cultural e social já está feito. Trata-se de uma guerra por hegemonia no Brasil. Dois tipos de Brasis estão em conflito. E nenhum dos dois Brasis quer negociar ou compreender o outro lado. Quando não há mais diálogo, sobra a guerra. Ou seja, além do país estar a beira de uma guerra civil (como a espanhola), estamos nos encaminhando para o fim concreto do Brasil. Pois depois desta guerra, sobrará apenas ressentimento, culpa, tristeza, remorso, arrogância e ego. Todos os fatores mais humanos de brigas identitárias. O futuro do Brasil com S é a divisão territorial e a fundação de dois diferentes Brasis.

É por isso que, após o dia 28 de Outubro, findado as eleições, chamarei o que sobrou do meu país de “Brazil” com Z. Quando se traduz o Brasil para o inglês, usa-se o Z, de modo a facilitar a fonética para os estrangeiros. Pois bem, quando a desgraça estiver feita, apenas me dirigirei ao Brasil com o título de “Brazil” com Z. Pois o Brasil unificado, culturalmente diverso, tolerante, democrático e próspero terá morrido e não será ressuscitado. Não importa o que aconteça no futuro, seja com uma sociedade inteiramente neoconservadora, uma sociedade socialista, ou um território dividido, o fato é que o Brasil morreu e não tem chances de se recuperar nunca mais. Triste fim para um ex-Império que surgiu entre as nações prometendo ser o celeiro do mundo, a pátria do evangelho e o país do futuro.

Que D. Pedro I e II, que a Princesa Isabel, que Joaquim Nabuco, José Bonifácio, Ruy Barbosa, Machado de Assis e tantos outros pais da pátria, nos mais diferentes rincões do país e com os diferentes tipos de pensamento nos perdoem. A minha geração perdeu o Brasil para sempre. E agora restará ao futuro recolher os espólios e cada lado viver como lhes melhor aprouver. Não se trata de uma previsão apocalíptica, mas de uma simples constatação enfática de um presente caótico e um futuro dantesco. 

Em todo caso, aos guerreiros que sobram, aos poucos brasileiros que ainda restam e estão dispostos a lutar por este país, que se levantem! Pois ou é INDEPENDÊNCIA, OU É MORTE! Não tem como fugir. Nunca o título deste blogue foi tão importante e necessário.





Obrigado pela leitura,

Sasha Lamounier
Um Liberal Clássico e Patriota brasileiro

25 De Outubro de 2018
Porto, Portugal




24/03/2018

O BRASIL NÃO DEU CERTO



O BRASIL NÃO DEU CERTO




Já estamos cansados de tantos textos, vídeos e blogs falando mal do Brasil. Este texto, porém, não tem a intenção de ser mais um deles. Não irei falar mal do Brasil, mas sim direi porque o Brasil não deu certo. Direi de modo bem pragmático e direto. E o porque de não termos nenhum futuro. Às vezes quem mora fora do país consegue ter uma visão macro mais clara. Pessoalmente falando, sempre fui muito ligado a política e história, de modo que não sou nenhum leigo no assunto. Desde que me entendo por gente leio e estudo a formação dos países e das sociedades. Por interesse pessoal mesmo. Vivendo fora do Brasil a comparação é inevitável e a compreensão de onde estamos, fica muito óbvia para ser ignorada. O sentimento que muitos brasileiros tem de que o Brasil “acabou” é, na verdade, o sentimento de que o Brasil nunca deu certo.

Nós nascemos como uma grande utopia. Somos uma das raras nações com uma certidão de nascimento (a carta de Pero Vaz de Caminha). Certidão esta que anunciava ao mundo as riquezas naturais e as belezas que existem no Brasil. Alguns afirmam que, de conhecimento desta carta, o inglês Thomas More cunharia o termo “utopia”, que na etimologia significa o “não lugar”. Nascemos, portanto, como um sonho. Como um paraíso na Terra. A aura formada em torno do Brasil era como se nossa terra fosse o “paraíso celeste”. O problema é que toda utopia alguma hora se torna uma grande distopia. Esperar demais de alguma coisa faz com que o tombo seja igualmente imenso.

O Brasil nação surge em 1822. Há muitas formas de um país nascer. Seja através da guerra, seja através de monarcas, seja através de tratados e assim por diante. No caso do Brasil, nascemos através da figura de D. Pedro I. Ou seja, de um monarca. O primeiro e segundo império deram o tom e característica do Brasil nação que deveria ter acontecido. A forma como as nações nascem não é mero acaso. O Brasil surgiu no pós-Revolução Francesa, no cume do Iluminismo do século XIX. E nascemos como monarquia. Portanto, não se deve simplesmente ignorar este fato. Ele diz muito da nossa nacionalidade.




A monarquia no país não é mera consequência de um ato autocrático de Pedro I, mas sim, uma necessidade institucional brasileira. Ao contrário da América espanhola, o Brasil (ou América portuguesa), manteve-se unificado territorialmente sobre a égide do Império. Portanto, a nossa unidade precisou da figura do Imperador. Diferente dos EUA, por exemplo, onde a unidade aconteceu via negociação entre as Treze Colônias e a Declaração de Independência.

A questão é: que Brasil tornou-se independente em 1822? Éramos uma nação de oligarquias locais, escravocratas e elitistas. A Constituição outorgada em 1824 garantia, justamente, que estas oligarquias continuariam tendo poder local, sendo que o Imperador comporia a figura de MODERADOR. A sabedoria da Constituição de 1824 se mostra justamente no poder moderador. Sabendo que o Brasil não era uma nação unificada, Pedro I impôs às oligarquias um pacto de negociação perpétua. A coroa seria o elo entre os diferentes interesses sociais e nacionais e a figura que lideraria o clamor patriótico do recém-nascido país. Portando, embora o Brasil já tenha nascido oligárquico, era a monarquia que conseguia fazer a ponte entre os interesses nacionais e sociais, com as elites.


Constituição Imperial de 1824

Nenhum sistema é perfeito e um país recém-nascido não seria, obviamente, perfeito. Mas já no começo conseguimos grandes conquistas para um país recém-nascido. No Império, tínhamos a segunda maior marinha do mundo, perdendo apenas para o Reino Unido. Éramos considerados uma das maiores monarquias do mundo, com uma economia que, embora fosse agrária, tinha grandes industriais e inteligências que, dentro das possibilidades, pensavam num país industrializado. O maior dos exemplos foi Barão de Mauá.

A família imperial sempre foi abolicionista, jamais tendo a posse de escravos (todos os escravos da família imperial eram libertos, antes mesmo de qualquer lei passada no Parlamento). D. Pedro II, o barbudo, financiou o estudo de negros para que eles tivessem oportunidade na vida e fossem boas referências. Um destes exemplos é Machado de Assis, que foi o que foi graças a ajuda do Imperador. Pero II enfrentou durante décadas as oligarquias agrarias, fez concessões, negociou e por fim, em 1888, conseguiu finalmente abolir a escravidão.

Abolição essa que o Império pretendia solucionar com projetos arrojados. Havia no Parlamento imperial projetos de lei que fariam uma reforma agrária já naquela época, dando pedaço de terra para os ex-escravos, agora libertos. Este projeto, no entanto, jamais foi colocado em prática. Em 1889 a República nasceria através de um golpe de estado oligárquico.


Proclamação da República em 1889

E que República nasceu? Não é preciso ser nenhum gênio. Uma república oligárquica! A mesma oligarquia que vivia no império e que fez de tudo para empurrar com a barriga a abolição da escravatura, a mesma oligarquia que negociava interesses com a figura do Imperador, agora detinha o poder absoluto do país. A figura da moderação, da unidade patriótica e nacional do Imperador sai de cena. Surge a figura do Presidente da República, inspirado nos Estados Unidos da América.

A diferença, contudo, é clara. Se os EUA nasceu através da união entre treze estados e formaram, voluntariamente, um país unificado sobre uma Constituição, no Brasil o Presidente da República não representaria uma união, mas sim os interesses provincianos daqueles que o apoiam. A nossa República já nasceu antinacionalista.

Foi a partir daí que o Brasil começou a dar errado. Não porque eu não acredito na República (em países como EUA e Alemanha até que funciona bem). Mas sim porque o Brasil não nasceu para ser uma República. A nação brasileira não foi feita para ser uma República. O nosso estamento social não permite o surgimento de um sistema republicano. Com o fim da monarquia, perdemos a única referência nacionalista que realmente tínhamos: a família imperial. A referência que nos fazia ter algum tipo de identidade com a terra, com a pátria. Não digo que se o Brasil tivesse continuado monarquia, hoje seríamos uma Suécia. Longe disso. Mas certamente teríamos menos problemas do que temos hoje e seríamos muito mais patriotas. A sociedade não seria tão dividida e tão injusta. As instituições funcionariam melhor. A política seria mais moderada. Se o Brasil tivesse continuado com o sistema monárquico, haveria hoje ESPAÇO para diálogo e para soluções.

Com a República, a velha oligarquia dominou o cenário inteiro. O jogo ficou 100% do lado deles. A oligarquia começou, no entanto, a ter problemas na Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922. E depois com a ascensão de Getúlio Vargas, filho de um abolicionista gaúcho e ele próprio um estudante revolucionário e patriota. Foi nestes dois atos que a esquerda brasileira nasceu, tornando-se uma pedra no sapato da velha oligarquia. E foi também neste momento que a oligarquia patrimonialista brasileira se tornou truculenta.




De lá para cá, temos vivido constantes golpes de estado de ambos os lados. O projeto da chamada esquerda, ainda é nacionalista, pois tem um ranço getulista muito forte. E é reformadora, graças a Semana de Arte Moderna e as aspirações nela surgida. Já a direita não tem projeto. Porque a direita representa tão e unicamente os interesses das oligarquias que comandam o país. Se você chegar para alguém de esquerda, ele te descreverá todo um projeto histórico surgido ainda nos idos do getulismo (petróleo é nosso etc). Já quem é da direita vai te dizer, de maneira superficial e até bem estúpida: tem de privatizar tudo.

Chegamos a este nível, onde os interesses nacionais adentram um anacronismo absoluto. Não se debate mais as alternativas de país. E para ser bem honesto, este debate não acontece desde João Goulart e o golpe de 1964. Jango, como era conhecido, possuía uma agenda de nação bem progressista. Já a oligarquia política e membros da Escola Superior de Guerra (de onde surgiu os generais de 1964), não tinham nenhum projeto alternativo.

Ao invés de Jango ser vencido nas urnas, no debate público, foi vencido pela força das armas. A velha oligarquia truculenta, sem interesse algum em negociar com a esquerda, resolveu assumir o comando da forma que melhor lhe convinha. Se o Brasil imperial batia de frente com o Reino Unido muitas vezes, o Brasil oligárquico apenas visa seus interesses provincianos. Logo, se precisarem de apoio internacional para fecundar seus interesses locais, o farão. Em 1964, foi isso que aconteceu quando os EUA contribuiu no golpe militar.

Portanto, a elite paulista tem interesse em manter o seu poder em São Paulo. A elite carioca tem o interesse de manter o seu poder no Rio de Janeiro. A elite pernambucana tem o interesse de manter o seu poder em Pernambuco. E a federação se torna apenas um grande balcão de negócios entre “facções oligárquicas”, que farão de tudo para sustentar seus poderes. Perde-se completamente o senso de nação, de pátria, que outrora estávamos construindo no segundo reinado.

Hoje, Lula representa simbolicamente toda essa esquerda getulista e progressista. Ainda que a própria esquerda tenha severas críticas a ele, o fato da direita oligárquica perseguir Lula e tudo o que representa de modo tão voraz faz com que a esquerda seja obrigada a se unir em torno do Lula. O ponto de ebulição da crise brasileira tem chegado em seu ponto máximo: as eleições de 2018. Lula se coloca como candidato (portanto, como o representante dessa esquerda). Bolsonaro, por sua vez, representa o mesmo militarismo anti-João Goulart, a mesma direita anti-progressista que governou o país desde 1964. E por isso se tornou o “anti-Lula”. Michel Temer, Geraldo Alckmin e outros da mesma laia, representam as velhas oligarquias provincianas de sempre.

Neste jogo de três forças, temos a equação perfeita para a explosão do que resta de Brasil. O futuro do país está em suspenso. Para ser bem honesto, ele sequer existe. Porque seja quem sair ganhando, seja Lula, seja Bolsonaro ou a oligarquia, de qualquer forma o país perde. É um jogo perdido. Porque o Brasil já deu errado lá atrás, quando perdemos a figura do Imperador. Figura essa que Getúlio tentou encarnar e depois JK, Jango e, agora, Lula e Bolsonaro querem herdar.

O nosso sebastianismo, ou seja, a nossa busca por um salvador da pátria, advém do fato de sermos órfãos desde 1889. Desde quando Pedro II deixou o Brasil para sempre. A princesa Isabel nunca mais voltou. Seus filhos nunca mais voltaram para assumir o trono brasileiro. E desde então, buscamos incessantemente a grande referência nacional. A grande figura que nos unifique a todos (porque não somos e nunca fomos unificados). O problema é que não a temos. O Brasil de 2018 é um país dividido, polarizado, sem agenda, sem futuro e sem diálogo. O desespero toma conta da realidade nacional a cada dia que passa. E no meio deste pré-caos absoluto, as forças que dominaram o século XX inteiro se debatem para ver quem fica com os espólios.

Temo, porém, que não haverá espólios. Daqui para frente tudo o que veremos é a degradação constante do já rasgado tecido social brasileiro. Veremos mais divisão, mais desigualdade económica e assim por diante. O nosso futuro é a divisão territorial. É nos dividirmos em dois ou mais Brasis. Aquele Brasil unificado já não existe e nunca mais voltará a existir.

Por isso o Brasil não deu certo e nunca dará. Precisamos aceitar isso, para que a nossa vida seja mais sensata e para que nós, enquanto indivíduos, encontremos nosso caminho independente daquilo que chamamos de “Brasil”. Lutar por um moribundo não vale mais a pena. Se o povo conseguisse se unir para combater esta oligarquia, para combater tudo de ruim que nos ronda, haveria uma esperança. Mas esta união nunca vai acontecer. E por isso, é hora de desistirmos do Brasil.





Obrigado pela leitura,

Sasha Lamounier
Um Liberal Clássico