24/03/2018

O BRASIL NÃO DEU CERTO



O BRASIL NÃO DEU CERTO




Já estamos cansados de tantos textos, vídeos e blogs falando mal do Brasil. Este texto, porém, não tem a intenção de ser mais um deles. Não irei falar mal do Brasil, mas sim direi porque o Brasil não deu certo. Direi de modo bem pragmático e direto. E o porque de não termos nenhum futuro. Às vezes quem mora fora do país consegue ter uma visão macro mais clara. Pessoalmente falando, sempre fui muito ligado a política e história, de modo que não sou nenhum leigo no assunto. Desde que me entendo por gente leio e estudo a formação dos países e das sociedades. Por interesse pessoal mesmo. Vivendo fora do Brasil a comparação é inevitável e a compreensão de onde estamos, fica muito óbvia para ser ignorada. O sentimento que muitos brasileiros tem de que o Brasil “acabou” é, na verdade, o sentimento de que o Brasil nunca deu certo.

Nós nascemos como uma grande utopia. Somos uma das raras nações com uma certidão de nascimento (a carta de Pero Vaz de Caminha). Certidão esta que anunciava ao mundo as riquezas naturais e as belezas que existem no Brasil. Alguns afirmam que, de conhecimento desta carta, o inglês Thomas More cunharia o termo “utopia”, que na etimologia significa o “não lugar”. Nascemos, portanto, como um sonho. Como um paraíso na Terra. A aura formada em torno do Brasil era como se nossa terra fosse o “paraíso celeste”. O problema é que toda utopia alguma hora se torna uma grande distopia. Esperar demais de alguma coisa faz com que o tombo seja igualmente imenso.

O Brasil nação surge em 1822. Há muitas formas de um país nascer. Seja através da guerra, seja através de monarcas, seja através de tratados e assim por diante. No caso do Brasil, nascemos através da figura de D. Pedro I. Ou seja, de um monarca. O primeiro e segundo império deram o tom e característica do Brasil nação que deveria ter acontecido. A forma como as nações nascem não é mero acaso. O Brasil surgiu no pós-Revolução Francesa, no cume do Iluminismo do século XIX. E nascemos como monarquia. Portanto, não se deve simplesmente ignorar este fato. Ele diz muito da nossa nacionalidade.




A monarquia no país não é mera consequência de um ato autocrático de Pedro I, mas sim, uma necessidade institucional brasileira. Ao contrário da América espanhola, o Brasil (ou América portuguesa), manteve-se unificado territorialmente sobre a égide do Império. Portanto, a nossa unidade precisou da figura do Imperador. Diferente dos EUA, por exemplo, onde a unidade aconteceu via negociação entre as Treze Colônias e a Declaração de Independência.

A questão é: que Brasil tornou-se independente em 1822? Éramos uma nação de oligarquias locais, escravocratas e elitistas. A Constituição outorgada em 1824 garantia, justamente, que estas oligarquias continuariam tendo poder local, sendo que o Imperador comporia a figura de MODERADOR. A sabedoria da Constituição de 1824 se mostra justamente no poder moderador. Sabendo que o Brasil não era uma nação unificada, Pedro I impôs às oligarquias um pacto de negociação perpétua. A coroa seria o elo entre os diferentes interesses sociais e nacionais e a figura que lideraria o clamor patriótico do recém-nascido país. Portando, embora o Brasil já tenha nascido oligárquico, era a monarquia que conseguia fazer a ponte entre os interesses nacionais e sociais, com as elites.


Constituição Imperial de 1824

Nenhum sistema é perfeito e um país recém-nascido não seria, obviamente, perfeito. Mas já no começo conseguimos grandes conquistas para um país recém-nascido. No Império, tínhamos a segunda maior marinha do mundo, perdendo apenas para o Reino Unido. Éramos considerados uma das maiores monarquias do mundo, com uma economia que, embora fosse agrária, tinha grandes industriais e inteligências que, dentro das possibilidades, pensavam num país industrializado. O maior dos exemplos foi Barão de Mauá.

A família imperial sempre foi abolicionista, jamais tendo a posse de escravos (todos os escravos da família imperial eram libertos, antes mesmo de qualquer lei passada no Parlamento). D. Pedro II, o barbudo, financiou o estudo de negros para que eles tivessem oportunidade na vida e fossem boas referências. Um destes exemplos é Machado de Assis, que foi o que foi graças a ajuda do Imperador. Pero II enfrentou durante décadas as oligarquias agrarias, fez concessões, negociou e por fim, em 1888, conseguiu finalmente abolir a escravidão.

Abolição essa que o Império pretendia solucionar com projetos arrojados. Havia no Parlamento imperial projetos de lei que fariam uma reforma agrária já naquela época, dando pedaço de terra para os ex-escravos, agora libertos. Este projeto, no entanto, jamais foi colocado em prática. Em 1889 a República nasceria através de um golpe de estado oligárquico.


Proclamação da República em 1889

E que República nasceu? Não é preciso ser nenhum gênio. Uma república oligárquica! A mesma oligarquia que vivia no império e que fez de tudo para empurrar com a barriga a abolição da escravatura, a mesma oligarquia que negociava interesses com a figura do Imperador, agora detinha o poder absoluto do país. A figura da moderação, da unidade patriótica e nacional do Imperador sai de cena. Surge a figura do Presidente da República, inspirado nos Estados Unidos da América.

A diferença, contudo, é clara. Se os EUA nasceu através da união entre treze estados e formaram, voluntariamente, um país unificado sobre uma Constituição, no Brasil o Presidente da República não representaria uma união, mas sim os interesses provincianos daqueles que o apoiam. A nossa República já nasceu antinacionalista.

Foi a partir daí que o Brasil começou a dar errado. Não porque eu não acredito na República (em países como EUA e Alemanha até que funciona bem). Mas sim porque o Brasil não nasceu para ser uma República. A nação brasileira não foi feita para ser uma República. O nosso estamento social não permite o surgimento de um sistema republicano. Com o fim da monarquia, perdemos a única referência nacionalista que realmente tínhamos: a família imperial. A referência que nos fazia ter algum tipo de identidade com a terra, com a pátria. Não digo que se o Brasil tivesse continuado monarquia, hoje seríamos uma Suécia. Longe disso. Mas certamente teríamos menos problemas do que temos hoje e seríamos muito mais patriotas. A sociedade não seria tão dividida e tão injusta. As instituições funcionariam melhor. A política seria mais moderada. Se o Brasil tivesse continuado com o sistema monárquico, haveria hoje ESPAÇO para diálogo e para soluções.

Com a República, a velha oligarquia dominou o cenário inteiro. O jogo ficou 100% do lado deles. A oligarquia começou, no entanto, a ter problemas na Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922. E depois com a ascensão de Getúlio Vargas, filho de um abolicionista gaúcho e ele próprio um estudante revolucionário e patriota. Foi nestes dois atos que a esquerda brasileira nasceu, tornando-se uma pedra no sapato da velha oligarquia. E foi também neste momento que a oligarquia patrimonialista brasileira se tornou truculenta.




De lá para cá, temos vivido constantes golpes de estado de ambos os lados. O projeto da chamada esquerda, ainda é nacionalista, pois tem um ranço getulista muito forte. E é reformadora, graças a Semana de Arte Moderna e as aspirações nela surgida. Já a direita não tem projeto. Porque a direita representa tão e unicamente os interesses das oligarquias que comandam o país. Se você chegar para alguém de esquerda, ele te descreverá todo um projeto histórico surgido ainda nos idos do getulismo (petróleo é nosso etc). Já quem é da direita vai te dizer, de maneira superficial e até bem estúpida: tem de privatizar tudo.

Chegamos a este nível, onde os interesses nacionais adentram um anacronismo absoluto. Não se debate mais as alternativas de país. E para ser bem honesto, este debate não acontece desde João Goulart e o golpe de 1964. Jango, como era conhecido, possuía uma agenda de nação bem progressista. Já a oligarquia política e membros da Escola Superior de Guerra (de onde surgiu os generais de 1964), não tinham nenhum projeto alternativo.

Ao invés de Jango ser vencido nas urnas, no debate público, foi vencido pela força das armas. A velha oligarquia truculenta, sem interesse algum em negociar com a esquerda, resolveu assumir o comando da forma que melhor lhe convinha. Se o Brasil imperial batia de frente com o Reino Unido muitas vezes, o Brasil oligárquico apenas visa seus interesses provincianos. Logo, se precisarem de apoio internacional para fecundar seus interesses locais, o farão. Em 1964, foi isso que aconteceu quando os EUA contribuiu no golpe militar.

Portanto, a elite paulista tem interesse em manter o seu poder em São Paulo. A elite carioca tem o interesse de manter o seu poder no Rio de Janeiro. A elite pernambucana tem o interesse de manter o seu poder em Pernambuco. E a federação se torna apenas um grande balcão de negócios entre “facções oligárquicas”, que farão de tudo para sustentar seus poderes. Perde-se completamente o senso de nação, de pátria, que outrora estávamos construindo no segundo reinado.

Hoje, Lula representa simbolicamente toda essa esquerda getulista e progressista. Ainda que a própria esquerda tenha severas críticas a ele, o fato da direita oligárquica perseguir Lula e tudo o que representa de modo tão voraz faz com que a esquerda seja obrigada a se unir em torno do Lula. O ponto de ebulição da crise brasileira tem chegado em seu ponto máximo: as eleições de 2018. Lula se coloca como candidato (portanto, como o representante dessa esquerda). Bolsonaro, por sua vez, representa o mesmo militarismo anti-João Goulart, a mesma direita anti-progressista que governou o país desde 1964. E por isso se tornou o “anti-Lula”. Michel Temer, Geraldo Alckmin e outros da mesma laia, representam as velhas oligarquias provincianas de sempre.

Neste jogo de três forças, temos a equação perfeita para a explosão do que resta de Brasil. O futuro do país está em suspenso. Para ser bem honesto, ele sequer existe. Porque seja quem sair ganhando, seja Lula, seja Bolsonaro ou a oligarquia, de qualquer forma o país perde. É um jogo perdido. Porque o Brasil já deu errado lá atrás, quando perdemos a figura do Imperador. Figura essa que Getúlio tentou encarnar e depois JK, Jango e, agora, Lula e Bolsonaro querem herdar.

O nosso sebastianismo, ou seja, a nossa busca por um salvador da pátria, advém do fato de sermos órfãos desde 1889. Desde quando Pedro II deixou o Brasil para sempre. A princesa Isabel nunca mais voltou. Seus filhos nunca mais voltaram para assumir o trono brasileiro. E desde então, buscamos incessantemente a grande referência nacional. A grande figura que nos unifique a todos (porque não somos e nunca fomos unificados). O problema é que não a temos. O Brasil de 2018 é um país dividido, polarizado, sem agenda, sem futuro e sem diálogo. O desespero toma conta da realidade nacional a cada dia que passa. E no meio deste pré-caos absoluto, as forças que dominaram o século XX inteiro se debatem para ver quem fica com os espólios.

Temo, porém, que não haverá espólios. Daqui para frente tudo o que veremos é a degradação constante do já rasgado tecido social brasileiro. Veremos mais divisão, mais desigualdade económica e assim por diante. O nosso futuro é a divisão territorial. É nos dividirmos em dois ou mais Brasis. Aquele Brasil unificado já não existe e nunca mais voltará a existir.

Por isso o Brasil não deu certo e nunca dará. Precisamos aceitar isso, para que a nossa vida seja mais sensata e para que nós, enquanto indivíduos, encontremos nosso caminho independente daquilo que chamamos de “Brasil”. Lutar por um moribundo não vale mais a pena. Se o povo conseguisse se unir para combater esta oligarquia, para combater tudo de ruim que nos ronda, haveria uma esperança. Mas esta união nunca vai acontecer. E por isso, é hora de desistirmos do Brasil.





Obrigado pela leitura,

Sasha Lamounier
Um Liberal Clássico