19/04/2020

A GEOPOLÍTICA DA PANDEMIA


PARTE 1
Contextualização e Teoria


Introdução


Antes de enveredar pela análise dos efeitos geopolíticos da pandemia do COVID-19, precisamos esclarecer algumas questões para o leitor não acostumado com o jargão das relações internacionais. Como a intenção deste artigo é apresentar ao leitor mais leigo uma contextualização de tudo o que acontece no mundo contemporâneo, optei por uma linguagem mais simples, mais objetiva e mais didática para tornar claro as minhas pessoais interpretações que se apresentarão ao longo de todo o artigo.

Para dar início aos trabalhos, precisamos diferenciar dois conceitos: Estado e Nação[1].

A Nação é um grupo humano formado por uma mesma língua, cultura, crenças, cosmovisão de mundo e compartilhada experiência coletiva (consciência nacional). Trata-se da narrativa que um povo faz para si mesmo ao longo do tempo. Essa narrativa pode mudar de acordo com eventos-chave, mas em todo caso, ela sempre existe. Do mesmo modo que um indivíduo precisa narrar uma história sobre si mesmo para ter coerência em sua vida, os povos também precisam. De onde viemos, quem somos, o que nos representa e para onde vamos. Esse enquadramento da realidade coletiva é o que constitui o conceito nação.

Já Estado é o conjunto de instituições que administram uma nação. Pode ser de qualquer tipo, esfera, intensidade ou densidade. O importante aqui é que o Estado nada mais é do que uma forma da nação organizar sua vida política e social. A forma do Estado normalmente deriva da experiência coletiva (enquadramento) de um povo diante da realidade. Desde as reformas iluministas na Europa, onde o poder absoluto do Rei deixou de ser centralizador e passou a ser diversificado, temos a seguinte estrutura:



O conjunto povo-cultura-território constitui a nação. Mas esta nação é administrada por um conjunto de instituições. Estas instituições é o que chamamos de Estado. E este Estado precisa de uma agência administrativa que dirige os seus afazeres. Esta agência denominamos de governo. Daqui surge o conceito de Estado-Nação moderno.


Em resumo:


Nação

Indivíduos, grupos sociais, religiões, empresas privadas, sociedade civil etc.


Esfera cultural e abstrata, condizente com o passado, o presente e as perspectivas de futuro


Estado

Instituições públicas: Governo Federal, Estadual, Municipal, STF, Congresso Nacional, Presidência da República, MPF, Polícia Federal etc.



Esfera estável e permanente, que reproduz as aspirações da sociedade no tempo e no espaço


Governo

Agências de administração das instituições: Presidente da República, Governador de Estado, Prefeito de Cidade, Desembargador, Ministro do STF, Deputado, Senador etc.


Esfera mutável e impermanente, reproduz os anseios da sociedade no curto e médio prazos, administra questões urgentes e objetivas, pragmáticas

O que é geopolítica, portanto?[2]

Geopolítica, como o nome diz, é o jogo político entre os estados-nacionais do mundo inteiro. O Brasil é um espaço geográfico que possui uma Nação e um Estado que o administra. Este Estado é reconhecido como pessoa jurídica ao redor do mundo, o que nos permite reclamar o direito de estado soberano (independente) frente aos demais Estados. A política entre países perfaz a geopolítica. Como diz o velho ditado: geografia é destino. Ou seja, a geografia de um país, suas riquezas, seu povo, sua economia, suas potencialidades, tudo isso são recursos que participam das relações internacionais, direta ou indiretamente.


Minha Interpretação da Geopolítica


Como adepto do realismo clássico (Hans Morgenthau, 1954) na teoria das relações internacionais, eu tendo a encarar o jogo geopolítico do ponto de vista dos Estados-Nacionais. Ou seja, compreendo que os Estados agem por intermédio de seus interesses internos e externos, tal como os indivíduos. Dentro da teoria das relações internacionais, há ainda duas vertentes de interpretação no que tange ao grau de relacionamentos entre as nações. Temos a teoria da dependência (desenvolvida por autores como Immanuel Wallerstein e Celso Furtado), na qual se afirma que o desenvolvimento entre nações é desigual e sempre tende a favorecer as nações mais ricas e poderosas diante das pobres. Esta teoria indica que as grandes nações teriam esferas de influência social, cultural, económico e político sobre outras, onde estabeleceriam dominância.


Mas temos também outra vertente, de cariz um pouco mais conservador e menos crítico, onde se afirma que as relações internacionais na verdade se baseiam numa interdependência (Keohane & Nye, 1977) fluida entre sociedades, de modo que não há diferença entre decisões dos Estados e das organizações privadas, e sim influência mútua e constante. Para os adeptos desta interpretação, os Estados-Nacionais não teriam maior ou menor poder sobre outros visto que num cenário de intensa globalização, onde empresas e a sociedade civil atuam cada vez mais de modo interconectado, são as relações entre sociedades que determinam a geopolítica e não os interesses dos Estados, puramente.  

Como um realista clássico, tendo a crer que existe certa confluência nas duas vertentes supracitadas. Do ponto de vista das nações desenvolvidas, cujas empresas são internacionalizadas o suficiente ao ponto de influir no teatro global, é claro que a interdependência interessa, pois estas grandes companhias projetam o poder nacional do país de origem pelo simples fato de controlar os recursos financeiros primários para o mesmo. Mas do ponto de vista da dependência, é notório que nações pouco industrializadas e muito focadas em commodities terão menor projeção internacional do que as industrializadas e desenvolvidas. Exemplo disso é a comparação entre Índia e Brasil. Entre os dois, quem o leitor(a) acha que é mais poderoso?


Força económica e força militar: a projeção de poder de um Estado-Nação


Ambos fazem parte dos BRICS (grupo de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ambos, em teoria, são superpotências em desenvolvimento. Porém, Índia tem um papel regional no sul asiático muito mais pertinente do que o Brasil tem na América do Sul. O PIB da Índia é de 2 trilhões e 900 bilhões de dólares, enquanto do Brasil é de 1,8 trilhões de dólares. O orçamento militar da Índia é de 66 bilhões de dólares e o do Brasil é de 27 bilhões. A Índia é um país que possui uma complexidade económica maior, com grande investimento em Tecnologias da Informação, já o Brasil cada vez mais se desindustrializa e aprofunda sua vocação agrícola[3].

Todos os Estados-Nacionais contemporâneos vivem sob a égide do capitalismo de escala internacional. Não há um só país do mundo que não esteja inserido na cadeia produtiva global. Alguns estão mais do que outros, mas todos estão (até Cuba e a Coreia do Norte). Neste sentido, o aspecto económico é fundamental no entendimento das relações entre Estados. É claro que seria muito pueril ou simplista afirmar que a economia é a única ponta de lança da geopolítica, mas todavia ela exerce um papel central. Por exemplo, não podemos falar das relações entre União Europeia e Rússia sem falar dos gasodutos que levam gás da Rússia a Europa. Não podemos falar das relações entre Brasil e China se não considerarmos que o país asiático é o maior parceiro comercial do Brasil.

Mas o que é a economia do século XXI e como isso afeta a geopolítica? Como vimos, trata-se de uma economia globalizada e baseada nas grandes transnacionais que produzem em escala global. Vivemos num mundo onde a produção não está mais dependente de um território ou dos recursos de um país, mas recebe abundantes facilidades de todas as partes do planeta. Esta cadeia produtiva, evidentemente, é afetada pelas taxas de importação e pela infraestrutura de cada país, podendo aumentar ou diminuir a sua intensidade. Em todo caso, pelo menos todas as nações do G20 possuem transacionais importantes. O que nos leva a questão-chave desta interpretação: o capitalismo financeiro.

Uma vez que o problema da alocação de recursos foi globalizado, o poder saiu da esfera puramente produtiva-local para a esfera financeira-global. Não importa mais tanto quem produz, mas sim quem financia quem produz. Neste sentido, estamos falando de um capitalismo fundamentalmente monetário. O poder, neste contexto, está nas moedas e suas taxas de juro. Segundo a Lei de Metcalfe, originada da computação, “o valor de um sistema de comunicação cresce na razão do quadrado do número de usuários do sistema”. Se aplicarmos a mesma lei para as moedas, veremos que o valor de uma moeda cresce ao passo que ela é utilizada e aceita como meio de troca. Isso significa que, para uma moeda ser forte, ela tem de ser confiável, divisível, aceita amplamente e lastreada em algum recurso ou suporte que garanta o seu valor real.

Na política financeira internacional, sabemos que uma moeda é poderosa quando ela é usada por muitos estados-nacionais como reserva de valor. Ou seja, as reservas internacionais dos países estão em alguma das moedas mais utilizadas do mundo, perfazendo assim o seu lastro para aquele país. Atualmente temos quatro moedas que estão inseridas neste patamar: o dólar norte-americano (representando mais de 61,82% das reservas mundiais), o Euro (representando 20,24%), o Yen japonês (com 5,25%) e a Libra Esterlina britânica (com 4,54%). A China vem logo em seguida, com o Yuan sendo usado por 1,95% das reservas. Os restantes 6,19% são outras moedas. Isso significa que para grande parte do mundo a moeda de maior valor é o dólar norte-americano, o que dá aos EUA a capacidade de gerir o valor de sua moeda e influenciar na produtividade de praticamente todo o planeta[4].

Seguindo por esta lógica, se são as moedas que controlam o fluxo financeiro e produtivo do mundo, precisamos nos perguntar: quem são as grandes nações? É fácil afirmar que os EUA é o maior país do mundo, quer seja em termos económicos ou militares. Mas o poder de um Estado-Nação não é medido apenas por estes dois fatores. Têm de se avaliar a conjuntura! A China, por exemplo, tem a terceira mais poderosa Força Armada do mundo e o segundo maior PIB do planeta, mas o Yuan (moeda chinesa) está lastreado em dólar norte-americano. Isso significa que, se a China tem um grande depósito de reservas internacionais em dólar, ela possui uma grande capacidade de liquidez financeira e pelo seu tamanho, ela pode afetar o dólar tanto quanto os próprios norte-americanos.

Diferente situação acontece diante do Euro. A União Europeia possui a segunda moeda de maior valor internacional, de modo que ela compete com o dólar, ao invés de depender dele. Ao competir com o dólar, porém, ela não está isenta de ser afetada pela valorização ou desvalorização da moeda norte-americana. Das grandes nações, resta-nos indagar sobre a Rússia, que embora não seja uma potência económica, é uma potência militar. No caso da Rússia, a moeda rublo está lastreada em 30% euro, 18,2% ouro e 14,2% em yuan (moeda chinesa). O restante está em dólar norte-americano, representando 37,6% das reservas russas[5].

Portanto, temos aqui a resposta para determinar quais são os principais atores da geopolítica internacional. Para classifica-los, utilizamos algumas referências. Na teoria das relações internacionais, nós temos potências regionais, potências médias, potências emergentes, estados falidos, estados fantoches, superpotências, hiperpotências e uma série de outras definições. Para deixar este artigo mais simples e mais didático, usarei apenas três definições: potência regional, superpotência e estado fantoche.

A.    Superpotência;

Uma superpotência é um Estado-Nacional cuja influência social, económica, cultural, política, militar e tecnológica é exercida em escala global. Ou seja, trata-se de um país que influencia os demais não importando região geográfica ou proximidade cultural, visto que seu poder é grande o suficiente para afetar a todos.

B.     Potência regional;

Uma potência regional é um Estado-Nação cuja influência social, económica, cultural, política, militar e tecnológica abrange a sua região geográfica. Normalmente ela está dentro do arco de influência das superpotências, mas exerce um papel importante no teatro das nações de modo mais ou menos independente.

C.     Estado fantoche;

Um Estado fantoche é um Estado-Nação que depende de uma potência regional ou global para tomar decisões estratégicas de cunho político, militar, diplomático, económico ou mesmo social e cultural. É comumente também conhecido como estado-cliente.

Análise de Conjuntura:

Por tais definições, podemos afirmar que até Janeiro de 2020 o mundo tinha pelo menos duas superpotências. Trata-se dos Estados Unidos da América e da China. Embora os EUA ainda seja o país mais poderoso do mundo, o poder chinês é muito maior do que os demais países e está em franca expansão. Logo, trata-se evidentemente de uma superpotência cuja expressão global é óbvia. Possui a terceira maior Força Armada do mundo com um orçamento de 237 bilhões de dólares e o segundo maior PIB do planeta.

A União Europeia não é um país, mas um bloco composto por pelo menos duas grandes potências: França e Alemanha. Como a política e economia destas nações dependem da União Europeia, iremos considerar para efeitos de análise como se a União Europeia fosse um país. Assim o sendo, podemos afirmar que se trata também de uma superpotência, visto que ela rivaliza com os EUA em tamanho de PIB e possui uma Força Armada competente (orçamento militar dos países da Zona do Euro chega a 200 bilhões de dólares).

Em termos de potências regionais, nós temos claramente os países emergentes (Brasil, Rússia, Índia, África do Sul e México), como também alguns países tradicionais como Japão e Reino Unido (pós-Brexit). Já quanto aos Estados fantoches, podemos citar a Síria (fantoche da Rússia), a Venezuela (também fantoche da Rússia), Coreia do Norte (fantoche da China), Israel (fantoche dos EUA), Coreia do Sul (fantoche dos EUA) e assim por diante. E porque estes países citados como fantoches se enquadram nesta nomenclatura? Porque de algum modo, todos eles demonstraram estar alinhados economicamente e estrategicamente com alguma superpotência. Não significa que sempre foram estados fantoches, mas neste momento se apresentam como tal.

O mesmo se sucede com o Brasil, que embora seja uma potência regional, deixa a desejar neste papel e possui um governo extremamente alinhado com os EUA, tornando-o potencialmente um Estado fantoche deste país.

Para facilitar o que foi dito anteriormente, observe o seguinte quadro interpretativo:

Países
Poder Económico
Poder Militar
Estatuto Internacional
EUA
US$ 21 trilhões
SP
China
US$ 14 trilhões
SP

U.E.

US$ 18 trilhões
FRA-7º, ITA 12º, ALE, 13º, ESP, 20º, POL, 21º
Membros da OTAN

PR
Rússia
US$ 1,6 trilhão
PR
Japão
US$ 5,1 trilhão
PR
Reino Unido
US$ 2,7 trilhão
PR
Índia
US$ 2,9 trilhão
PR
Brasil
US$ 1,8 trilhão
10º
PR
México
US$ 1,2 trilhão
38l
PR
Israel
US$ 387 bilhões
18º
EF
Irã
US$ 458 bilhões
14º
EF
Arábia Saudita
US$ 779 bilhões
17º
EF
Síria
Sem Dados
55º
EF
Venezuela
US$ 70 bilhões
41º
EF
Coreia do Norte
US$ 17 bilhões*
25º
EF
Coreia do Sul
US$ 1,6 trilhão
EF
África do Sul
US$ 358 bilhões
29º
PR
Austrália
US$ 1,3 trilhão
19º
PR
Canadá
US$ 1,7 trilhão
24º
PR

Fontes: Fundo Monetário Internacional (2019), GlobalFirePower.com (2020). * Nações Unidas (2017)
OBS: SP (Superpotência), PR (Potência Regional), EF (Estado Fantoche).

O que este quadro nos sugere é que temos um xadrez internacional baseado no poder financeiro do dólar norte-americano (pertinente para a relação EUA-China), temos que o Euro é uma moeda importante (dentro do contexto da Zona do Euro e como moeda de reserva alternativa para a Rússia) e temos uma cadeia produtiva globalizada ligada ao conjunto dólar EUA-China e Euro-Países Emergentes. O que isso nos indica é que temos quatro polos de poder se formando na atualidade: o norte-americano, o chinês, o europeu e o russo. Destes quatro polos, dois são superpotências. Uma consolidada (EUA) e uma em franca expansão (China). As demais duas são grandes potências ou potências regionais que procuram encontrar um caminho alternativo no meio dos dois gigantes EUA e China. 

Os efeitos disso para a política internacional são diversas. Mas iremos nos ater neste artigo apenas ao efeito geopolítico e económico. As Forças Armadas são forças de dissuasão antes de serem forças efetivas, por isso não iremos nos preocupar em fazer comparações de poder bélico entre as superpotências, visto que não chegamos ainda neste patamar. Estamos hoje num conflito de poder fundamentado num entrave económico e potencializado pela crise do COVID-19. É este contexto e estes efeitos que iremos analisar daqui para frente, visando compreender de que maneira as potências (ou impérios) irão reagir a este imbróglio e como isso afetará países como o Brasil.



PARTE 2
Efeito Pandemia


PONTO DE SITUAÇÃO
Pré-Pandemia


Neste artigo simplificado, não estou entrando nos pormenores da política interna de cada país, não estou falando dos entraves históricos entre sociedades, também não estou falando dos tratados internacionais e tampouco dos detalhes que envolvem as relações entre os Estados-Nação. Como alertei no começo do artigo, a intenção é informativa, opinativa e contemplativa. Usando dados gerais e um pano de interpretação pessoal, busco integrar conhecimentos diversos no intuito de dar ao leitor um panorama geral do ponto de situação geopolítico.

Neste sentido, é importante salientar que não estamos levado em consideração questões ideológicas e político-sociais em nossa análise. Embora poderíamos aventar a hipótese de que governos de direita são alinhados automaticamente aos EUA e governos de esquerda tendem a serem simpáticos a China, isso seria muito simplista e incorreria em erros. Não iremos fazer julgamento de mérito de partidos ou de facções políticas, uma vez que do ponto de vista do realismo na teoria das relações internacionais, importa muito pouco o que os políticos dizem, mas sim o que os Estados fazem.



O que vimos anteriormente é um quadro geopolítico multipolar. Se ao final da Guerra Fria os EUA ascendeu como única superpotência global, tendo a União Soviética fracassado, vimos que ao longo dos 20 primeiros anos do século XXI a China consolidou o seu poder, ao passo que os EUA se atrapalhou em guerras no Oriente Médio (Afeganistão, Iraque), tensões com Coreia do Norte, tentativas fracassadas de um acordo de não-proliferação de armas nucleares com o Irã e adversários cada vez mais assertivos. A Rússia de Putin começou a adentrar espaços que EUA e União Europeia não estavam, quer por falha ou por desatenção. A China continuou o seu vertiginoso crescimento económico e foi pouco a pouco vampirizando toda a economia ocidental com a sua economia de escala barata e competitiva.

Claramente os EUA perdeu influência neste mundo e hoje se vê numa posição amarga. Seus principais ativos são o dólar e o grande poder de dissuasão derivado de sua Força Armada global, presente em todos os continentes e pronta para agir em qualquer circunstância. Isso garante que os EUA influencie aliados regionais importantes, como Israel, Arábia Saudita, Coreia do Sul e Japão. Na América Latina, vendo que China, União Europeia e Rússia ganhavam mais e mais espaço, os norte-americanos optaram por uma política mais agressiva, onde grupos de influência foram financiados por setores-chave dos EUA e o próprio governo americano ativamente praticou espionagem de cariz industrial e político (escândalo da NSA, denunciado por Edward Snowden).

A América Latina, dependente do comércio com China e EUA (especialmente no caso do Brasil) viu-se afetada diretamente pelo receio norte-americano de perder sua esfera de influência nas Américas diante da China, como também viu o avanço chinês sem precedentes. Aliado aos imbróglios internos das sociedades latinas, tivemos nos últimos anos explosões de rupturas sociais sensíveis: Venezuela, Argentina, Brasil, Chile, Bolívia. Todos afetados em algum grau pela intensidade dos interesses geopolíticos norte-americanos e chineses.

Internamente, o efeito do capitalismo financeiro e a perversão da escala produtiva global financiada pelo dólar e aproveitada pela China levou milhares de milhões de trabalhadores a perderem seus empregos nas nações ricas em detrimento da alocação de fábricas em países emergentes (como China, Índia etc.). Este efeito desagregador em massa dos empregos criou um grupo grande de cidadãos órfãos, quer do ponto de vista financeiro ou quer do ponto de vista identitário. Foi este vazio que, mais tarde explorado pelos populismos nos EUA e Reino Unido, geraria a eleição de Trump e o Brexit. Mas é a geopolítica norte-americana diante da economia de escala chinesa que tem levado tensão ao redor do mundo.

Na União Europeia, o maior desafio é estrutural. Há uma moeda única, há uma zona de livre comércio europeu, de livre-trânsito de pessoas, mas há uma máquina burocrática extremamente ineficiente e morosa, que impede necessárias reformas, como a fiscal, militar, de inteligência e política. A União Europeia não consegue atuar como bloco geopolítico plenamente pois não possui uma autoridade política amplamente reconhecida pelas demais potências. Seu ponto forte é a economia, muito avançada tecnologicamente e com o suporte de uma moeda poderosa globalmente. Do ponto de vista militar, a UE é dependente da OTAN (Aliança do Tratado do Atlântico Norte), reminiscente da Guerra Fria e cujo principal aliado e financiador é os EUA. Portanto, de certa forma, a União Europeia está atrelada aos EUA geopoliticamente e tal simbiose torna bastante conflituosas as tensões entre Europa e Rússia, assim como Europa e China.

A Rússia, por seu lado, tem como objetivo manter sua integridade económica e territorial. A política de Vladimir Putin é baseada em dois vetores: eficiência económica e união identitária. Não por acaso ele se sustenta numa aliança com a Igreja Ortodoxa Russa e uma tentativa de pacificar o passado czarista e o passado soviético, sendo ele próprio um ex-agente do KGB. Para a Rússia, a União Europeia é uma importante aliada económica, seja do ponto de vista monetário (o Euro), ou do ponto de vista do mercado consumidor. Como já dito antes, grande parte da exportação russa é destinada a Europa e os russos não podem jogar fora os bilhões de euros que entram em seus cofres via balança comercial. O problema de Putin e da Rússia é na verdade com a OTAN, que ameaça seus interesses identitários.

A Anexação da Crimeia e a Guerra em Donbass são dois exemplos da maior assertividade russa no cenário europeu. Claramente há uma tendência de Putin reunificar em torno da Rússia povos que já fizeram parte da União Soviética e que tenham algum tipo de simpatia ou identitarismo russo. Seu arco de atuação tem sido o Leste Europeu, o Oriente Médio (através do apoio a Assad na Síria) e participação na crise da Venezuela, dando suporte militar e económico a Nicolas Maduro.

Finalmente a China tem atuado por três vetores essenciais: a modernização da economia chinesa, numa gradual tentativa de passar do modelo de exportação barata para um modelo de alta tecnologia e consumo interno. O desafio para isso é que a imensa maioria de chineses são pobres ou em situação de semiescravidão, não possuindo recursos para integrar um forte mercado interno. Por isso, a economia chinesa ainda é muito dependente das exportações. Por ser dependente de exportações, a China é também dependente dos mercados consumidores europeus e americanos.

Já sendo a maior parceira comercial dos EUA, a China tem como segundo vetor de atuação o ambicioso projeto de reativar a antiga Rota da Seda, que liga a China ao Oriente Médio até a Europa, formando um grande cinturão de comércio entre seu país e os demais vizinhos na Eurásia. Na Ásia, a China projeta o seu poder geopolítico especialmente pelo chamado “Mar da China Meridional”, sendo este o terceiro vetor. Este mar no sul da China banha os países: Hong Kong, Macau, Taiwan, Filipinas, Malásia, Brunei, Indonésia, Singapura, Tailândia, Camboja e Vietname. Diversos países e os próprios EUA se refere a este Mar como águas internacionais, mas a China reclama para si a soberania do mesmo. Sua intenção é ter influência sobre as rotas marítimas da região e, com isso, ter controle sobre considerável parte do comércio internacional.


                                                       Surge o COVID-19


Na data em que este artigo foi escrito, pouco se sabe ao certo a origem do novo coronavírus. Há algumas versões, que incluem origem no Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan, perto da província de Wuhan, onde os primeiros casos foram registrados. Já o cientista e professor francês Luc Montagnier, prêmio Nobel de Medicina e descobridor do vírus do HIV afirmou que teria sequenciado o RNA do novo coronavírus e, depois de pesquisas, descobriu que ele se originou do laboratório de virologia de Wuhan. O que indiciaria que o vírus foi supostamente fabricado neste local.

O fato é que a China registrou o primeiro caso em 31 de Dezembro de 2019, embora só tenha colocado Wuhan em quarentena em 23 de Janeiro de 2020. Pouco a pouco novos casos foram surgindo fora da China até que a OMS finalmente declararia que se tratava de uma pandemia no dia 11 de Março de 2020. De lá até a data deste artigo, mais de 2 milhões de pessoas foram infectadas, causando mais de 150 mil mortes no mundo e com mais de 500 mil curadas. Sabe-se que uma vacina deverá existir, em tons otimistas, dentro de 1 ano e meio. Trata-se de um vírus novo, cuja população global ainda não tem imunidade e, por isso, é passível de ser contaminada. O vírus é contagioso e passa de pessoa para pessoa, como numa gripe comum.

Como se trata de um vírus novo e a sociedade mundial não tem imunidade ao mesmo, é necessário evitar que muitas pessoas se infectem ao mesmo tempo. Ainda que sejam poucos os casos de gravidade clínica e complicações, se muitos pegarem, os casos graves também tendem a aumentar, o que colocaria pressão sobre os sistemas de saúde em todo o planeta. A única solução que se mostrou efetiva foi o distanciamento social e a quarentena. Tal medida colocou pelo menos 40% da humanidade em confinamento caseiro, com restrições de circulação e países inteiramente fechados, quer para entrada ou saída. Pela primeira vez em muito tempo o mundo está lidando com um planeta de fronteiras fechadas.

Isso significa que cada país é responsável pela forma como lida com a pandemia. Embora a cooperação internacional seja necessária (a ONU e a OMS conclamam por isso), temos visto alguma solidariedade no nível Europeu (por causa da União Europeia) e no nível global entre algumas potências. Mesmo assim, tal solidariedade vem conjuntamente com um payoff geopolítico extremamente caro: aquele que melhor lidar com a pandemia irá ter automática autoridade diante das que não lidaram bem. Por isso a corrida hoje em dia é por ver quem está melhor lidando com a crise e de quem é a culpa pela mesma.

A pergunta é: quem irá prevalecer na pós-pandemia?

Neste exato momento o que temos visto é um conjunto de guerra de informação e tentativa de manipulação de dados de todas as partes. Não sabemos ao certo quantas pessoas estão realmente infectadas, não sabemos quais dados são realmente transparentes e realistas e não temos ideia de quem está realmente controlando a crise. Em teoria, China, Alemanha e Rússia estão conseguindo controlar mais do que os EUA, que a princípio está descontrolado. Mas isso é uma teoria, pois mesmo os dados destes países pode estar enviesado. O que podemos assegurar com certeza é que as medidas de lockdown e quarentena criaram um cenário de vigilância estatal permanente que não deve cessar.

O que a pandemia demonstrou é que todos os processos geopolíticos em andamento (os projetos de poder dos EUA, Europa, Rússia e China), começaram a acelerar. Os EUA vive um ano eleitoral e ao mesmo tempo é o pior país a lidar com a pandemia, tendo mais de 600 mil casos e 40 mil mortos a data deste artigo. Morre-se mais em Nova Iorque (atualmente com 13.869 mortes) do que em outros países inteiros. Fora isso, Trump tem agido num duplipensar constante acerca do isolamento social. Ele permite que os governadores façam aquilo que já fazem (ou seja, o isolamento), mas ao mesmo tempo ameaça reabrir o comércio, fechar o Senado, culpa a China, chamando o vírus de “chinese vírus” e culpabiliza também a própria OMS, acusando-a de conluio com a China.

A China, por sua vez, continua com os mesmos dados de dois meses atrás, dando a entender que o desenvolvimento da pandemia no país foi controlado plenamente. Eles não demoraram em propagar seu sucesso e logo se ofereceram como referência para ajudar outros países. O problema é que não se tem transparência sobre os dados chineses, especialmente depois que tantos jornalistas, médicos e denunciantes desapareceram no início da crise ao tentar alertar o mundo sobre a pandemia no país. O gráfico que indica a comparação entre casos do novo coronavírus entre EUA e China é bastante estranho:



Na União Europeia, os principais países são os que mais tem sofrido com a pandemia. França, Itália, Espanha e Alemanha possuem os maiores índices de casos. Contudo, é também a Alemanha que parece ter controlado o desenvolvimento de novas infecções e tem colocado em andamento diversos planos para a saída gradual do confinamento. A União Europeia também tem corrido contra o tempo para demonstrar maior solidariedade a nível europeu, em contraposição as rusgas geradas pela crise financeira de 2008. Uma das formas de se criar uma resposta coletiva do bloco europeu é um conjunto de medidas imediatas e futuras que visem resguardar a economia europeia e dividir as responsabilidades. Esta divisão de responsabilidades financeiras fez com que os ministros da economia da Holanda e Alemanha rejeitassem a ideia amplamente difundida dos “coronabonds”, ou seja, a mutualização de dívida pública entre todos os membros da União Europeia. Como tradicionalmente os países do norte tendem a ser mais austeros fiscalmente do que os do sul, estes ministros acusaram Espanha, Portugal e Itália de não terem fama de bons pagadores e que, por isso, a ideia de uma mutualização da dívida não ser tão interessante. Estes comentários levaram o Primeiro-ministro português a responder energeticamente e enfaticamente contra tais declarações, no que recebeu apoio de outros países, inclusive da França.

Tais rusgas parecem terem sido superadas, depois que o Parlamento europeu aprovou um plano de ajuda financeira no valor de 1 trilhão de euros, assim como está em andamento estudos para um “Novo Plano Marshall”, que visa a reconstrução da economia europeia como um todo na pós-pandemia. A verdade é que nenhum país europeu é capaz de passar pela pandemia e pela crise económica subsequente sozinha, de modo que apesar das rusgas internas, o conceito de uma União Europeia é cada vez mais valorizado por entre os governos e até mesmo entre os eurocéticos, que conclamam uma política de saúde pública para todo o bloco. Isso dá a entender que o futuro da União Europeia é de maior interconexão e aproximação, apesar dos já citados desafios estruturais e burocráticos.

Quanto a Rússia, novamente os dados são muito obscuros. Atualmente a Rússia tem registrado 42 mil casos, tendo 361 mortes e 3.291 curados. Sendo verdade, estes dados demostram que o país está conseguindo controlar a pandemia também. Porém, voltamos ao mesmo caso da China: não temos transparência suficiente para ter a certeza de que estes dados coadunam com a realidade. Mas como narrativa, poderá servir aos interesses de Putin em demonstrar que o país é competente o suficiente para controlar a pandemia e que os russos são mais capazes, por exemplo, do que os EUA e a Europa no combate ao COVID-19.

Todo este cenário nos indica o seguinte:



1º. A União Europeia está em sua própria bolha, lidando com a crise ao seu modo e tentando criar uma rede solidária entre os países do bloco e também a nível internacional. Apesar das rusgas internas, são as rusgas externas as mais dramáticas. A China foi acusada de enviar a Espanha milhares de testes que não funcionam. A França comprou da China milhares de máscaras que, no aeroporto, foram transviados para os EUA ao invés de seu destinatário original, a França. Os países da União Europeia também estão criando uma malha de proteção económica contra o capital chinês, que visa comprar empresas em crise por causa do coronavírus.

2º. A Rússia está em sua própria bolha também, tentando controlar a pandemia. O efeito imediato foi a paralisação das mudanças constitucionais que Putin estava empreendendo no país no intuito de permanecer no poder até 2036. O efeito de médio prazo disso ainda não está claro, mas a tendência é a Rússia primeiro tentar controlar o surto para, então, acelerar as mudanças políticas internas que assegurem o poder de Vladimir Putin.

3º. A China claramente está mais agressiva em sua política externa. Como dito anteriormente, os chineses sabem que dependem do comércio internacional para manter a sua economia de escala. Como este está em declínio por causa da quarentena global, o país asiático tem usado outras estratégias. Considerando que muitas economias entrarão em depressão, o capital chinês tenta a todo custo garantir o acesso aos recursos de países pobres e emergentes, especialmente na África e América Latina. Isso já criou rusgas também entre China e Europa, que para assegurar sua influência diante das ex-colónias africanas começou a perdoar dívidas e assegurar financiamento em euros aos países afetados. O jogo geopolítico da China também se apresenta na Ásia, onde ela tenta projetar o seu poder com maior efervescência diante de Coreia do Sul, Índia e Japão. O Japão, por exemplo, assim como a Europa, criou um fundo para repatriar empresas japonesas que atuavam na China e tem buscado evitar que o capital chinês entre no país. Neste momento é certo afirmar que a China quer promover o discurso de país responsável, eficiente e cooperativo durante a crise, buscando utilizar seu aporte financeiro para inserir-se mais fecundamente nas economias ao redor do planeta.

4º. Já os EUA tende a entrar numa recessão mais profunda do que a de 1929. Com a economia chinesa em queda e o mercado interno norte-americano paralisado, é possível que veremos uma corrida financeira para assegurar financiamento pós-pandemia. Desde o começo da crise sanitária global e do pânico dos mercados, o governo americano aprovou uma injeção de 2 trilhões de dólares num pacote de ajuda económica, fora o 1 trilhão que já foi injetado nos pregões. O desafio dos EUA é manter o nível de consumo elevado, uma vez que grande parte do PIB norte-americano é dependente de bens e serviços. Com a China em franca paralisação, a produção norte-americana também sofre um refreio. Para 2020, é possível que vejamos uma diminuição drástica na produção de riqueza e um número de falências bastante elevado.

O que estas informações sugerem, portanto, é que todo o planeta está numa situação mais ou menos similar. Isso significa que os efeitos da crise económica nos países será uníssono, de modo que se todos estão em maus lençóis, ninguém estará melhor do que ninguém de fato. É como uma competição para ver quem fica menos mal, não para ver quem fica bem. Neste caso, o menos mal é aquele que conseguir garantir recursos para uma alavancagem pós-pandemia, no que demanda uma manobra financeira robusta. Os únicos países que estão mais ou menos ensaiando esta alavancagem são EUA, China e União Europeia (se considerarmos como se fosse um país). O problema é que ao mesmo tempo em que todos planejam uma retomada, todos estão competindo para ver quem terá a melhor condição de alavancagem.

E aqui entra o jogo geopolítico. A China quer sair da pandemia como a grande financiadora global das economias quebradas, monopolizando assim os recursos financeiros destes países e fortalecendo a sua posição internacional, tanto do ponto de vista económico quanto político. Porém, e sabendo que este é o projeto chinês, Europa e demais países estão refreando o avanço do capital chinês, criando eles próprios planos de financiamento para suas empresas em crise. Os EUA já estava em guerra comercial com a China, de modo que o capital chinês já tinha e continuará a ter maior dificuldade de entrar no país de Donald Trump. Portanto, podemos afirmar que a tendência é a de um mundo mais radicalmente competitivo (e portanto menos solidário). Cada potência tentará ao seu próprio modo garantir a sobrevida económica pós-pandemia. Logo, é cada um no seu quadrado e uma rejeição enfática do comércio internacional como meio de funcionamento do capitalismo.

A lição que tiramos disso é que o efeito tangível da pandemia na geopolítica é na mudança drástica do capitalismo financeiro, de escala globalizante para financismo de blocos. Ou seja, cada bloco financeiro tentará sobreviver por conta própria, sem receber “ajuda” financeira dos demais blocos, visto que esta ajuda financeira poderia se tornar num grande elefante branco de domínio geopolítico mais à frente na alavancagem. EUA, União Europeia e China estão jogando seus jogos independentes uns dos outros. Portanto, há uma tendência ao isolacionismo momentâneo de alguns blocos, como também a uma diminuição imensa na escala da economia global. A globalização entrou, de fato, numa nova fase. Menos consumista, menos acelerada, e muito mais monetária. Se antes vivíamos o capitalismo financeiro, hoje vivemos uma guerra monetária.

Os efeitos disso no longo prazo ainda são incertos, mas as tendências são claras. A multipolarização se acelerou e os países fantoche ou regionais precisarão se adaptar a isso com rapidez. Dificilmente o real brasileiro, para usar o exemplo do Brasil como país-satélite dos EUA e potência regional, conseguirá se recuperar plenamente após esta pandemia. A indexação do real ao dólar norte-americano deve se aprofundar, com um domínio mais profundo dos EUA sobre o Brasil, o que pode gerar um efeito sinofóbico “fobia da China”, especialmente materializado pela maior aproximação do governo Bolsonaro aos interesses norte-americanos. Do ponto de vista brasileiro isso seria um desastre económico colossal, visto que a China é o maior parceiro comercial do país e um dos principais importadores dos produtos nacionais. Se a economia brasileira for transferida para os interesses norte-americanos, podemos esperar um encolhimento mais dramático do poder de compra do real, maior desemprego, menos riqueza e outras dificuldades que não cabem neste texto.

Conclusão:

I.                   O mundo deixou de estar no capitalismo financeiro globalizado para entrar na guerra monetária de blocos;

II.                Veremos um retorno do protecionismo e das taxas de importação, numa clara tendência de concentração de capital nos blocos: EUA, União Europeia e China;

III.             Não se trata de quem produz, mas de quem financia quem produz. É uma nova etapa do capitalismo financeiro: uma guerra monetária visando o controle dos recursos de financiamento;

IV.             Isso levará os blocos a intervirem economicamente e financeiramente nos mercados de todo o planeta. Como numa guerra, aonde um puder entrar, ele fará de tudo para entrar.

V.                Esta intensa disputa financeira criará rusgas indissolúveis entre os blocos, gerando certo isolacionismo e também modificando as estratégias e abordagens geopolíticas de cada bloco.

VI.             A depender dos resultados, as economias mais frágeis são a norte-americana e a chinesa.

O fato da China não ter um mercado interno forte o suficiente para substituir a demanda internacional que financiava sua economia de exportação é indício de que dificilmente ela conseguirá se recuperar da queda brusca de seu PIB. A recessão na China em 2020 pode ser uma das maiores da história, e para sobreviver a única coisa que os chineses podem fazer é comprar os recursos produtivos internacionais para ter “bala na agulha” durante a alavancagem da economia internacional. O problema é que, se os demais blocos estão se preparando para se proteger desta ofensiva financeira chinesa, então a China não terá sucesso em sua tentativa de refrear a recessão e depressão, fazendo com que o país entre em uma profunda crise económica e potencialmente social e política.


Embora a China tenha a maior parte de manufatura do planeta (no valor de 4 trilhões de dólares), estas manufaturas não são de alta tecnologia (ver quadro cima), mas de maquinário elétrico, roupas, partes de automóveis, mobília, iluminação, bolsas, carteiras e afins. Produtos muitas vezes baratos, pois o custo de produção na China é muito barato, e de baixa qualidade, visando a exportação em larga escala. A China é o terceiro maior exportador do mundo, junto de EUA e União Europeia. Competindo pelo mercado global junto a estes outros dois blocos, é notório que num cenário de guerra monetária, aumento nas taxas de importação e diminuição da economia de escala, a China comece a entrar num franco declínio de seu modelo. Como ela responderá a este declínio, ainda é uma incógnita. Mas o certo é que veremos uma intensa disputa entre China, EUA e União Europeia nos próximos tempos e um ambiente geopolítico muito mais hostil.

Quanto aos Estados Unidos, é importante salientar que a dívida pública norte-americana está em seu mais alto patamar histórico (no valor de 22 trilhões de dólares), além de ter uma moeda cujo retorno financeiro depende da saúde fiscal do planeta. Estando a China em declínio e a UE fechada em si mesma, além do resto do mundo em recessão, os EUA terá muita dificuldade de gerar sua retomada, o que pode criar empecilhos geopolíticos ainda inconclusivos. 

Mais análises e atualizações, a qualquer momento. 

Obigado pela leitura, 

Boa noite, e boa sorte


Fontes

[2] O que é geopolítica? - J.W.Vesentini
[3] World Economic Outlook Database, October 2019
[4] https://howmuch.net/ - Outubro 2019
[5] The Central Bank of the Russian Federation, 2019




Sasha Rupar Lamounier van Lammeren
Jornalista e Analista

Porto, Portugal
20 de Abril de 2020