09/09/2022

God save the King!


Por Sasha van Lammeren

Porto, Portugal - 09 de Setembro de 2021




Ao ter seu hino atualizado, os britânicos cantam, ainda atentos para não errar, o novo-velho canto que entoará a vida nacional pelas próximas décadas (muitas delas). Com a morte de Elizabeth II e a ascensão de Charles III, o mundo acompanha a sucessão de um dos tronos mais antigos e dos mais importantes de toda a história da Europa.


O que, no entanto, muitos querem transformar num ‘debate’ sobre o futuro do Reino Unido e da própria monarquia, na verdade tem servido para confirmar aquilo que eu já sabia: o seguro rumo que este país de história inigualável irá viver a partir de agora.


Os britânicos sabem o que significa uma monarquia. Mas sabem de verdade, não aquilo que a propaganda republicana ou revolucionária vende por ai. A coroa, o trono, o cetro, são símbolos histórico-culturais que ligam as gerações do passado com as gerações do presente e, ainda mais, com as do futuro. Essa continuidade é o que caracteriza as grandes nações. Povos que não sabem de onde vieram, não tem como saber para onde vão. E o Reino Unido sabe, muito bem, de onde veio. Sabe das lutas que deram ao mundo uma das maiores democracias liberais que se têm notícia. Da história que nos logrou valores como limitação do Estado, liberdade individual, progresso científico e assim por diante.

 

A história do Reino Unido e de sua Coroa estão interligados. Como também a história de todos os povos. O hino ‘God save the Queen’ ou ‘the King’ não é uma ode a pessoa do monarca, mas ao cargo e o símbolo. O ser humano que ocupa o cargo tem como fardo a obrigação de cumprir o dever histórico de representar este símbolo. Ao tornar-se Rei, Charles sabe desta diferenciação. Ele sabe que, como Rei, não está mais isento da responsabilidade de representar esta instituição que, agora, está umbilicalmente ligada a seu próprio corpo. Como pode um homem cometer erros ou atentar contra a democracia, quando a legitimidade de seu cargo depende, necessariamente, da sua capacidade de servir ao país da forma como se espera que ele sirva?


A única pergunta na mente de Charles daqui para frente, será esta: eu estou servindo bem o meu país? O que eu faço, tem feito bem ou mal ao Reino Unido? Eu sou fator de estabilidade ou de instabilidade?

 

Essa é a vida dele até morrer. E será de William um dia. Como também do pequeno George.

 

A característica da maior parte das pessoas que criticam a monarquia e vivem numa República, é que elas não sabem o que significa a Coroa. Pois mal sabem o que está escrito nas suas constituições! Provavelmente, são pessoas que não conhecem os nomes dos ex-presidentes da República, não sabem da história da sua bandeira nacional e nem entendem porque chamamos uns de Vossa Excelência e outros de Vossa Senhoria. Essas pessoas, que condenam a monarquia e tentam acoplar na coroa britânica eventuais erros do passado britânico, não respeitam nenhum símbolo histórico-cultural dos povos (nem do seu próprio!). Pois na verdade não lhes interessa o passado, mas apenas a sua própria narrativa.

 

Aqueles que criticam a propriedade privada, não querem se desfazer de suas propriedades privadas. Aqueles que criticam Charles por herdar a coroa, entram na justiça quando um parente morre para ter direito a herança. Aqueles que querem o fim da monarquia, não sabem sequer o que é uma República. E nisso, o ‘debate’ parece estar estabelecido. Será que a monarquia vai acabar agora que a Rainha morreu? Não! Porque deveria? A monarquia é uma instituição viva, adaptável e capaz de se reinventar. Charles é ambientalista, defensor de todas as fés, tem um histórico de lutas progressistas. Ele é exatamente o Rei que a esquerda adoraria que existisse. Se o problema é 'ser conservador', então Charles é o oposto de muitos conservadores por ai. Assim como William.


Mas a monarquia é velha”, diriam uns. Como também são velhos as instituições do seu país, como também são as Igrejas, como também é a língua, como também é aquele seu clube de futebol que existe a mais de 100 anos, como é tudo aquilo que tem história. Mas porque devemos apagar a história? Que senso de democracia é essa onde é preciso derrubar regimes ‘não eletivos’? Desde quando eleger alguém significa democracia? Desde quando eleição, sozinha, significa liberdade? De onde vem tais ideias? A própria separação dos poderes (executivo, legislativo e judiciário) foi pensado por Montesquieu para controlar o poder do Rei, não para se criar um poder republicano. Na história, a República é o erro, não a Monarquia.


Mesmo assim, monarquistas não estão por ai defendendo o fim de todas as Repúblicas. Monarquistas defendem que os povos que melhor se adaptam a República, que se mantenham assim. Do mesmo modo, os povos que melhor se identificam e se adaptam a monarquia, que tenham o direito de sê-lo. Não é, afinal, prerrogativa da democracia que os povos escolham os seus destinos? Pois então, que o debate sobre o futuro da monarquia britânica se dê dentro das necessidades do povo britânico. Não de uma ideologia antimonarquista sem qualquer fundamentação.


Não, as monarquias não precisam ser derrubadas e nenhum Rei precisa ser guilhotinado. Quem pensa assim é autoritário e ignorante, pois desconhece a história, desconhece o funcionamento dos Estados e desconhece, decerto, a si mesmo. A passagem do trono de Elizabeth para Charles simboliza, apenas, o momento histórico na qual um povo renova os votos de dever e serviço uns com os outros. Pois são nestes votos de dever e serviço que se fazem as grandes nações. É ai que se fundamenta o sentido de comunidade. DE POVO. O Reino Unido continuará a ser relevante enquanto tiver a sua monarquia. Pois no dia em que, por qualquer motivo que seja, a monarquia britânica acabar, então o próprio Reino Unido deixará de existir no teatro das nações. Não haverá mais identidade, não haverá mais reconhecimento e não haverá mais futuro.


A morte eventual da monarquia britânica seria equivalente a morte da nacionalidade britânica (nisto incluso, especialmente, da inglesa). Enquanto houver um britânico neste mundo que tenha orgulho de onde nasceu, ele será direta ou indiretamente monarquista. Pois mesmo aquele britânico republicano cujo divertimento é falar mal do seu Rei ou Rainha, sem ambos, ele não teria mais o que fazer da vida. Perderia a sua própria função no relógio social. Para o detrator existir, é preciso que exista o alvo do detrator. Do mesmo modo que para a admiração existir, é preciso que exista o objeto a ser admirado. A coroa, a monarquia britânica, é o que é. Uma instituição que não foge dos olhos públicos e, por isso, pode e deve ser criticada.


E por isso também, a monarquia britânica é o maior exemplo de democracia do planeta. Pois ao ser viva, ao estar disposta a ir ao debate, a falar sobre o futuro de igual para igual com todo mundo, ela se atualiza, se renova e permanece. Como todas as boas instituições deste mundo. A coroa britânica o faz pois foi ela que nos deu a tradição liberal que rege a maior parte dos povos ocidentais. É ela, sem dúvida, que irá nos ajudar a superar os autoritarismos do mundo dividido entre Ocidente e Oriente, entre democracias e autocracias, entre liberdade e ditadura.

 

Respeitar a monarquia britânica e o seu simbolismo é, para todos os efeitos, defender os valores liberais do mundo Ocidental.


Portanto,

 

Vida longa ao Rei!

God save the King, Charles III!


24/07/2022

MORRE AOS 200 ANOS O BRAZIL (?)




Em 2022, o Brasil comemora os seus 200 anos de independência. Em dois séculos como nação soberana, saímos de um Império constitucional para uma República errática e golpeada ao longo de seu pouco mais de 130 anos de existência. Nascida, ela própria, de um golpe de Estado em 1889, quando uma quartelada derrubou o governo de D. Pedro II, a República hoje inaugura uma nova versão de si mesma. Num país que, ao longo do século XX, se vendeu para o mundo como um lugar alegre, progressista e otimista, inauguramos hoje a sua versão definitiva: o novo ‘velho’.

 

O ocaso da sociedade brasileira neste 2022 se encontra na clivagem entre dois Brasis diferentes. Um, representado pelo candidato da centro-esquerda Lula da Silva, e o outro representado pelo atual militarista presidente da República, Jair Bolsonaro. Duas candidaturas que, para além dos temas em destaque no processo eleitoral deste ano, acabam por encarnar em si mesmos duas visões de sociedade e de mundo bastante distintas. Do lado progressista, temos a ideia de um Brasil otimista, livre e aberto para as diferenças culturais e sociais. Um país incluído no circuito das democracias ocidentais sem medo de ter, no entanto, a sua própria voz.

 

Do lado militarista, temos um Brasil fundamentalista, hipócrita, violento e bastante conspiracionista. A ideia de sociedade aberta não é, aqui, bem-vinda. Trata-se de um Brasil fechado na sua própria bolha pueril, até mesmo provinciana, dominada pelo agronegócio e pelo sistema financeiro. Uma sociedade que em muito se assemelha a mesma sociedade escravocrata e elitista de finais do século XIX. Portanto, diria eu com certo enfadonho: estamos mesmo diante de algo novo?

 

O Brasil que morreu em 2022 não é o mesmo Brasil que sempre existiu, mas a ideia de que criaram 100 anos atrás na Semana de Arte Moderna de 1922. A (possível) reeleição de Jair Bolsonaro (ou o seu golpe) vem para representar o fim desta visão de país progressista tornada popular pelos quadros de Tarsília do Amaral, pelos escritos de Oswald de Andrade, pela música de Heitor Villa-Lobos e também pela inquietante mente de Rui Barbosa. Este Brasil, profundamente democrático e inclusivo, onde o povo era incluído como parte do processo político e não mais como observador passivo, este mito brasileiro de ‘país do futuro’, onde tudo seria possível nos trópicos, agoniza.

 

O que fica em seu lugar é a visão anterior a Semana de 1922. É a ideia de um Brasil exclusivo, onde a Casa Grande e a Senzala se distanciam cada vez mais, tornando o ambiente violento numa afronta ao próprio progresso humano. Um país que se tornou um moedor de gente, onde talentos são ceifados, onde as luzes do conhecimento são podados pelo obscurantismo da ignorância. A religião, outrora parte de uma espiritualidade espontânea, agora volta a ser instrumento meramente político. É parte integral, não apenas vacilante, da engrenagem deste novo Brasil moribundo. E diante deste quadro dantesco para qualquer democrata e progressista que se preze, nos perguntamos: o que será do Brasil daqui para frente? O que o povo pode fazer diante deste cenário? Quem somos nós, enquanto nação?

 

Comecemos pelo fim

 

Já discuti em outros escritos que nenhuma nação é apenas uma coisa só. Um Estado-Nação é um conjunto de intersecções sociais e culturais que se organizam debaixo de uma estrutura burocrática, a qual denominamos de Estado. Este Estado, estruturado em poderes (executivo, legislativo e judiciário), organiza a vida prática da sociedade e a impulsiona para o mundo, na sua relação consular diante dos demais povos. Neste sentido, temos de compreender que o Brasil não é apenas o Brasil de Bolsonaro, como também não é apenas o Brasil de Lula (embora ambos representem 80% da população brasileira em conflito, não apenas dois candidatos ou partidos em conflito).

 

O Brasil é toda a sua gente que participa e não participa do processo eleitoral. O povo brasileiro são os votos bolsonaristas, os votos lulistas, os votos brancos ou nulos, são também as abstenções e são também os votos nos demais candidatos. Todos são Brasil. Portanto, é uma tarefa um pouco mais complexa compreender como este tecido social está estruturado e como ele pode, ou não, arrebentar.

 

Um Estado para existir precisa de pelo menos duas coisas: compromisso social com a sua manutenção e um acordo para que as diferenças sejam organizadas dentro das regras do jogo deste Estado. Hoje, o Estado brasileiro é instituído como um ‘Estado Democrático e de Direito’, o que significa que trata-se e um Estado baseado numa carta de compromissos (a constituição da República) e num acordo entre divergentes que aceitam as regras deste compromisso para negociar as suas diferenças. A democracia é, em essência, não o ambiente onde as maiorias governam e as minorias fazem oposição. A democracia é o espaço aonde as contradições sociais encontram elementos de mediação constante. Também por isso as maiorias e minorias mudam de eleição em eleição. Se a democracia fosse o ‘império da maioria’, não haveria compromisso algum.

 

Desta feita, urge compreender que o Brasil de Bolsonaro e o de Lula são antagónicos em essência. E embora um possa ser numericamente maior do que o outro, ambos precisam encontrar elementos no Estado Democrático de Direito para conviver, não importando quem quer que seja eleito. Se a nação está rachada ideologicamente, e se o Estado não é capaz de sustentar o ambiente na qual tais contradições são negociadas, então o único caminho que sobra é a da distensão social e a disrupção de um inevitável conflito. Neste fatídico resultado, o que devemos nos perguntar é: quais forças teriam interesse em pacificar este conflito? De que maneira o Estado poderá sobreviver a este conflito?

 

Começando do fim, a resposta a esta pergunta é muito simples. O Brasil não possui mais compromisso social, de modo que a ideia uníssona de nacionalidade, de um pacto social independente de ideologias, não faz parte da agenda política, ou económica e sequer cultural do país. Se não temos mais compromisso, também não temos mais acordo. E neste sentido, o Estado Democrático já é um efémero fantasma de si mesmo, desprovido de sustentação e de força para a manutenção da paz social e do progresso do devir natural que acomete os povos em processo de progresso constante.

 

Quando me refiro a conflito, é o conflito de gentes, a guerra mesma, na sua essência. Ao antagonizar constantemente os adversários, tanto Bolsonaro quanto Lula acabam sendo os interlocutores que elevam a pressão social ao nível da ruptura. É muito claro que, diante deste cenário, e não havendo união por parte das elites económicas, intelectuais e culturais do país pela Democracia, ta conflito levará a uma decisão absoluta. Tal decisão, que acabará no colo dos militares e das PMs dos estados, definirá de que lado o pêndulo do destino brasileiro rumará.

 

As Forças Armadas não darão, em 2022, um golpe ‘clássico’. Elas não precisam, ainda mais com os privilégios que já tem, dar-se ao trabalho de romper o sistema de forma violenta. A violência política já está instalada e o comando militar já está no governo. Tudo o que eles precisam, agora, é de um evento-chave na qual a estrutura mesma do processo democrático seja abalado de tal forma que a tutela das Forças se torne inevitável. Nenhum regime militar se sustenta se os ditadores forem vistos como ditadores. Daí que o ‘ar’ de legalidade é importante, até mesmo para atrasar a resposta internacional a ruptura democrática.



 

O que estamos assistindo em 2022 é um processo lento e gradual de deslegitimação do Estado Democrático para fornecer subsídios visando a implementação de um Estado Militar. Estado este sustentado não por Bolsonaro, mas pelas forças populares que votam em Bolsonaro e que se posicionam em contrário a visão de Brasil progressista e democrática. O Brasil conservador, fundamentalista, exclusivista, patrimonialista e paternalista. O Brasil hipócrita, falso patriota e não muito diferente do que era na República Velha. Não será um regime que irá acabar com as eleições, mas sim um regime que irá controlar as eleições de tal modo que será muito difícil um resultado diferente ao desejado pelo Alto Comando encontre qualquer tipo de sucesso.

 

O ‘fim’ do Brasil progressista representa o fim do Brasil livre. Pois o livre pensamento, a livre manifestação de ideias, a própria arte e a criatividade económica ficam podadas diante de uma estrutura fechada, elitista, arcaica e antagónica a divergência. Muitos pensam que uma ditadura precisa de ter um ditador invocando atos institucionais. Decerto, essa foi a experiência brasileira dos anos 1970-80. Mas em 2022, tais ‘atos institucionais’ serão votados no Congresso comprado e fisiológico, dando assim um senso de ‘normalidade democrática’ para os atos fora das quatro linhas constitucionais. O povo, empobrecido, mas controlado pelas hordas fundamentalistas e pelo desporto, não conseguirão compreender que o regime está instalado e que a liberdade não existe. E é esta ignorância que, infelizmente, tornará praticamente irreversível a situação.

 

A pior ditadura não é aquela onde o abuso é evidente e claro. A pior ditadura é aquela que possui aparência de democracia. Temo que o Brasil caminhe para este trágico fim. E digo ‘fim’, pois não teremos capacidade social ou cultural de reinventar um novo Brasil depois disso. Não temos mais os mecanismos de livre debate, ou de educação popular, capazes de reverter o processo de destruição da nacionalidade brasileira. A ‘nova’ nacionalidade, é bastante velha. É a nacionalidade das elites podres que preferem controlar um país pobre do que prosperar num país rico para todos. Precisaríamos de uma revolução popular para reverter este quadro. E, infelizmente, temo que o povo brasileiro seja passivo demais para enveredar pelo caminho revolucionário.


O que nos resta

 

O leitor(a) poderia então me perguntar: o que fazer diante deste cenário? Parece que se ficar o bicho come e se correr o bicho pega! Pois eu diria, caro leitor(a), que a oportunidade para agir pacificamente já passou. Ou vamos para o conflito em defesa das teses democráticas da Semana de Arte Moderna de 1922, em defesa da Constituição de 1989, em defesa do Brasil do futuro que tanto vislumbramos em nossos corações, ou de fato iremos perde-la para sempre. O chamado para a luta é agora e não temos volta a dar. Se a sua escolha for não lutar por estes ideais, então estarás aderindo ao Brasil obscuro e arcaico que sempre existiu e que fingíamos que era passado.

 

Tal decisão não se resume a esta eleição. É uma luta constante, que inclui o pleito de 2022 e vai além dele. Se o Lula ganhar, teremos de garantir uma transição de poder. Se ele tomar posse, teremos de garantir que ele governe. E se ele governar, temos de garantir que ele não seja morto. O mesmo seria verdade se o Ciro fosse o vitorioso, se a Tebet fosse a vitoriosa, ou quem quer que seja que não fosse Jair Bolsonaro. Um país é um constante fazer, um constante processo. Aqueles que estejam dispostos a lutar por uma visão diferente de sociedade precisam, mais do que nunca, de se unir. Pois será a união desta visão diferente de Brasil que poderá fazer emergir uma esperança.

 

Se não houver esta união por um projeto diferente de Brasil, se não houver a adesão dos setores da elite económica, cultural, intelectual e mesmo militar pelo Brasil Democrático, de nada adiantará gastar nosso latim numa causa perdida. Não gosto de falar em termos absolutos, até porque a vida não é nada absoluta, mas bastante dinâmica. No entanto, o dinamismo da sociedade brasileira encontra neste 2022 o seu momento crítico. O não-agir significará a morte. O Brasil agoniza. Neste agonizar, não temos outra saída se não a permanente luta. Uma luta que se baseia em ideais, valores e princípios muito maiores do que a transitória eleição baseada nos interesses comuns e mundanos.

 

Durante a Guerra do Paraguai, em 1868, teria dito Duque de Caxias (o patrono do Exército brasileiro): “Sigam-me os que forem brasileiros!”. Pois este chamado ressoa novamente agora. Lutem pela democracia os que forem brasileiros! Pois se não lutarem, terão desistindo não apenas da democracia, mas também do próprio Brasil.



 

Obrigado pela leitura,

 

Porto, Portugal

24 de Julho de 2022

 

Sasha R. L. van Lammeren

 

 

13/07/2022

MANIFESTO PELA DEMOCRACIA

 


MANIFESTO EM DEFESA DA DEMOCRACIA E CONTRA O GOLPE DE ESTADO EM CURSO NO BRASIL


Diz a Constituição da República, no seu Artigo 142:


As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.


São os poderes constitucionais:


Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.


Isso significa que as Forças Armadas SERVEM ao poder executivo, ao legislativo e ao judiciário, de modo que todos os ministros do STF são comandantes das Forças Armadas de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil. O Presidente da República, na sua atribuição de chefe do executivo, é o comandante supremo apenas no sentido de representar a chefia civil das forças, chefia esta compartilhada com os presidentes dos demais poderes (visto que nenhum poder é soberano ao outro, mas independentes e harmónicos entre si).


Isto posto, as Forças Armadas já estão imputando um Golpe de Estado, uma ruptura institucional, ao ameaçar as eleições e a supremacia do Tribunal Superior Eleitoral diante do pleito de 2022. O povo brasileiro, independente de partidarismo, precisa se levantar em uníssono para conter a escalada golpista outorgada pelo alto comando das Forças Armadas e pelo atual mandatário da cadeira do executivo. Se este levante pela democracia, pela República e pela constituição não ocorrer, estaremos entregando aos golpistas a oportunidade de romperem o mais longo período democrático da República.


A responsabilidade é de CADA um dos brasileiros que tem ciência do que está acontecendo e da sua devida gravidade.

 


13 de Julho de 2022

 Sasha Rupar Lamounier van Lammeren



12/03/2022

O FUTURO DA ECONOMIA RUSSA E DO BLOCO RUSSO-CHINÊS

 

O FUTURO DA ECONOMIA RUSSA E DO BLOCO RUSSO-CHINÊS

 

Desde a invasão da Ucrânia na madrugada de 24 de Fevereiro e a imposição por parte do Ocidente de pesadas sanções, fala-se muito de uma completa destruição da economia russa e sua natural falência. O que iremos ver neste artigo são duas coisas: primeiro, a real situação da economia russa diante do mundo. E, segundo, os reais efeitos das sanções e as soluções que o governo de Vladimir Putin já está aplicando. No final, o leitor poderá compreender em que estado estão as coisas e até onde chegará.


Ø  A economia russa;


A Rússia é uma economia fundamentalmente baseada em commodities. No entanto, ela também tem grandes riquezas do ponto de vista dos recursos humanos. Estima-se segundo relatórios da OMC que a Rússia detém 30% de todos os recursos naturais da Terra, sendo os três principais o petróleo, o gás natural e metais preciosos. Segundo o Banco Mundial, o valor estimado dos recursos naturais russos é de 75 trilhões de dólares. Ou, em outras palavras, cerca de 3 vezes mais do que o PIB norte-americano. Em 2019 a exportação de recursos naturais representou 60% do PIB do país.


A maior parte destas exportações se concentram entre Europa e Ásia. Os europeus representam 43% das exportações e a Ásia representa 36%, sendo Américas, África e outros parceiros representados pelo restante. Logo, verifica-se que tanto os europeus quanto os russos possuem uma parceria muito profícua, a ponto de ser até mesmo estrutural para ambos os lados do ponto de vista económico.


Além da exportação de commodities, a Rússia tem também uma das mais competentes e desenvolvidas indústrias bélicas do planeta. Investindo certa de 4% do seu PIB, uma das maiores taxas de investimento, em Defesa, a Rússia é estratégica parceira de países como China, Índia, Irã e outros países que importam armas dos russos.


[1]


Segundo a Organização para Alimentos e Agricultura da ONU, as exportações russas em agricultura estão distribuídas da seguinte forma – dados de 2018:

 

·         Foi o 3º maior produtor mundial de trigo (72,1 milhões de toneladas), perdendo somente para a China e Índia;

·         Foi o maior produtor mundial de beterraba (42 milhões de toneladas), que serve para produzir açúcar e etanol;

·         Foi o 4º maior produtor mundial de batata (22,3 milhões de toneladas), perdendo somente para a China, Índia e Ucrânia;

·         Foi o maior produtor mundial de cevada (17 milhões de toneladas);

·         Foi o 2º maior produtor mundial de girassol (12,7 milhões de toneladas), perdendo somente para a Ucrânia;

·         Foi o 13º maior produtor mundial de milho (11,4 milhões de toneladas);

·         Foi o maior produtor mundial de aveia (4,7 milhões de toneladas);

·         Foi o 12º maior produtor mundial de tomate (2,9 milhões de toneladas);

·         Foi o 4º maior produtor mundial de repolho (2,5 milhões de toneladas), perdendo somente para a China, Índia e Coréia do Sul;

·         Foi o 2º maior produtor mundial de ervilha seca (2,3 milhões de toneladas), perdendo somente para o Canadá;

·         Foi o 3º maior produtor mundial de centeio (1,9 milhões de toneladas), perdendo somente para Alemanha e Polônia;

·         Foi o 10º maior produtor mundial de colza (1,9 milhões de toneladas);

·         Foi o 8º maior produtor mundial de maçã (1,8 milhões de toneladas);

·         Foi o 4º maior produtor mundial de pepino (1,6 milhões de toneladas), perdendo somente para a China, Irã e Turquia;

·         Foi o 9º maior produtor mundial de cebola (1,6 milhões de toneladas);

·         Foi o 4º maior produtor mundial de cenoura (1,4 milhões de toneladas), perdendo somente para a China, Uzbequistão e EUA;

·         Foi o 3º maior produtor mundial de abóbora (1,1 milhões de toneladas), perdendo somente para a China e Índia;

·         Foi o 2º maior produtor mundial de trigo-sarraceno (931 mil toneladas), perdendo somente para a China;

·         Foi o 3º maior produtor mundial de linho (557 mil toneladas), perdendo somente para Cazaquistão e Canadá;

·         Foi o 4º maior produtor mundial de grão de bico (620 mil toneladas), perdendo somente para Índia, Austrália e Turquia;

·         Foi o maior produtor mundial de groselha (398 mil toneladas);

·         Foi o 4º maior produtor mundial de cereja (268 mil toneladas);

·         Foi o 8º maior produtor mundial de lentilha (194 mil toneladas);

·         Produziu 4 milhões de toneladas de soja;

·         Produziu 1,9 milhão de toneladas de melancia;

·         Produziu 1 milhão de toneladas de arroz;

·         Produziu 627 mil toneladas de uva;

 

Tais dados sugerem que, além da Rússia ser um dos maiores produtores de alimento do mundo, ela tem condições de alcançar autossustentabilidade alimentícia também.

Além disso, é o país com mais graduados académicos de toda a Europa, possuindo especialistas em fundamentalmente todas as áreas do conhecimento.

 



Outras áreas fundamentais são pecuária, sendo um dos maiores produtores de carne de frango, bovina e suína, um dos maiores produtores de leite e também de lã. Os russos também são grandes produtores de silvicultura, sendo o maior país florestal do mundo, sendo porém sua produção subutilizada pelo governo russo. O setor de defesa representa 20% dos empregos industriais, com mais de 3 milhões de pessoas empregadas. É o segundo maior fabricante de armas, atrás apenas dos EUA.


A Rússia possui também uma forte indústria aeroespacial, automotiva e de tecnologias da informação. O país é o terceiro, depois de China e Índia, entre exportadores de software.


Já o Rublo, moeda russa, está lastreada em três tipos de reservas internacionais. Pelo menos 30% em dólar norte-americano, outros 30% em euro, 30% em yuan chinês e outros 10% em ouro.


É importante salientar que, sendo a Rússia uma economia muito voltada para exportação e tendo uma população de renda média-alta, não se trata mais de um país ‘pobre’ no conceito mesmo do termo. Com um PIB per-capita similar ao do Brasil, os russos não são uma nação rica, se comparado com Europa e América do Norte, mas o nível de pobreza tem caído sistematicamente desde os anos 1990 e em especial durante os governos Putin[2]. Trata-se, portanto, de uma potência militar e de commodities com uma classe média que estava, até então, em ascensão e com uma economia robusta, que mantinha-se em projeção de crescimento.


Ø  O efeito das sanções na Rússia;


Desde 2014 e a anexação da Crimeia, o país vem sofrendo com sanções impostas pelo Ocidente, quer seja dos parceiros europeus ou dos norte-americanos. Isso fez com que desde então o governo russo iniciasse uma série de atividades no intuito de arrefecer o impacto das sanções ocidentais.


As reservas cambiais russas cresceram 40%, em dólares nomeadamente, nos últimos anos. E embora a dívida pública russa tenha aumentado, ela anda na casa dos 20% do PIB. Além disso, a economia russa apresenta constantemente um excedente externo de 4 e 6% do PIB, de modo que a economia russa não é tão dependente do capital estrangeiro. É verdade que ela não tem capacidade interna de investimento por si só, mas nos últimos anos os russos tem diversificado suas parcerias, de modo que num cenário de total bloqueio de investimentos ocidentais, bastará apostar na parceria asiática que tais fluxos serão facilmente substituídos.


A consultoria Oxford Economics chega a afirmar que o impacto das sanções no curto prazo não terão o efeito que muitos no Ocidente imaginam, embora possa ter efeitos no longo prazo, como queda do PIB em 0,7% e 1,2% nos próximos anos de 2023 e 2024. Do ponto de vista factual, embora muito alardeada como a principal sanção, a retirada da Rússia do sistema SWIFT não é tão grave quanto se imagina. Primeiro porque pouco importa se os russos poderão fazer ou não pagamentos em moeda estrangeira, uma vez que é a depreciação do rublo o principal problema.


E para tal, a arma mais poderosa utilizada pelo ocidente tem sido o congelamento das divisas estrangeiras que o Banco Central russo tem acesso. Sem poder administrar estas reservas, a economia russa não tem como driblar facilmente a escalada da depreciação da moeda e da inflação. Mas mesmo assim, é importante lembrar, como dito anteriormente, que as divisas estrangeiras não se baseiam apenas em dólar ou euro, mas também em yuan e ouro. Neste sentido, embora no curto prazo os russos sintam o efeito da depreciação monetária, no médio e longo prazo será mais fácil assegurar o valor da moeda através das demais divisas e parcerias.


Ø  O futuro da economia russa;




Apesar das tantas especulações, o futuro da economia russa não é sombrio. Na verdade, é até bastante promissor. Com empresas ocidentais saindo do país, Putin poderá nacionalizar os ativos financeiros destas empresas em solo russo, assumindo para o estado riquezas oriundas destes investimentos. Logo, se as empresas ocidentais realmente abandonarem suas atividades na Rússia, o estado simplesmente irá assumi-las no lugar destas empresas.


Além disso, o corte de importação de petróleo e gás da Rússia é uma arma que ambos o lados podem usar. Se os europeus cortarem a importação, toda a Europa irá se sacrificar muito devido a alta dependência destes recursos vindos da Rússia. E, ao mesmo tempo, os russos podem ameaçar o corte das exportações, como forma de sanção também. Só o bloqueio das importações por parte dos EUA fez com que os preços dos combustíveis crescesse muito e colocou a moeda americana, baseada no famoso ‘petrodólar’, em risco. Por isso que os russos podem sim sofrer consequências no curto prazo, mas eles tem capacidade tanto para sustentabilidade alimentar e energética, quanto para reverter o fluxo financeiro através de outras parcerias fundamentais na Ásia. Os norte-americanos, cuja moeda depende do fluxo financeiro internacional, não tem esta sorte.


A retirada dos russos do sistema SWIFT e a saída da Visa e do Mastercard do país não é, também, um grande desafio. A China possui o terceiro maior parceiro bancário do mundo, que é o Union Pay. Bastará os bancos russos adotarem o Union Pay para os seus cartões internacionais que qualquer russo poderá ter acesso a seus dólares e euros sem se preocupar com as sanções. Isso sem falar, é claro, da cada vez maior influência do ouro como reserva de valor para a economia russa.


Portanto, temos um país que possui 144 milhões de pessoas, tem uma das maiores riquezas naturais do mundo, um território vasto, com mentes brilhantes e uma parceria estratégia que abarca Índia e China, dois dos países mais populosos do planeta. Mesmo que todo o Ocidente resolva ‘fechar a porta’ para os ativos russos, a Rússia consegue não apenas se sustentar, como também ajudará a enriquecer mais ainda os chineses. Tudo o que a China mais quer é depender MENOS dos EUA para favorecer o seu crescimento. Se a indústria bélica russa e as commodities da mesma sustentarem os gastos e investimentos domésticos chineses, então a China poderá colocar em voga o seu grande projeto da ‘Nova Rota da Seda’, isolando os EUA financeiramente.


Parece que os americanistas não perceberam que as sanções impostas pelos EUA e europeus contra a Rússia é uma mão de via dupla. Afeta moderadamente os russos, mas também afeta MUITO o Ocidente. Se cortarmos as importações agrícolas, pecuárias e energéticas da Rússia, o preço de tudo quanto é produto irá subir, criando uma crise inflacionária e uma depreciação do dólar internacional. Além de gerar uma crise de abastecimento, ainda gerará, também, uma espiral de empobrecimento das nações ocidentais. Dizer que, num mundo globalizado, apenas a Rússia seria afeada pelas sanções, é atestar de que não se conhece o sistema económico internacional.


A aliança russo-chinesa não é uma miragem, é uma realidade que já se verifica desde o começo da década passada e que vem crescendo consideravelmente. Interessa a ambas as partes esta parceria. Não por ideologia, não por amizade entre povos, mas sim por autointeresse. Fenómeno que todo liberal clássico deveria colocar em sua pauta de análise desde a primeira hora. Esta nova aliança, este pacto oriental, está criando uma nova ordem mundial e ela irá se impor cada vez mais e de maneira muito profunda neste ano e nos próximos vindouros.


A Rússia poderá ficar inadimplente com seus parceiros ocidentais, mas isso não significará falência da economia russa. Há de se separar economia real – ou seja, riquezas em solo – da economia financeira. As sanções estão fazendo os russos reestruturarem sua matriz financeira. Mas todos os ativos físicos, indústrias, recursos, mercado consumidor, permanecem intactos. Somente uma guerra direta entre OTAN e Rússia poderia destrui-los. Mas ninguém quer a Terceira Guerra Mundial. Ou queremos?


Obrigado pela leitura, 

Sasha van Lammeren
Analista político, jornalista e especialista em comunicação política