21/10/2016

Que Brasil queremos?



QUE BRASIL QUEREMOS?

Por

Sasha Lamounier




A PEC 241


Primeiro, façamos um pequeno resumo conceitual do que significa a PEC (Proposta de Emenda Constitucional – 241), de 2016, a mais importante dos últimos 15 anos.

Ela prevê que o orçamento público federal primário, destinado para educação, saúde, funcionalismo público, construção etc, seja congelado nos valores de 2016 para os próximos 20 anos, corrigindo anualmente pela inflação. O que significa, na prática, que o orçamento de 2016 será o mesmo até 2036.

Questões relevantes e não ditas por ai: esta PEC não inclui a previdência (40% dos gastos primários) e não inclui os juros compostos da dívida pública.

A intenção da PEC é sinalizar para o investidor estrangeiro que o Brasil está controlando seus gastos e que, por isso, é um lugar saudável para se investir. Teoricamente, isso faria o Brasil crescer, economizando e diminuindo a pressão sobre a dívida.

Mas a pergunta que deve ser feita aqui é outra: qual é o modelo de Brasil que a PEC 241 defende indiretamente?



Um Projeto Nacional


Para além das dicotomias ideológicas, se esquerda ou direita, estado mínimo ou inchado e assim por diante, temos de ser pragmáticos. Economia significa economia política, antes de ser econometria. Porque tudo que ronda a sociedade, no final das contas, se traduz tanto como resultado econômico como também resultado político. Desde Adam Smith, economia é um composto de agentes privados e públicos atuando ao mesmo tempo. Nunca somente o agente privado.

Para este debate, precisamos compreender para que existe um orçamento público e a lógica de combate ao aumento da dívida via crescimento. A partir do momento em que o Estado existe enquanto finalizador do processo social e formador de uma unificada vontade nacional, ele possui também suas funções finais, as constitucionais, como por exemplo promover o bem-estar do povo, o crescimento e independência do país. Para tanto, o Estado através de seu Governo estrutura um cronograma de gastos e de receitas via tributação que serão aplicados nas demandas da sociedade que representa. Estas demandas, como dito, servem para atender os problemas que afligem a sociedade diante da impossibilidade de se alcançar os fins maiores do Estado.

O problema do caso brasileiro é que temos uma dívida crescente (hoje em 70% do PIB), uma queda séria na arrecadação, um processo de desindustrialização forte, queda do PIB e uma sociedade empobrecendo e aumentando de tamanho. Segundo dados oficiais do IBGE, a população brasileira, que hoje é de 206 milhões, chegará a 223 milhões em 2030. Ao mesmo tempo o número de idosos crescerá, afetando tanto a previdência social como também os cuidados com saúde. Portanto, o cenário em que a PEC é apresentada é de profunda crise econômica, empobrecimento da população (especialmente das classes média e pobre) e uma instabilidade política que impede qualquer solução factual de longo prazo.

O maior temor que justifica esta PEC é que a dívida continue crescendo até o ponto do calote, ou “sem retorno”, afetando assim toda a economia e o orçamento público.

Contudo, será que a PEC é a única forma de resolver o problema?

Qual é o grande “porém” da PEC 241, em termos econômicos?

Milton Friedman já dizia que em economia, importa mais aquilo que não se vê. Ou seja, os governos estão sempre cheios de boas intenções, mas isso não significa que as propostas apresentadas pelos governos vão, de fato, cumprir o objetivo da boa intenção. Importa portanto observar aquilo que a proposta não diz.

No cenário em que o Brasil se encontra atualmente, é inteligente congelar investimentos em educação e saúde para os próximos 20 anos?

Vamos entender isso pela seguinte metáfora.

Digamos que, no orçamento de 2016, é investido 10 reais em educação e 15 em saúde. Num total de 25 reais para o setor. Segundo a PEC, estes valores serão mantidos pelos próximos 20 anos, corrigindo-se apenas pela inflação (IPCA). Isso significa que em 2017, 18, 19 até 2036, o valor investido pelo governo federal em educação e saúde continuará sendo os 25 reais + inflação.

De que forma isso afeta a sociedade brasileira?

Se temos uma sociedade que envelhece, se temos mais pessoas nascendo, se temos cada vez mais pobres e mais necessidades em educação e saúde, então obviamente o que é gasto em 2016 será INSUFICENTE para os próximos 20 anos. Se hoje se gasta estes 25 reais, em apenas 2 anos podemos pular para uma necessidade de investimento na ordem de 35 reais. Imagina 20 anos.

O primeiro grande problema da PEC, portanto, é este corte abrupto no orçamento federal futuro. Considera-se corte, pois NECESSARIAMENTE o Brasil terá mais problemas em educação e saúde do que tem agora, uma vez que a sociedade brasileira está num curso ascendente tanto de empobrecimento geral como de aumento populacional. Este cenário é melhor representado no seguinte gráfico. Na linha vertical, considere uma projeção de investimentos federais em saúde e educação frente ao aumento populacional. Digamos, em nosso exemplo, que em 2016 é de 25 reais. Na linha horizontal, há os anos em que aquele orçamento fica em vigor, considerando o aumento de demanda agregada.  






Isso significa que, quando todos os dados apontam para um aprofundamento da crise social e econômica no Brasil (aumentando assim a demanda por serviços públicos de educação e saúde), a única solução encontrada pelo governo é de congelar gastos primários em dois fundamentais setores (educação e saúde) para os próximos 20 anos. Um orçamento que afeta o SUS, afeta as escolas federais, as universidades federais, os programas de assistência federal e assim por diante.

Se o projeto do governo é fazer o país crescer e, com isso, arrecadar mais, pergunta-se: qual é o projeto nacional de desenvolvimento do governo Temer?

Se o objetivo é atrair investimentos estrangeiros para, com isso, gerar emprego e receita, será que o projeto conseguirá evitar a escalada da dívida pública? Será suficiente gerar alguns empregos e arrecadar um pouco mais, as custas da população mais debilitada? Qual país do mundo civilizado se desenvolveu e pagou suas dívidas, sem uma burguesia nacional e sem uma massa minimamente desenvolvida?

A PEC 241 impede que o país desenvolva sua indústria, uma vez que afetando o orçamento de universidades e escolas federais, diminui-se um dos epicentros de excelência do país, que são as instituições onde novas tecnologias podem surgir. Isso significa que o brasileiro terá MENOR contribuição no processo de industrialização tecnológico neste primeiro quarto de século. Ao mesmo tempo, diminuindo os gastos em saúde, teremos mais serviços clandestinos surgindo, menos qualidade global nos serviços e mais gente penando para sobreviver.

A PEC 241 é, por si mesma, um projeto de colonização do Brasil. Pois se ela visa o investimento externo SEM NENHUM programa de desenvolvimento interno, então estamos entregando o emprego do brasileiro para as multinacionais internacionais, diminuindo a qualidade do emprego, da própria renda e da própria arrecadação. A PEC 241 também afeta o salário mínimo, que crescerá com muita lentidão nos próximos 20 anos, ao passo que a sociedade empobrece continuadamente. O poder de compra do brasileiro será minado e cada vez menos se produzirá riqueza nacional.

Portanto, é altamente provável que a PEC diminuirá a qualidade da educação pública brasileira, inclusive gerando um aumento de privatizações aos grandes conglomerados educacionais. Isso afetará não apenas os campos de pesquisa e ciência (fundamentais para o desenvolvimento da indústria nacional e internacional), como também afetará a educação básica, impedindo que a mão-de-obra brasileira se qualifique.

Oras, com uma mão-de-obra cada vez menos qualificada (e mais barata), com parcas alternativas de assistência médica de qualidade aos mais pobres, com uma indústria se desfalecendo, com multinacionais controlando nossa economia sem o brasileiro ter a capacidade de competir com tais multinacionais, que fim isso dará?

Geraremos fortuna para grandes bancos internacionais e grandes investidores estrangeiros, ao mesmo tempo em que aprofundamos o colapso econômico brasileiro para toda a metade do século XXI. Com um povo cada vez mais pobre, teremos menos arrecadação. Portanto, APESAR do corte e da “economia de gastos” nos próximos 20 anos, nada impedirá que tenhamos uma queda continuada da arrecadação durante os próximos 20 anos e além. Se não teremos capacidade de desenvolver riqueza nacional e de fortalecer a indústria nacional, então nosso destino é nos tornamos quintal das grandes potências tecnológicas e financeiras. Esta é a versão realista da PEC 241.

Não há outro cenário possível se esta PEC passar. De um jeito ou de outro, o curso natural da dívida brasileira é aumentar até o nível do calote. Ou nos próximos 4 anos, ou nos próximos 20 anos. De todo modo, a dívida vai aumentar.

Um cenário mais otimista diria que iríamos desenvolver nossa capacidade agropecuária e o Brasil se tornaria uma potência de investimentos agrários (como já é), ao mesmo tempo em que a dívida seria controlada pelos encargos recebidos de receitas da balança comercial e do comércio doméstico, fundamentado pelo poder de compra limitado do brasileiro diante da volta do emprego. Esta é a versão otimista. Mas até mesmo a versão otimista nos mostra a perversidade do que nos espera. Cada vez mais dependência externa, uma sociedade subdesenvolvida e um governo corrupto que mantêm o sistema funcionando para servir a seus próprios interesses.

Nós não temos como frear a dívida com a PEC 241. Porque esta PEC não nos garante desenvolvimento real, mas apenas retarda um problema que é histórico na sociedade brasileira: o subdesenvolvimento.



Qual deveria ser a alternativa a PEC 241?



Considerando as funções fundamentais do Estado no processo geopolítico moderno e histórico, a solução correta para a crise passaria por três fatores:

1.   Austeridade inteligente (cortar gastos em áreas secundárias, como propaganda do governo federal, salários de políticos, juízes e assim por diante).

2.      Auditoria da dívida (é necessário fazer um debate sério e público sobre a dívida federal, uma vez que não se pode pagar aquilo que não se conhece profundamente.).

3.   Reforma tributária (Ao mesmo tempo, precisamos de uma urgente reforma tributária, que facilite o investimento, o consumo e equilibre as contas. Portanto, precisamos aumentar certos impostos e diminuir outros.).


Uma das tributações que PODEM ser elevadas nesta reforma tributária e geraria uma receita extra ao governo em pouco tempo é o imposto sobre herança. Em países desenvolvidos, como EUA, este imposto fica na ordem dos 40%. No caso brasileiro, está apenas em 4%. A classe mais rica do Brasil é uma das que MENOS pagam impostos. Se queremos desenvolver uma sociedade, PRECISAMOS fortalecer a classe média, fortalecer o poder de investimento privado das micro e pequenas empresas e controlar o orçamento, fazendo com que os empresários brasileiros compitam com relevância perante os empresários estrangeiros. Uma sociedade que dá muitos privilégios a sua classe rica é uma sociedade sem competição. E onde não há competição, não há geração de riqueza.

Estas três etapas seriam, corretamente, as três grandes reformas que tirariam o Brasil da crise num curto espaço de tempo. Isso faria a receita aumentar, o Brasil voltaria a crescer e controlaríamos, da mesma maneira, os encargos sobre a dívida pública. Além disso, considerando estas propostas, um outro projeto de desenvolvimento nacional seria possível. Controlando o orçamento e, ao mesmo tempo em que se atrai investimentos externos e se desenvolve os micro e pequenos empresários, mais e mais teremos capacidade de ciar uma burguesia nacional capaz de gerar dividendos. Garantindo investimentos em educação, conseguiremos gerar incentivos em ciência e tecnologia que permita a esta nascente burguesia nacional competir com o mercado global. Desta forma, não estamos apenas combatendo a crise no Brasil, mas estamos empoderando o brasileiro perante o mundo e ajudando o próprio mundo a crescer!

Tudo é uma questão de interesses e convergências. O problema do Brasil é que não temos uma sociedade unificada politicamente, o que impede qualquer debate saudável no nível econômico. Também não temos uma oligarquia interessada em desenvolver o Brasil, mas apenas em seus próprios e provincianos interesses. Isso sem falar dos interesses externos que jamais gostaram da ideia de ver um Brasil forte e independente.

Nós não precisamos ser um segundo EUA. Não precisamos dominar o mundo. Mas a simples AUTONOMIA em gerar nossos recursos da nossa maneira, de falar de igual para igual com grandes potências e contribuir no cenário internacional de forma proactiva, é nosso dever enquanto civilização. O que estão fazendo hoje através da PEC 241, através da polarização radical na sociedade brasileira e da desinformação, é um processo de desestruturação do projeto Brasil e de todas as suas potencialidades.

Só isso, já deveria ser razão suficiente para se pegar em armas.

Obrigado pela leitura,

Sasha Lamounier
Um brasileiro.