20/11/2016

A Era da Distopia


A Era da Distopia

Por

SASHA LAMOUNIER





A informação é Global, mas a resposta é local. Definitivamente estamos vivendo uma pressão informacional no planeta. Por um lado, o avanço tecnológico permite que o mundo fique menor e menor a cada dia. E também por isso os problemas de uma sociedade se tornam os problemas da localidade, ainda que na prática não tenha nenhum efeito ou impacto real.

Diz-se muito que a economia está globalizada. Mas isso é um engodo. A indústria nunca foi global e os inputs tecnológicos nunca foram globais. Um país emergente pode se desenvolver tecnologicamente, a exemplo de China e Índia, mas isso não significa que irá ter subsídios para manter este desenvolvimento no longo prazo. A economia se baseia numa construção de quatro modelos de industrialização: a de base, a de transformação, a de bens de consumo e finalmente, a de ponta. Mas todas elas estão intimamente ligadas e funcionam em harmonia na sociedade. Uma depende da outra. Portanto, se um país não tem apropriadamente desenvolvido as indústrias de base, de transformação e se não tem uma adequada indústria de bens e serviços (o que significa uma classe média deficitária), mesmo que tenha outputs da indústria de ponta, não conseguirá subsistir diante das nações que desenvolveram as demais indústrias (e que tem fortes classes médias).

O fim da Segunda Guerra criou uma condição na humanidade que deu origem a corrida tecnológica entre EUA e União Soviética. A Guerra Fria criou os anos 1960, 70 e 80. Foi o começo das distopias do começo do século XX na seara cultural e das revoluções sociais (era de Aquário etc). Surge um novo modelo de sociedade (em resposta ao pré-Segunda Guerra) advindo do receio de uma guerra nuclear. Uma nova utopia derivada dos velhos romances iluministas de um mundo igualitário e pacífico para todos. Junto disso, graças a tecnologia militar que pouco a pouco foi se tornando popular, o mundo começou a ficar menor. E os problemas locais se tornaram globais.

Com o fim da Guerra Fria, os EUA surge como a ponta-de-lança do novo contexto global. Internet, computadores pessoais e a indústria tecnológica se torna o carro-chefe dos anos 1990, 2000 e 2010. Em meio a esta dominância, surgem arranjos globais dispostos a promover uma política de bem-estar em sociedades de alto consumo, como a americana, europeia, latino-americana e asiática. Mas especialmente a Europeia e Americana. Este contexto cria a era liberal ou neokeynesiana, fortalecendo a União Europeia e o progressismo Democrata de Bill Clinton. O terrorismo e a guerra ao terror surge como um indício de ruptura deste sistema, mas sem de fato romper com nada. Bush mantêm a política de bem-estar até a crise de 2008. O terrorismo, que antes era um problema local do Oriente Médio e zonas de guerra, agora surge nas ruas e nas esquinas da sociedade de consumo. O medo tornou-se uma commoditie.

A crise dos subprimes e a quebra de importantes bancos leva Europa e EUA a rever o modelo de bem-estar social. Numa economia consumista, tendo a China como maior exportador de produtos da indústria de bens e serviços, a pressão por uma retomada das economias globais se torna uma questão de soberania política e influência de poder. O projeto europeu estremece e o progressismo americano é substituído pelo conservadorismo social daqueles que nunca estiveram de fato presentes na revolução burguesa dos grandes centros urbanos. Apesar disso, a crise de 2008 elege Barack Obama.

No contexto da crise da sociedade consumista, da crise do Estado do Bem-Estar, da informação global e da resposta local, o mundo tornou-se em um pequeno espaço de tempo um lugar caótico de se viver. O avanço tecnológico acontece mais rápido do que os problemas globais podem acompanhar. Isso cria distinções entre aqueles que estão inclusos no processo consumista e os que não estão inclusos. Naturalmente, isso dá margem para o surgimento de discursos populistas e isolacionistas. Se eu não posso desfrutar do consumo global, então a nação se torna mais importante do que um mercado que eu não desfruto – pensa o conservador moderno. Ainda que, em seu discurso, estejam indícios de uma influência informacional global que ele ignora.

O jovem nascido entre os anos 1990 e 2000 está descobrindo que ele não vive num filme de Hollywood. Mas ele descobre isso, com um agravante: ele quer fazer parte da história. Quer fazer parte da narrativa, tanto quanto ele faz parte das narrativas dos games, na qual ele é presença formadora e não apenas passiva do enredo. A sociedade moderna vive a quebra das utopias construídas nos anos 1960, 70 e 80 (a utopia do bem estar ou da Era de Aquário). A sociedade moderna descobre que o consumo não é global, apenas a informação. E a força, faz de tudo para se colocar presente neste processo de informação globalizada. A identidade local começa a ser realocada como uma questão central do futuro das sociedades. Ou se fortalece a cultura local, ou se perde ela para sempre. Esta é a dicotomia moderna. Este mesmo problema é percebido na Ásia, na Europa, na América do Norte e Latina e no próprio Oriente Médio. Mas especialmente nas Américas e Europa. Nos grandes centros consumistas, há uma crise de identidade. E quem a está sofrendo é a geração nascida no pós-Guerra Fria. Os “millennials” ou “geração Y”, como se denomina a geração nascida neste período nos EUA.

O terrorismo nunca foi uma real ameaça para as sociedades do consumo de modo geral. Depois do 11 de Setembro, se tornou um medo. Mas não necessariamente uma ameaça. Se os prédios não tivessem caído e se os aviões tivessem sido neutralizados a tempo, a sociedade do consumo não daria a mínima. A ameaça se dá no modo como o terrorismo tem agido hoje. A mesma Internet que dá voz ao consumismo global, deu voz ao Estado Islâmico, por exemplo. A mídia em sua plataforma expansiva de informação, deu voz aos vídeos de Osama Bin Laden. E hoje, a mesma Internet que deu espaço para a Deep Web, está dando espaço para o terrorismo. O medo se tornou uma commoditie. Uma ferramenta inicialmente militar, tornou-se promotora do consumo e agora surge como o grande cavalo de Tróia da modernidade.

Um problema que demandaria soluções simples tornou-se motivo para se falar da Terceira Guerra Mundial. Se estávamos perto de uma Terceira Guerra durante a Guerra Fria, e mesmo assim ela não aconteceu de fato, hoje ao falarmos de um conflito de proporções globais só podemos faze-lo porque nós sentimos o mundo menor do que antes. Este sentimento tem nome: World Wide Web, a teia mundial. O problema local é percebido como global. Ou seja, um problema no Oriente Médio se torna questão primária para um português ou brasileiro, mesmo que ele não tenha qualquer poder de influência nesta questão. Ele percebe como algo próximo, mesmo não o sendo. E diante de sua incapacidade de participar da narrativa, a utopia construída em finais do século XX se torna uma distopia.

O mundo não é pacífico. A democracia é uma farsa. O Estado é uma mentira. Os políticos não servem para nada. E ao mesmo tempo que utilizam este discurso anarquista, também defendem que se destrua o Estado Islâmico com mísseis. Fazem memes com Obama e Putin. Constroem narrativas da qual gostariam de fazer parte. O discurso nacionalista moderno e o discurso anarquista tem a mesma origem: o desconforto que a sociedade do consumo da virada do milênio sente ao não fazer parte do jogo, da narrativa global. Jovens acostumados a ter tudo o que querem, hoje se veem exigidos a não mais ter o que querem. Não se trata de um Game Over e um Reset. A agonia se baseia nisso. Logo, a sociedade do Bem-Estar é uma mentira. Logo, aqueles que me impedem de participar do jogo tem de ser destruídos. Essa mentalidade fez o Estado Islâmico recrutar soldados no Ocidente. Essa mentalidade fez Donald Trump ser eleito. Esta mentalidade tem feito o Estado liberal ser novamente ameaçado pelo populismo de direita e de esquerda, pela retórica do vencedor e do perdedor e pelo “nós” diante “deles”. A tese da sociedade global provou-se uma mentira, logo, é necessário regionalizar o planeta.

Não só a geração da virada do milênio se vê desiludida, como também a geração anterior, que construiu a utopia da Era de Aquário. Há uma clara distinção entre aqueles que fazem parte do processo de informação global e os que não fazem parte. Aqueles que são atendidos pelo padrão de consumo, ainda são progressistas e ainda acreditam no mundo. Mas aqueles que não são atendidos pelo padrão de consumo, “chutaram o pau da barraca”. E este grande grupo de indivíduos, que teve um choque em 2001, que perdeu esperanças em 2008 e que agora se vê em meio ao fim de sua utopia, brotam com o discurso fatalista. O problema é que este grupo de gente é muita gente.

O que virá depois? Que novo arranjo o mundo construirá diante desta distopia? Se a Era de Aquário era a utopia de um mundo igualitário, pacífico e unido, hoje vemos o total combate a esta utopia. O nascimento da distopia anti-aquariana pode, de fato, levar o planeta para o extremo oposto do que a utopia promovia. Ou seja, a tendência do planeta nesta primeira metade do século XXI é desigualdade, conflito armado e desunião de sociedades. Dos sete bilhões de seres humanos, apenas metade tem acesso a Internet. E mesmo assim, é a metade que influencia a outra metade. Se a distopia se torna uma realidade, então estamos diante do fim de um processo iluminista e o começo de uma outra época, que colocará progressistas e distópicos em conflito pela significação do futuro. O que será o mundo depois deste conflito, somente o tempo nos dirá. 





Obrigado pela leitura!

Boa Noite e Boa Sorte.

Sasha Lamounier

Porto - Portugal

20 de Novembro de 2016