09/07/2019

O FIM DAQUILO QUE NÃO COMEÇOU



O FIM DAQUILO QUE NÃO COMEÇOU
A morte prematura do Liberalismo Clássico brasileiro e o sonho Don Quixotesco


Uma das minhas maiores qualidades (ou defeitos, em alguns casos), é a teimosia. Eu teimo naquilo que acredito a todo custo, não importa se terei de brigar com meio mundo por isso. Desde 2013 eu tenho defendido as mesmas posições pela Internet, tendo recebido apoio de uns e sendo atacado por outros tantos. Neste período eu criei um grupo chamado Liberalismo Clássico, que chegou a contar no auge com 8 mil membros. Uma página, chamada Liberalismo Clássico Brasil, que chegou a ter 5.500 curtidas. E neste processo, passei por um pouco de tudo. Fui convidado a integrar os quadros do MBL em 2015.

Me desliguei depois de perceber do que se tratava o MBL. Fui publicamente contra o impeachment de Dilma Rousseff, por considera-lo um golpe parlamentar. Fui contra a afobação da Lava Jato e dos anti-petistas na condenação e prisão do ex-presidente Lula. Defendi e defendo Ciro Gomes como uma alternativa mais progressista para tirar o Brasil da polarização entre PT e anti-petismo. Defendo um liberalismo clássico mais próximo das propostas utilitárias de John Stuart Mill, conjuntamente com visões económicas mais condizentes com Alexander Hamilton e a escola americana de economia (também fundamentalmente liberal).

No entanto, como o Brasil está polarizado desde 2013 e parece que esta é a nova regra do jogo, qualquer posição que você tenha que destoe um pouco de esquerda ou direita, será vista automaticamente como algo “do outro time”. As posições acima descritas jamais foram debatidas pelos libertários e neoconservadores de Internet, pois eles sempre se negaram a debater comigo. Queriam viver em suas bolhas acusatórias e de convicção, pois era mais fácil defender assim seus ideais frágeis. Ao invés de debater a escola americana de Hamilton, ou de debater as propostas sociais de Mill, preferiram me rotular como petista, esquerdista, comunista, cirista e assim por diante. Mesmo eu já tendo postado textos e mais textos onde justifico cada uma das posições.


Estes fatos me levam a refletir muito seriamente sobre o futuro das minhas bandeiras no cenário brasileiro. Como sempre disse, eu me declaro um liberal clássico de tendência nacional-liberal. Sim, se você nunca ouviu falar, o nacional-liberalismo é uma vertente do liberalismo clássico que defende as mesmas bandeiras dos clássicos, mas com um maior foco nos interesses nacionais. Do ponto de vista social, eu posso ser considerado um liberal social, tal como Stuart Mill o foi. Mas isso não significa de nenhum modo contradição ou antagonismo aos valores liberais clássicos, que são os fundamentos do liberalismo social. Eu sempre mantive a coerência principiológica, sempre mantive os mesmos valores. Mas o problema é que no Brasil, só há duas possibilidades nas discussões sociais e económicas: total estatismo ou total privatização. Total direita ou total esquerda. Ao menos é o que parece na Internet.

Os minions e incels que vivem enfurnados nas redes sociais não parecem ter a maturidade para encontrar um meio-termo não-polarizado dos temas em debate. Pelo contrário, para eles é bom, é necessário reforçar uma identidade de grupo, afinal é assim que eles se sentem representados e motivados para debater “política e economia”. A motivação nas redes sociais não é o conhecimento, mas “vencer o outro”. Mesmo que você esteja errado. Humildade, reconhecimento, educação são qualidades nulas ou muito raras. E infelizmente foram estes valores que acabaram criando todo este tumulto político e social que o Brasil vive desde 2013, quando comecei minhas atividades na Internet.

O que elegeu Bolsonaro foi, em grande parte, esta mentalidade polarizadora e ignorante. O culto a ignorância, aliás, é a maior marca do Brasil nos últimos tempos. Ninguém tem vontade de debater a divergência visando um meio-termo bom para todos. Não, o objetivo é a hegemonia daquele que for mais cansativo e teimoso. E olha que eu sou teimoso. A questão é que já percebi há algum tempo que a minha teimosia não dá conta do recado. Não é possível ser teimoso pelo conhecimento diante daqueles que são teimosos pela ignorância. Os ignorantes sempre serão a maioria. E se tem outra qualidade que possuo é o de reconhecer quando sou minoria. De fato, diante dos minions e incels, sou minoria. Somos, caso o leitor se identifique com minhas palavras.

Um dos principais fundamentos do liberalismo clássico é o respeito as instituições e a tolerância da divergência. Não tem como falar de liberdade se estes dois pressupostos não existirem. Pois bem, a ânsia ignorante de um povo polarizado leva as instituições ao erro, leva a credibilidade de toda uma nação cair por terra diante das justiças injustas e dos poderes desequilibrados. Montesquieu, se fosse vivo, temeria muito o que acontece no Brasil hoje. A passos largos caminhamos para mais e mais autoritarismo. E não porque temos militares no poder, mas sim porque temos uma política judicializada, onde juízes e promotores podem fazer tudo o que querem a revelia da própria lei, pois lutam por um “bem maior”. A tese messiânica e dos fins que justifiquem os meios são típicas de autoritários e antiliberais.

Sem tolerância e sem zelo as regras do jogo democrático, do jogo institucional onde se respeita a lei, onde se respeita o in dúbio pro reo, não é possível o liberalismo. Nem o clássico, nem o nacional, nem o social e nem nenhum outro tipo de liberalismo verdadeiro. Aquilo que sobra neste cenário, os autoproclamados libertários e neoconservadores, estão tão longe do liberalismo quanto comunistas e fascistas. Utópicos, eles não querem preservar instituições e divergências, mas sim homogeneizar o discurso. Ou se está com eles ou contra eles, pura e simplesmente. Como podemos lutar contra isso, quando estamos sozinhos? Num lado da esquerda temos autoritários que são alimentados pelos autoritários da direita, e a direita alimenta os ranços autoritários da esquerda. Se torna um círculo vicioso quase impossível de destravar.

Eu penso que o liberalismo clássico teve uma grande oportunidade em 2013. Começou sendo discutido e posto em pauta. As pessoas tinham interesse pelos temas e queriam realmente entender o que era o liberalismo. Mas esta semente foi sendo envenenada pela polarização, dia após dia, mês após mês, ano após ano. A eleição de Jair Bolsonaro praticamente anulou o liberalismo nascente de 2013, pois em seu governo, de discurso e tendência autoritária, as pautas liberais foram assumidas como truísmos libertários inconsequentes. Paulo Guedes e seu afã privatista e anti-estatal destruiu as bases de qualquer debate sincero e razoável sobre a realidade da economia brasileira. Não se fala mais de abertura económica como parte de um projeto maior da economia nacional, mas como uma “bandeira ideológica”. Ou se defende a abertura ou você é um comunista.  

Não há mais nenhum espaço, ao menos nas redes sociais, onde se possa debater ideias livremente. E isso significa que aquilo que estava nascendo já morreu e não tem mais volta. As ideias liberais foram roubadas por grupos violentos e autoritários libertários e neoconservadores e tudo o que diz respeito ao liberalismo já está previamente pautado por eles. Não há debate. Há embate. Logo, não me resta saída se não reconhecer e declarar que o liberalismo clássico está morto no Brasil. Morto antes de nascer. E seus assassinos são a intolerância, a ignorância e o autoritarismo.

Em 2018 eu arquivei o grupo Liberalismo Clássico, com 8 mil membros. E o fiz para repensar muita coisa sobre este assunto e impedir que a eleição do ano passado polarizasse ainda mais os ânimos no grupo. Fiquei com a página. Mas a página sofreu a polarização, assim como todos os outros grupos de tema liberalismo pelas redes sociais. Até recentemente eu pensava em desarquivar o grupo, mas hoje vejo que não tem como. Quer seja o grupo, a página ou eu mesmo, não há espaço para debate. Não há enquadramento onde eu possa ser ouvido e onde eu possa ouvir. Não existe espaço para um liberal clássico raiz no Brasil. Essa triste realidade esclarece que é hora de eu abandonar o barco.

Teimei em não dizer estas palavras, pois mesmo vivendo fora do Brasil, eu fiquei seis anos tentando discutir os problemas do país com meus compatriotas. Tentei genuinamente, as vezes com maior maleabilidade e outras de forma mais teimosa, encontrar caminhos para o liberalismo na realidade brasileira. Quantas pessoas não me conhecem por causa dos bons debates que já tivemos antes? Quantos amigos e conhecidos não fiz neste período? Mas há momentos onde temos de reconhecer a realidade e abandonar o sonho don quixotesco.

Estou em paz com minha consciência, embora aflito com a situação do país e seu dantesco futuro. Essa mensagem é um desabafo e um adeus das redes sociais e da militância política brasileira. Vou continuar discutindo e falando sobre o Brasil com quem merece. Nas redes, porém, não contem mais comigo para nada, pois não posso vender aquilo que ninguém quer comprar. O Brasil segue o seu destino e eu sigo o meu. 

"Deus, que me conceda esses últimos desejos — Paz e Prosperidade para o Brasil."
(D. Pedro II)




Sasha Lamounier
Porto, Portugal

09 de Julho de 2019