O FIM DAQUILO
QUE NÃO COMEÇOU
A morte prematura do Liberalismo
Clássico brasileiro e o sonho Don Quixotesco
Uma das minhas
maiores qualidades (ou defeitos, em alguns casos), é a teimosia. Eu teimo
naquilo que acredito a todo custo, não importa se terei de brigar com meio
mundo por isso. Desde 2013 eu tenho defendido as mesmas posições pela Internet,
tendo recebido apoio de uns e sendo atacado por outros tantos. Neste período eu
criei um grupo chamado Liberalismo Clássico, que chegou a contar no auge com 8
mil membros. Uma página, chamada Liberalismo Clássico Brasil, que chegou a ter
5.500 curtidas. E neste processo, passei por um pouco de tudo. Fui convidado a
integrar os quadros do MBL em 2015.
Me desliguei
depois de perceber do que se tratava o MBL. Fui publicamente contra o
impeachment de Dilma Rousseff, por considera-lo um golpe parlamentar. Fui
contra a afobação da Lava Jato e dos anti-petistas na condenação e prisão do
ex-presidente Lula. Defendi e defendo Ciro Gomes como uma alternativa mais progressista
para tirar o Brasil da polarização entre PT e anti-petismo. Defendo um
liberalismo clássico mais próximo das propostas utilitárias de John Stuart
Mill, conjuntamente com visões económicas mais condizentes com Alexander
Hamilton e a escola americana de economia (também fundamentalmente liberal).
No entanto, como
o Brasil está polarizado desde 2013 e parece que esta é a nova regra do jogo, qualquer
posição que você tenha que destoe um pouco de esquerda ou direita, será vista automaticamente
como algo “do outro time”. As posições acima descritas jamais foram debatidas
pelos libertários e neoconservadores de Internet, pois eles sempre se negaram a
debater comigo. Queriam viver em suas bolhas acusatórias e de convicção, pois
era mais fácil defender assim seus ideais frágeis. Ao invés de debater a escola
americana de Hamilton, ou de debater as propostas sociais de Mill, preferiram
me rotular como petista, esquerdista, comunista, cirista e assim por diante.
Mesmo eu já tendo postado textos e mais textos onde justifico cada uma das
posições.
Os minions e
incels que vivem enfurnados nas redes sociais não parecem ter a maturidade para
encontrar um meio-termo não-polarizado dos temas em debate. Pelo contrário,
para eles é bom, é necessário reforçar uma identidade de grupo, afinal é assim
que eles se sentem representados e motivados para debater “política e economia”.
A motivação nas redes sociais não é o conhecimento, mas “vencer o outro”. Mesmo
que você esteja errado. Humildade, reconhecimento, educação são qualidades
nulas ou muito raras. E infelizmente foram estes valores que acabaram criando
todo este tumulto político e social que o Brasil vive desde 2013, quando
comecei minhas atividades na Internet.
O que elegeu
Bolsonaro foi, em grande parte, esta mentalidade polarizadora e ignorante. O
culto a ignorância, aliás, é a maior marca do Brasil nos últimos tempos.
Ninguém tem vontade de debater a divergência visando um meio-termo bom para
todos. Não, o objetivo é a hegemonia daquele que for mais cansativo e teimoso.
E olha que eu sou teimoso. A questão é que já percebi há algum tempo que a
minha teimosia não dá conta do recado. Não é possível ser teimoso pelo
conhecimento diante daqueles que são teimosos pela ignorância. Os ignorantes
sempre serão a maioria. E se tem outra qualidade que possuo é o de reconhecer quando
sou minoria. De fato, diante dos minions e incels, sou minoria. Somos, caso o
leitor se identifique com minhas palavras.
Um dos
principais fundamentos do liberalismo clássico é o respeito as instituições e a
tolerância da divergência. Não tem como falar de liberdade se estes dois
pressupostos não existirem. Pois bem, a ânsia ignorante de um povo polarizado
leva as instituições ao erro, leva a credibilidade de toda uma nação cair por
terra diante das justiças injustas e dos poderes desequilibrados. Montesquieu,
se fosse vivo, temeria muito o que acontece no Brasil hoje. A passos largos
caminhamos para mais e mais autoritarismo. E não porque temos militares no
poder, mas sim porque temos uma política judicializada, onde juízes e
promotores podem fazer tudo o que querem a revelia da própria lei, pois lutam
por um “bem maior”. A tese messiânica e dos fins que justifiquem os meios são
típicas de autoritários e antiliberais.
Sem tolerância e
sem zelo as regras do jogo democrático, do jogo institucional onde se
respeita a lei, onde se respeita o in dúbio pro reo, não é possível o liberalismo. Nem o
clássico, nem o nacional, nem o social e nem nenhum outro tipo de liberalismo
verdadeiro. Aquilo que sobra neste cenário, os autoproclamados libertários e
neoconservadores, estão tão longe do liberalismo quanto comunistas e fascistas.
Utópicos, eles não querem preservar instituições e divergências, mas sim
homogeneizar o discurso. Ou se está com eles ou contra eles, pura e
simplesmente. Como podemos lutar contra isso, quando estamos sozinhos? Num lado
da esquerda temos autoritários que são alimentados pelos autoritários da
direita, e a direita alimenta os ranços autoritários da esquerda. Se torna um
círculo vicioso quase impossível de destravar.
Eu penso que o
liberalismo clássico teve uma grande oportunidade em 2013. Começou sendo
discutido e posto em pauta. As pessoas tinham interesse pelos temas e queriam
realmente entender o que era o liberalismo. Mas esta semente foi sendo envenenada
pela polarização, dia após dia, mês após mês, ano após ano. A eleição de Jair
Bolsonaro praticamente anulou o liberalismo nascente de 2013, pois em seu
governo, de discurso e tendência autoritária, as pautas liberais foram
assumidas como truísmos libertários inconsequentes. Paulo Guedes e seu afã privatista
e anti-estatal destruiu as bases de qualquer debate sincero e razoável sobre a
realidade da economia brasileira. Não se fala mais de abertura económica como
parte de um projeto maior da economia nacional, mas como uma “bandeira
ideológica”. Ou se defende a abertura ou você é um comunista.
Não há mais
nenhum espaço, ao menos nas redes sociais, onde se possa debater ideias
livremente. E isso significa que aquilo que estava nascendo já morreu e não tem
mais volta. As ideias liberais foram roubadas por grupos violentos e autoritários
libertários e neoconservadores e tudo o que diz respeito ao liberalismo já está
previamente pautado por eles. Não há debate. Há embate. Logo, não me resta
saída se não reconhecer e declarar que o liberalismo clássico está morto no
Brasil. Morto antes de nascer. E seus assassinos são a intolerância, a
ignorância e o autoritarismo.
Em 2018 eu
arquivei o grupo Liberalismo Clássico, com 8 mil membros. E o fiz para repensar
muita coisa sobre este assunto e impedir que a eleição do ano passado
polarizasse ainda mais os ânimos no grupo. Fiquei com a página. Mas a página
sofreu a polarização, assim como todos os outros grupos de tema liberalismo
pelas redes sociais. Até recentemente eu pensava em desarquivar o grupo, mas hoje vejo que não
tem como. Quer seja o grupo, a página ou eu mesmo, não há espaço para debate.
Não há enquadramento onde eu possa ser ouvido e onde eu possa ouvir. Não existe
espaço para um liberal clássico raiz no Brasil. Essa triste realidade esclarece que é
hora de eu abandonar o barco.
Teimei em não
dizer estas palavras, pois mesmo vivendo fora do Brasil, eu fiquei seis anos
tentando discutir os problemas do país com meus compatriotas. Tentei
genuinamente, as vezes com maior maleabilidade e outras de forma mais teimosa,
encontrar caminhos para o liberalismo na realidade brasileira. Quantas pessoas
não me conhecem por causa dos bons debates que já tivemos antes? Quantos amigos
e conhecidos não fiz neste período? Mas há momentos onde temos de reconhecer a
realidade e abandonar o sonho don quixotesco.
Estou em paz com
minha consciência, embora aflito com a situação do país e seu dantesco futuro.
Essa mensagem é um desabafo e um adeus das redes sociais e da militância política brasileira. Vou continuar discutindo e falando sobre o Brasil com quem merece. Nas redes, porém, não contem mais
comigo para nada, pois não posso vender aquilo que ninguém quer comprar. O Brasil segue o seu destino e eu sigo o meu.
"Deus, que me conceda esses últimos desejos — Paz e Prosperidade para o Brasil."
(D. Pedro II)
Sasha Lamounier
Porto, Portugal
09 de Julho de
2019