QUE BRASIL QUEREMOS?
Por
Sasha Lamounier
A
PEC 241
Primeiro, façamos um pequeno resumo conceitual
do que significa a PEC (Proposta de Emenda Constitucional – 241), de 2016, a
mais importante dos últimos 15 anos.
Ela prevê que o orçamento público
federal primário, destinado para educação, saúde, funcionalismo público,
construção etc, seja congelado nos
valores de 2016 para os próximos 20 anos,
corrigindo anualmente pela inflação. O que significa, na prática, que o
orçamento de 2016 será o mesmo até 2036.
Questões relevantes e não ditas por ai: esta
PEC não inclui a previdência (40%
dos gastos primários) e não inclui os juros compostos da dívida pública.
A intenção da PEC é sinalizar para o
investidor estrangeiro que o Brasil está controlando seus gastos e que, por
isso, é um lugar saudável para se investir. Teoricamente, isso faria o Brasil
crescer, economizando e diminuindo a pressão sobre a dívida.
Mas a pergunta que deve ser feita aqui é
outra: qual é o modelo de Brasil que a PEC 241 defende indiretamente?
Um
Projeto Nacional
Para além das dicotomias ideológicas, se
esquerda ou direita, estado mínimo ou inchado e assim por diante, temos de ser
pragmáticos. Economia significa economia política, antes de ser econometria.
Porque tudo que ronda a sociedade, no final das contas, se traduz tanto como
resultado econômico como também resultado político. Desde Adam Smith, economia
é um composto de agentes privados e públicos atuando ao mesmo tempo. Nunca
somente o agente privado.
Para este debate, precisamos compreender
para que existe um orçamento público e a lógica de combate ao aumento da dívida
via crescimento. A partir do momento em que o Estado existe enquanto
finalizador do processo social e formador de uma unificada vontade nacional,
ele possui também suas funções finais, as constitucionais, como por exemplo promover
o bem-estar do povo, o crescimento e independência do país. Para tanto, o
Estado através de seu Governo estrutura um cronograma de gastos e de receitas
via tributação que serão aplicados nas demandas da sociedade que representa.
Estas demandas, como dito, servem para atender os problemas que afligem a
sociedade diante da impossibilidade de se alcançar os fins maiores do Estado.
O problema do caso brasileiro é que
temos uma dívida crescente (hoje em 70% do PIB), uma queda séria na
arrecadação, um processo de desindustrialização forte, queda do PIB e uma
sociedade empobrecendo e aumentando de tamanho. Segundo dados oficiais do IBGE,
a população brasileira, que hoje é de 206 milhões, chegará a 223 milhões em
2030. Ao mesmo tempo o número de idosos crescerá, afetando tanto a previdência
social como também os cuidados com saúde. Portanto, o cenário em que a PEC é
apresentada é de profunda crise econômica, empobrecimento da população
(especialmente das classes média e pobre) e uma instabilidade política que
impede qualquer solução factual de longo prazo.
O maior temor que justifica esta PEC é
que a dívida continue crescendo até o ponto do calote, ou “sem retorno”,
afetando assim toda a economia e o orçamento público.
Contudo, será que a PEC é a única forma
de resolver o problema?
Qual é o grande “porém” da PEC 241, em
termos econômicos?
Milton Friedman já dizia que em
economia, importa mais aquilo que não se vê. Ou seja, os governos estão sempre
cheios de boas intenções, mas isso não significa que as propostas apresentadas
pelos governos vão, de fato, cumprir o objetivo da boa intenção. Importa
portanto observar aquilo que a proposta não diz.
No cenário em que o Brasil se encontra
atualmente, é inteligente congelar investimentos em educação e saúde para os
próximos 20 anos?
Vamos entender isso pela seguinte
metáfora.
Digamos que, no orçamento de 2016, é
investido 10 reais em educação e 15 em saúde. Num total de 25 reais para o
setor. Segundo a PEC, estes valores serão mantidos pelos próximos 20 anos,
corrigindo-se apenas pela inflação (IPCA). Isso significa que em 2017, 18, 19
até 2036, o valor investido pelo governo federal em educação e saúde continuará
sendo os 25 reais + inflação.
De que forma isso afeta a sociedade
brasileira?
Se temos uma sociedade que envelhece, se
temos mais pessoas nascendo, se temos cada vez mais pobres e mais necessidades
em educação e saúde, então obviamente o que é gasto em 2016 será INSUFICENTE
para os próximos 20 anos. Se hoje se gasta estes 25 reais, em apenas 2 anos
podemos pular para uma necessidade de investimento na ordem de 35 reais. Imagina
20 anos.
O primeiro grande problema da PEC,
portanto, é este corte abrupto no orçamento federal futuro. Considera-se corte,
pois NECESSARIAMENTE o Brasil terá mais problemas em educação e saúde do que
tem agora, uma vez que a sociedade brasileira está num curso ascendente tanto
de empobrecimento geral como de aumento populacional. Este cenário é melhor representado
no seguinte gráfico. Na linha vertical, considere uma projeção de investimentos
federais em saúde e educação frente ao aumento populacional. Digamos, em nosso
exemplo, que em 2016 é de 25 reais. Na linha horizontal, há os anos em que
aquele orçamento fica em vigor, considerando o aumento de demanda agregada.
Isso significa que, quando todos os
dados apontam para um aprofundamento da crise social e econômica no Brasil
(aumentando assim a demanda por serviços públicos de educação e saúde), a única
solução encontrada pelo governo é de congelar gastos primários em dois
fundamentais setores (educação e saúde) para os próximos 20 anos. Um orçamento
que afeta o SUS, afeta as escolas federais, as universidades federais, os
programas de assistência federal e assim por diante.
Se o projeto do governo é fazer o país
crescer e, com isso, arrecadar mais, pergunta-se: qual é o projeto nacional de
desenvolvimento do governo Temer?
Se o objetivo é atrair investimentos
estrangeiros para, com isso, gerar emprego e receita, será que o projeto
conseguirá evitar a escalada da dívida pública? Será suficiente gerar alguns
empregos e arrecadar um pouco mais, as custas da população mais debilitada?
Qual país do mundo civilizado se desenvolveu e pagou suas dívidas, sem uma burguesia nacional e sem uma massa minimamente desenvolvida?
A PEC 241 impede que o país desenvolva
sua indústria, uma vez que afetando o orçamento de universidades e escolas
federais, diminui-se um dos epicentros de excelência do país, que são as
instituições onde novas tecnologias podem surgir. Isso significa que o
brasileiro terá MENOR contribuição no processo de industrialização tecnológico
neste primeiro quarto de século. Ao mesmo tempo, diminuindo os gastos em saúde,
teremos mais serviços clandestinos surgindo, menos qualidade global nos
serviços e mais gente penando para sobreviver.
A PEC 241 é, por si mesma, um projeto de
colonização do Brasil. Pois se ela visa o investimento externo SEM NENHUM
programa de desenvolvimento interno, então estamos entregando o emprego do
brasileiro para as multinacionais internacionais, diminuindo a qualidade do
emprego, da própria renda e da própria arrecadação. A PEC 241 também afeta o
salário mínimo, que crescerá com muita lentidão nos próximos 20 anos, ao passo
que a sociedade empobrece continuadamente. O poder de compra do brasileiro será
minado e cada vez menos se produzirá riqueza nacional.
Portanto, é altamente provável que a PEC
diminuirá a qualidade da educação pública brasileira, inclusive gerando um
aumento de privatizações aos grandes conglomerados educacionais. Isso afetará
não apenas os campos de pesquisa e ciência (fundamentais para o desenvolvimento
da indústria nacional e internacional), como também afetará a educação básica,
impedindo que a mão-de-obra brasileira se qualifique.
Oras, com uma mão-de-obra cada vez menos
qualificada (e mais barata), com parcas alternativas de assistência médica de
qualidade aos mais pobres, com uma indústria se desfalecendo, com
multinacionais controlando nossa economia sem o brasileiro ter a capacidade de
competir com tais multinacionais, que fim isso dará?
Geraremos fortuna para grandes bancos
internacionais e grandes investidores estrangeiros, ao mesmo tempo em que
aprofundamos o colapso econômico brasileiro para toda a metade do século XXI. Com
um povo cada vez mais pobre, teremos menos arrecadação. Portanto, APESAR do
corte e da “economia de gastos” nos próximos 20 anos, nada impedirá que
tenhamos uma queda continuada da
arrecadação durante os próximos 20 anos e além. Se não teremos capacidade
de desenvolver riqueza nacional e de fortalecer a indústria nacional, então
nosso destino é nos tornamos quintal das grandes potências tecnológicas e
financeiras. Esta é a versão realista da PEC 241.
Não há outro cenário possível se esta
PEC passar. De um jeito ou de outro, o curso natural da dívida brasileira é
aumentar até o nível do calote. Ou nos próximos 4 anos, ou nos próximos 20 anos.
De todo modo, a dívida vai aumentar.
Um cenário mais otimista diria que
iríamos desenvolver nossa capacidade agropecuária e o Brasil se tornaria uma
potência de investimentos agrários (como já é), ao mesmo tempo em que a dívida
seria controlada pelos encargos recebidos de receitas da balança comercial e do
comércio doméstico, fundamentado pelo poder de compra limitado do brasileiro
diante da volta do emprego. Esta é a versão otimista. Mas até mesmo a versão
otimista nos mostra a perversidade do que nos espera. Cada vez mais dependência
externa, uma sociedade subdesenvolvida e um governo corrupto que mantêm o
sistema funcionando para servir a seus próprios interesses.
Nós não temos como frear a dívida com a
PEC 241. Porque esta PEC não nos garante desenvolvimento real, mas apenas
retarda um problema que é histórico na sociedade brasileira: o
subdesenvolvimento.
Qual deveria ser a alternativa a PEC 241?
Considerando as funções fundamentais do
Estado no processo geopolítico moderno e histórico, a solução correta para a
crise passaria por três fatores:
1. Austeridade
inteligente (cortar gastos em áreas secundárias, como propaganda do governo
federal, salários de políticos, juízes e assim por diante).
2.
Auditoria
da dívida (é necessário fazer um debate sério e público sobre a dívida federal,
uma vez que não se pode pagar aquilo que não se conhece profundamente.).
3. Reforma
tributária (Ao mesmo tempo, precisamos de uma urgente reforma tributária, que
facilite o investimento, o consumo e equilibre as contas. Portanto, precisamos
aumentar certos impostos e diminuir outros.).
Uma das tributações que PODEM ser
elevadas nesta reforma tributária e geraria uma receita extra ao governo em
pouco tempo é o imposto sobre herança.
Em países desenvolvidos, como EUA,
este imposto fica na ordem dos 40%.
No caso brasileiro, está apenas em 4%. A classe mais rica do Brasil é uma
das que MENOS pagam impostos. Se queremos desenvolver uma sociedade, PRECISAMOS
fortalecer a classe média, fortalecer o poder de investimento privado das micro
e pequenas empresas e controlar o orçamento, fazendo com que os empresários
brasileiros compitam com relevância perante os empresários estrangeiros. Uma
sociedade que dá muitos privilégios a sua classe rica é uma sociedade sem
competição. E onde não há competição, não há geração de riqueza.
Estas três etapas seriam, corretamente,
as três grandes reformas que tirariam o Brasil da crise num curto espaço de
tempo. Isso faria a receita aumentar, o Brasil voltaria a crescer e
controlaríamos, da mesma maneira, os encargos sobre a dívida pública. Além
disso, considerando estas propostas, um outro projeto de desenvolvimento nacional
seria possível. Controlando o orçamento e, ao mesmo tempo em que se atrai
investimentos externos e se desenvolve os micro e pequenos empresários, mais e
mais teremos capacidade de ciar uma burguesia nacional capaz de gerar dividendos.
Garantindo investimentos em educação, conseguiremos gerar incentivos em ciência
e tecnologia que permita a esta nascente burguesia nacional competir com o
mercado global. Desta forma, não estamos apenas combatendo a crise no Brasil,
mas estamos empoderando o brasileiro perante o mundo e ajudando o próprio mundo
a crescer!
Tudo é uma questão de interesses e convergências.
O problema do Brasil é que não temos uma sociedade unificada politicamente, o
que impede qualquer debate saudável no nível econômico. Também não temos uma
oligarquia interessada em desenvolver o Brasil, mas apenas em seus próprios e
provincianos interesses. Isso sem falar dos interesses externos que jamais
gostaram da ideia de ver um Brasil forte e independente.
Nós não precisamos ser um segundo EUA.
Não precisamos dominar o mundo. Mas a simples AUTONOMIA em gerar nossos
recursos da nossa maneira, de falar de igual para igual com grandes potências e
contribuir no cenário internacional de forma proactiva, é nosso dever enquanto
civilização. O que estão fazendo hoje através da PEC 241, através da
polarização radical na sociedade brasileira e da desinformação, é um processo
de desestruturação do projeto Brasil e de todas as suas potencialidades.
Só isso, já deveria ser razão suficiente
para se pegar em armas.
Obrigado pela leitura,
Sasha Lamounier
Um brasileiro.