11/12/2014

Entendendo o Contrato Social



ENTENDENDO O CONTRATO SOCIAL
                                                                                    


Introdução


A intenção deste artigo é ser didático e objetivo. A contextualização histórica do que levou os três diferentes e principais autores (Hobbes, Locke e Rousseau) a discorrerem sobre o contrato social, demandaria um artigo a parte. Assim como necessitaria de outro artigo para tratar dos comentadores e estudiosos do contrato social. Portanto, citarei os autores clássicos de modo pontual sem maiores danos a praticidade deste artigo.

Uma das maiores falácias contra o Estado é o velho argumento "onde assinei o contrato social". Ao invés de recorrer a toda rica fonte de autores que tratam do tema, buscarei explicar de maneira simples o que é o contrato social, se existe e como funciona para, a partir disso, passarmos a ler os clássicos (aqui citados) e entender o que eles querem dizer com suas obras.

Então vamos começar do começo. Quando o homem nasce, ele é um ser completamente indefeso. Ao contrário de outros animais, o homo sapiens filhote é incapaz de fugir das presas e de preservar sua vida sem a ajuda de outro homo sapiens mais capaz. Isso é um fato. Inclusive, a família é a primeira instituição de uma civilização. Entenda por família quem produz a espécie e a mantêm. Portanto, desde o começo da vida humana nós já sabemos que o “direito natural”, sozinho, não significa muita coisa. “Ter” o direito natural não impede que o ser humano tenha seus direitos infligidos. É por isso que bebês choram. É a única forma, instintiva, que conhecem de expressar suas necessidades.

Esta diferença na formação do homo sapiens indica que somos uma espécie muito frágil para um mundo tão brutal. Claro que poderíamos citar o indelével avanço genético que nossa espécie sofreu até que tivéssemos um crânio e um cérebro maior, capaz de gerar uma cognição mais ampla. Mas, isso não é muito importante neste artigo. O que importa são os fatos. E, em posse deles, o fato é que nos adaptamos a uma situação de perigo iminente, onde não só a natureza em si poderia nos destruir, como também outros homo sapiens poderiam nos destruir repentinamente e por motivos diversos. Em seu surgimento, o homo sapiens era uma população minoritária no planeta. Portanto, em todos os sentidos, na luta pela sobrevivência, a humanidade começou perdendo. O que nos fez avançar foi à sociedade. Portanto, a civilização, o conjunto cooperativo de homo sapiens organizados em torno de objetivos comuns.

Mas o que são os direitos naturais? São condições que o homem possui ao nascer. Portanto, logicamente, ao nascer à primeira coisa que a natureza lhe deu foi à vida. Com ela você pode fazer o que quiser de acordo com o contexto que o ambiente lhe propicia. Isso é liberdade. E você tem em seu corpo o local onde vive a vida e a liberdade. Isso é propriedade. Surge assim a tríade clássica dos direitos naturais: vida, liberdade e propriedade.


O Estado de Natureza

Mas eles só conseguem ser plenos no estado de natureza, uma interpretação central para a compreensão do contrato social. E é aqui, no estado de natureza, que começa o problema. Para Hobbes, o estado de natureza existiu e era basicamente formado por uma condição de constante guerra, pois o homem é naturalmente egoísta e buscaria preservar seus interesses individuais (vida, liberdade e propriedade), como bem quisesse. Daqui surge a famosa frase hobbesiana “o homem é lobo do homem”. Para Locke, o estado de natureza ainda permanece hoje, porém controlado devido ao interesse comum de viver pacificamente em busca da prosperidade. Já para Rousseau, contrariando os dois últimos autores, a vida no estado de natureza era pacífica e harmoniosa, pois a natureza dava ao homem tudo aquilo que ele necessitava. É a tese do “bom selvagem”. Apesar destas diferentes interpretações, os três autores concordam que este estado de natureza existiu, em teoria ou prática e que foi a partir dele que surgiram as civilizações posteriores. Ou seja, foi superando o estado de natureza que a história (com H) começou.

Como alertado no início deste artigo, não é de nosso interesse agora buscar compreender cada um dos autores, mas sim o conceito que constitui o contratualismo, discorrido pelos três.

Sendo assim e com o que já temos até aqui, vamos considerar alguns fatos:

1º. Todo ser humano tem direito natural à própria vida, liberdade e propriedade.

Mas para Hobbes e Locke isso, por si só, não é suficiente. Como espécie, queremos sobreviver. Mas fazemos diferentes interpretações desta busca. Portanto, não somos pacíficos. Queremos a nossa sobrevivência nem que para isso seja necessário impedir a do outro. Isso nos leva ao segundo fato.

2º. Estes direitos precisam, igualmente, que sejam respeitados impositivamente para que não sejam infligidos por terceiros.

Aqui já nasce o conceito de contrato. Somos naturalmente livres, mas abdicamos de parte de nossa liberdade, em nome de uma força coercitiva que obrigue os depredadores dos direitos naturais a nos respeitarem. Tanto para Hobbes como para Locke é este o conceito de Estado e sua função na vida humana. Podemos considerar Estados desde os primeiros clãs (famílias) que se uniam em torno de grupos armados de caçadores-guerreiros, até os Estados modernos que a rigor possuem os mesmos caçadores-guerreiros, mas com outros nomes.


O Contrato Social e seus autores

Para Rousseau, porém, tudo o que surgiu como superação do estado de natureza foi uma corrupção dos valores naturais do homem. Ou seja, para ele a propriedade privada era a chave pela qual a humanidade perdeu sua “pureza”. A maçã do pecado é a propriedade privada que daria origem aos Estados. Para Hobbes e Locke é basicamente a propriedade privada (direito de propriedade) que geraria o surgimento dos Estados (clãs, tribos, reinos, impérios, nações etc). Nota-se que os três autores concordam em uma coisa: a propriedade privada gerou o Estado. Para Rousseau isso é negativo, mas para Hobbes e Locke isso é positivo. Para Hobbes, especialmente, a produtividade só é possível em uma ordem social pacífica, onde desordeiros da vida humana seriam coibidos por um poder central e forte, legitimado por todos os seres humanos que estivessem comprometidos com a preservação dos direitos naturais. Para Locke, o princípio é o mesmo, com uma diferença simples. Este poder central e forte seria uma construção constante tendo como base a racionalidade humana. Ambos endossam a liberdade como o impulso que moveu os homens a criarem o Estado, visto que a sobrevivência é uma necessidade do homem para além de suas vontades.

Já Rousseau diz que esta liberdade não é plena se não houver igualdade entre os homens (igualdade esta em todos os sentidos, principalmente de poder). Por isso que a propriedade privada é um corruptor do ser humano, para Rousseau. A igualdade é um princípio mais preponderante e é esta busca que norteia todo o trabalhou rousseaniano.

Sendo assim, compreendendo o que os autores refletem, já temos uma definição de contrato social. O contrato social nada mais é do que a voluntária associação de homo sapiens em busca da preservação de seus direitos naturais, estabelecendo, para isso, regras de convívio social e um centro de comando que administra estas regras e as impõe diante daqueles que discordam destas regras. É voluntário, pois os homens abdicam (abdicar - verbo indicador de ação) de seus direitos plenos em nome de um bem maior: a convivência pacífica. Ninguém impôs o contrato social, visto que ele não existia no estado de natureza. Foi a voluntariedade humana que a criou!

Respondendo aquela falácia citada no começo do artigo: onde, então, assinei o contrato social? A resposta é simples: ao nascer. O contrato social, por ser uma cooperação coletiva pela preservação dos direitos naturais (ganhos pelo homem ao nascer), endossa que todo ser humano tem o direito a vida, a liberdade e a propriedade. Mas que a simples existência destes direitos não é suficiente para garanti-los. Por isso a coerção se faz necessária. Deste ponto em diante, podemos compreender todo o arcabouço da ciência política moderna, desde os contratualistas até os utilitaristas e juspositivistas de modo geral.


Considerações Finais

Entendendo isso, compreendemos também o conceito de sociedade civil. A sociedade civil é feita por todos os seres humanos (homo sapiens) nascidos dentro de um contrato social (Estado). Isso nos torna cidadãos, ou seja, membros da cidade. Foi com Hobbes e Locke que nasceu o conceito de cidadão moderno (influenciados por Aristóteles). E com o conceito de cidadão, surge o conceito de individualidade, tão caro aos liberais. Só há individualidade positiva se houver contrato social. Pois sem o contrato social, estamos no estado de natureza, onde todo homem é livre para fazer o que quiser, sem repreensões morais, pois estas são advindas da civilização e não da natureza (que é amoral). A própria cultura começa a partir do momento em que há contrato social. Os valores são construções da civilização ao longo dos milênios. Sempre visando à compreensão da realidade e a preservação da espécie.

Há outro fato que nos ajuda a compreender o conceito de cidadania no contrato social dos Estados modernos. Todo ser humano já nasce dentro de um território pertencente a um grupo de seres humanos que compartilham do mesmo lugar. O território é um recurso escasso, vide que há um limite geográfico no globo terrestre. E todo homem nasce, necessariamente, em um destes territórios. Se ele assina o contrato social ao nascer, então por direito de nascimento ele é um dos donos daquele território! É a forma de preservar o direito natural a propriedade para todos os indivíduos. Mas como o homem é um animal social e não individualista, pois ele necessita de humanidade para existir e compartilhar do território, então ele é proprietário-sócio de um grande esforço coletivo chamado país (Estado-nação).

A dicotomia entre Hobbes/Locke e Rousseau é a velha discussão filosófica da natureza humana. Qual é a natureza do homem? Ele é naturalmente bom e a sociedade o corrompe, ou ele é lobo de si mesmo? São as perguntas que filósofos de todas as eras tentaram responder, e os contratualistas não fugiram da regra. O liberal, por ser influenciado especialmente por Locke, mas também por Hobbes, entende que o homem tende a ser egoísta e que, portanto, não está naturalmente direcionado a uma convivência pacífica. Somos seres racionais e, como seres racionais, criamos o Estado, justamente para coibir a irracionalidade que também faz parte do ser humano. A função do Estado, portanto, é a segurança e a justiça, pois é com isso que se preservam os direitos naturais.

Há uma diferença fundamental entre os três autores, que deve ser ressaltada. Para Hobbes, o estado forte e central existia numa relação hegemônica. O homem nasceu num estado de natureza por ele denominado “todos contra todos”. Por isso, é importante que o Estado tenha participação ativa na sociedade. É o famoso Leviatã. Já para Locke, o contrato social é formado pela confiança e consentimento. O homem abdica de parte de seus direitos naturais plenos para, através da racionalidade, estipular governo que, numa via comum entre sociedade e autoridade, organizariam a vida social de modo a preservar os direitos naturais, especialmente o de propriedade. O Estado para Locke não deve ser forte e central como para Hobbes. Mas sim, uma troca onde o governo serve ao povo e o povo abdica da plenitude de seus direitos naturais em troca de um bem comum (é uma relação de reciprocidade). Já Rousseau diz que o Estado é a unidade que representa a vontade geral. Ou seja, se Hobbes e Locke dizem que o Estado é uma necessidade da humanidade, Rousseau diz que é parte da própria natureza do homem e que tudo feito pelo Estado, se legitimado pelo povo, é de fato legítimo, pois representa a vontade geral, o desejo mútuo da maioria.

Em suma, toda organização humana demanda contratos. E o contrato social nada mais é do que o direito natural positivado. A partir do momento em que há quem obrigue que certos direitos sejam respeitados, ativa ou passivamente, há contrato social. O estado de natureza, que Hobbes e Locke se opunham, era justamente a condição de vida humana primitiva onde não havia nenhuma garantia dos direitos naturais.

É uma compreensão simples e eficaz. Creio que neste artigo consegui expressar com certa exatidão o conceito do contrato social e demonstrar que sim, ele existe. Sim, ele funciona. E sim, ele é necessário. Qualquer um que imagine um mundo sem Estados, estará imaginando um mundo sem contratos sociais. Portanto, sem garantia dos direitos naturais. O fato é que se nenhuma experiência humana progrediu sem a presença de um contrato social, é porque empiricamente, na experiência humana, ele é um fato incontestável. E, ainda mais, sem contrato social não haveria civilização e sem civilização, não haveria nem mesmo o conceito de individualidade e liberdade.


Obrigado pela leitura,

Sasha Lamounier,
Um liberal Clássico


Porto, Portugal - 11 de Dezembro de 2014.