04/12/2015

A Revolta do Jeca Tatu


A Revolta do Jeca Tatu


Por


Sasha Lamounier




Presságios


Desde sempre eu tive compromisso com a verdade, seja ela qual for. Sempre acreditei que mais vale uma verdade amarga do que mil mentiras doces. Nesta semana, no dia 02 de Dezembro, o ano chegou ao estopim de uma futura tragédia anunciada. O tal impeachment! E aqui não digo quem está certo ou errado, apenas relato fatos óbvios e mais que notórios para qualquer pessoa sensata.

Em 2013, tivemos aquelas grandes manifestações, de um povo que resolveu ir às ruas exigir direitos. Em 2014, uma Copa do Mundo no Brasil, perdida de forma humilhante. Logo depois, eleição, com o país dividindo-se entre o antipetismo e o petismo. Por uma pequena margem, vence o petismo. Em 2015, começamos com um conjunto de perdedores que se compromissaram em derrubar os vencedores. Novamente, houve manifestações. Não fui às ruas, mas escrevi dois artigos para o Movimento Brasil Livre. Escrevi dois textos que falavam de consciência, de liberdade e de autonomia. Pois sou partidário da tese de que defender algo é ser pró alguma coisa, não anti. Achei por bem dizer o que eu defendia.

O ano foi passando. Entre marchas, manifestações e mais pedidos de impeachment, comecei a questionar muitas convicções que, outrora, me levaram ao mesmo antipetismo. Eu defendo e sempre defendi a liberdade, a independência e a autonomia. Também sempre gostei de economia, de política, de sociologia, de cultura e de história. Como todo jovem da minha geração, sonhava em fazer parte da história. Mas durante este ano de 2015, notei que a história é uma mentira. E eu sempre fui muito fiel à verdade para fazer parte de uma mentira.

Optei então por ser um cara do mundo atual. A história está no passado e querer fazer história é querer competir com o passado. Eu não quero competir com ninguém. Não quero repetir nada. Por isso, reavaliei sim muitas das minhas antigas decisões. Eu já fui um anti-PT convicto. Já acreditei na história do PT comunista. Pensava que a “nova direita” estava começando a surgir. Até perceber que o que eu defendia não fazia parte da “nova direita”. De nova ela não tem nada. O PT nunca foi comunista. Ser anti-PT é o que, afinal? Ser anti alguma coisa não é defender absolutamente nada. Essa é a verdade. É odiar, tão e unicamente. E eu não quero viver uma vida odiando algo. Por isso, renunciei ao ódio. Eu quero propor, mudar, fazer diferente. Mas não odiar.

E renunciando ao ódio, renunciei ao revanchismo. Renunciei ao dogmatismo e finalmente renunciei a ignorância. Não defendo ninguém e nem combato alguém. Eu defendo minha consciência. É querer demais nestes tempos? Será que só temos a opção de odiar? O PT odeia a nova direita e esta nova direita dá cada vez mais motivos para isso. A nova direita odeia o PT, e o partido não sabe lidar com essa situação. Chegamos a um impasse que, nas minhas mais honestas previsões, não será nada agradável.

O PT representa um conjunto de ideias muito caro a grande parte da esquerda brasileira. Não é necessário ser sociólogo para entender o contexto e os motivos que fizeram do PT o partido que é. Do mesmo modo, a nova direita não nasceu ontem. Ela reproduz o mesmo discurso que décadas atrás motivou o surgimento de um partido como o PT. Um discurso que tenta “limpar” a barra da ditadura. Um discurso que tenta marginalizar a esquerda. Um discurso que tenta fechar partidos e “refundar a nação”.


O Dilema de Narciso



O problema do PT e da “nova direita” é achar que podem “refundar” o Brasil. Ambos, dogmáticos, acreditam em suas visões de mundo e de futuro como a única alternativa possível para o país dar certo. Radicalização. É nesta seara que nos encontramos agora e isso tende a aumentar.

Juridicamente falando, há argumentos sérios e sólidos para a defesa de Dilma contra este impeachment. Como também há argumentos a favor do impeachment. De todo modo, ainda que juridicamente a Presidente seja inocente, o julgamento é político. E aqui devemos perguntar: quem comanda a política nacional?

Estudando história, indo a fundo nela, você percebe que são poucos aqueles que têm domínio dos acontecimentos e das narrativas. Bem poucos. E sinto lhe informar, mas o Estado não é o nosso maior inimigo. O Estado brasileiro é grande, gordo e fraco. É um Estado dependente de uma oligarquia dominante e poderosa, aliada de cinco famílias da grande mídia. Eu acho incrível como que tem gente que acha normal uma organização de comunicação dominar os mercados de televisão, jornal impresso, rádio e TV a cabo. O brasileiro vive numa grande ilusão. Qual é o Brasil que o brasileiro conhece? Qual é a perspectiva? O que você sabe do seu próprio país?

A verdade mesmo é que tudo não passa de um circo onde ninguém é herói. Tudo muda para continuar a mesma coisa. Aqueles que querem “fazer história”, não passam de manipulados por um sistema de informação que serve a interesses restritos. São 20% da nova direita influenciadas por 1% da velha direita. 

Considerando tais fatores, segue minha análise política e econômica. Bem simples. Como costumo dizer, a complexidade é apenas um conjunto de simplicidades.



Uma Casa Dividida


O país está dividido entre o petismo (vermelho) e o antipetismo (verde). São os discursos deste teatro. Mas engana-se quem acha que há maiorias absolutas. São 200 milhões de brasileiros. Ainda que as manifestações em 2015 tenham colocado nas ruas cinco milhões destes brasileiros, ainda assim, há mais de 190 milhões que ninguém sabe de verdade a opinião. Dizer que 90% da população é anti-PT é um exagero. 90% estão insatisfeitos com a economia, com o não ter dinheiro para pagar as contas, com a perda do poder de compra e com a estima lá embaixo. Só isso. Melhore a economia um pouco, e estes 90% de antipetismo vai embora rapidinho. A “nova direita” não passa de 20%. Assim como a esquerda, que na verdade, não passa de 20% também.

A “nova direita” é formada em sua grande maioria por pessoas do sudeste e sul brasileiro, com escolaridade e acesso a Internet. Pessoas de classe média, desde a média-baixa até a média-alta. Brasileiros e brasileiras que só querem viver o padrão de consumo que é incentivado por uma informação globalizada nas redes sociais. Em sua maioria, são brasileiros com acesso a Internet. Formada por jovens que buscam “fazer história”. Encontraram no PT o inimigo perfeito para viver seus sonhos Don Quixotescos de “refundar a pátria”. No fundo todo mundo quer ser a pessoa que “salvou o Brasil”. Por isso, para muitos, o Brasil não pode dar certo até que ele, o herói, apareça para salvar o país. É isso que move a nova direita.

A esquerda (simbolizada pelo PT enquanto governo, enquanto símbolo) é composta por estudantes e militantes que, munidos de um discurso reformista, querem manter em marcha suas teses de “salvação do Brasil”. O perfil é parecido com a da “nova direita”. Com a diferença que sua formação não é apenas a classe média baixa e alta, mas também setores das classes mais humildes (estudantes formados em escolas técnicas e trabalhadores) que facilmente são absorvidas pelo discurso reformista. Estão mais presentes no nordeste e parte do sudeste brasileiro, assim como estão dispersos pelo norte, centro-oeste e sul.

Estes dois grupos são, em conjunto, 40% da população brasileira. Ou seja, numa estimativa, trata-se de 80 milhões de pessoas espalhadas por todo o Brasil, cujas mentalidades perpassam pela “nova direita” e pela “esquerda” militante.

Enquanto isso, onde estão os demais brasileiros? Onde estão os 60%? Onde estão os 120 milhões de brasileiros que não abraçaram nenhuma causa? Trabalhando! Enquanto tem gente indo à rua para ser herói da pátria, ou escrevendo teses e mais teses facebookianas, outros tantos estão jogando o lixo fora que a cidade deixa na madrugada, estão na padaria de manhã cedo, estão nas obras ou nos caixas de supermercado, são os motoristas de ônibus e os taxistas raivosos com o Uber. São estudantes que não tem nenhum interesse em atacar ou defender ninguém, mas que querem apenas viver. Pessoas que pensam em casar, ter filhos, se divertir, viver uma vida digna e conquistar algumas coisas, como uma viagem internacional, um carro, um apartamento e assim por diante. Este é o verdadeiro Brasil. Esta é a maioria do povo brasileiro. O mesmo Brasil que morreu junto do Rio Doce.

Com eles, com os 60%, há diálogo. Não são radicalizados. Não são dogmáticos e não querem “salvar” ou “refundar” o Brasil. Querem apenas viver. Por isso são pragmáticos o suficiente para encontrar um caminho pacífico para todos os problemas.

Mas quem está na linha de frente das redes sociais e da Internet, cujo ambiente é o maior incentivador das mudanças recentes no país, é a “nova direita” e a “esquerda militante”. E quem usa as redes sociais, ao ver o volume de conteúdo gerado por essa galera dos 40%, acha que o país todo está nesta balbúrdia ideológica. A grande mídia também ajuda nesta impressão, mostrando uma situação cada vez mais caótica e desesperadora.



Ocaso da Temperança


Não há caminhos para o diálogo com estes 40%, pois a “nova direita” quer que o Brasil volte ao status de “nação do futuro”. Ao mesmo tempo o PT e as esquerdas quer manter a tese de que eles são os “salvadores da pátria”. Neste embalo, duas coisas aumentam: a amargura e o ressentimento.

Havendo impeachment, o PT não permitirá dar-se por vencido e partirá para o combate. Um combate jurídico, mas também ideológico. A questão é que grande parte da população que viveu por muito tempo com o Bolsa Família e conseguiu conquistas na vida durante a era PT irão aderir a este discurso. E são milhões e milhões de brasileiros.

Em caso contrário, não havendo o impeachment, a “nova direita” não se dará por vencida e tentará a todo custo minguar e destruir o governo petista, que acusam de ser o “maior mal do Brasil”. Com a economia piorando, vão ganhar mais adeptos a sua causa “patriótica”. E são milhões e milhões de brasileiros.

Portanto, não há mais volta. Agora entramos na ciranda do ódio e do ressentimento constante. Cada vez mais aquilo que está em larga escala nas redes sociais, irá também para a vida na rua. Socialmente, trata-se de um círculo vicioso da pior espécie. Ódio que gera ódio. Intolerância. Da intolerância, vamos para o medo e para a raiva. Isso é uma constante da crise “espiritual” do Brasil nos próximos tempos. E esta constante será conhecida na economia como “instabilidade social e política”.

Na economia, são necessários alguns fatores para a prosperidade. O primeiro deles é estabilidade. Quando um ambiente é estável, torna-se possível as trocas acontecerem sem impedimentos alheios à própria troca. Por isso um sistema estável gera incentivos para as pessoas empreenderem. A ciranda da economia é, como tudo na vida, bem simples. Se eu posso fazer trocas, eu posso aumentar a renda. Se eu aumento minha renda, posso consumir. Se eu posso consumir, empresas podem produzir mais, pois sabem que eu irei consumir. Enquanto elas produzem mais, gerarão mais empregos. E com mais empregos, haverá mais salários. E com mais salários, mais renda e mais consumo. Mais riqueza, mais produção e assim por diante. Seria o círculo virtuoso da estabilidade.

Mas quando há instabilidade, acontece exatamente o inverso. Em um ambiente incapaz de garantir segurança para as trocas (comércio) entre as pessoas, aqueles que podem colocar dinheiro na economia, não colocarão mais, por receio de perder o investimento. Com menos dinheiro haverá menos produção. Com menos produção, haverá também menos empregos. Com menos empregos, a renda diminui. Com menos renda, há menos consumo. E com menos consumo, há ainda menos produção e tudo recomeça. Como resultado da instabilidade, aumentam os pobres e as classes médias inferiores. As classes médias altas e as classes altas tenderão a sair do país, num êxodo financeiro.

Como diria o grande Ruy Barbosa: “Má conselheira é a fome, especialmente para a multidão, em cujo seio há muitos instintos bons, muitas tendências nobres, muitos impulsos desinteressados, mas há também as paixões da ignorância, da indigência, da força. Quando, portanto, a necessidade, que, creio eu, desde que o mundo é mundo, não tem lei, lhe estiver surdamente despertando n'alma esses sentimentos cegos, importa reagir, com certa prudência, no sentido oposto, avivando-lhe esses sentimentos contrários, de abnegação, de paciência, de esperança, de altivez, de fé no trabalho, de ódio à injustiça, tão profundos no povo, mas tantas vezes entibiados, e, entretanto, tão necessários, tão salvadores nesses tempos de provação.”.

É este cenário de instabilidade que prevejo para o futuro. E será longo. Com mais pobreza, haverá menos conhecimento. O povo que tentava “acordar”, voltará a adormecer na grande cama das ilusões novelistas de todo dia. Aquele vislumbre de uma vida um pouco melhor irá embora, deixando para as futuras gerações a sensação de injustiça, de vingança e da necessidade de se “refundar o Brasil”. Temo pelas gerações futuras, que viverão em um Brasil dividido, amargurado, vingativo e pobre.

Por isso que, já prevendo estas coisas e sabendo que a história está mudando, mas para ficar igual ou pior ao passado, eu reneguei a famigerada luta de “refundação do Brasil”. Não faço parte nem dos pró impeachment e nem dos anti impeachment. Faço parte daqueles que querem apenas diálogo. Que honestamente acreditam na democracia, na liberdade e na autonomia dos indivíduos. Que acredita na pátria como o lugar onde nós nascemos, crescemos, casamos e educamos nossos filhos. É com estes brasileiros que me alio.  O Brasil não precisa ser “refundado” ou “salvo”. O Brasil precisa apenas se encontrar. Nós carregamos em nós o dom de sermos capaz. De sermos felizes. Nosso sucesso não está em ninguém lá fora. Não está em “salvadores da pátria”. Está dentro daquilo que chamamos de “casa”.





Grato pela leitura,

Sasha Lamounier
Um brasileiro



05 de Dezembro de 2015


11/11/2015

A Liberdade



A LIBERDADE

Por

Sasha Lamounier



Introdução

Liberdade é aquela palavra que todo mundo fala, conhece, mas poucos realmente sabem o que significa. Para contribuir na busca pela definição de liberdade, escrevi o presente texto, cujo intuito é apenas facilitar o entendimento e incluir novos dados neste que tem sido um dos mais intensos debates de sempre. 


Há muitas formas de entendermos a liberdade. Nomeadamente, costumamos estuda-la pelo prisma da liberdade humana. Pela análise puramente técnica e política, liberdade pode ser tanto ausência de coerção, como a autonomia máxima do indivíduo. Há, porém, alguns que afirmam que a liberdade não é sequer um princípio. Enquanto outros dizem que ela não pode existir sem, antes, a igualdade material. Os liberais afirmam que a liberdade é um direito natural, portanto, parte integrante de outros dois princípios, tais como vida e propriedade. Esta visão do direito natural constitui o direito negativo, onde ninguém pode tirar de você aquilo que já é seu. Deste, surge o direito positivo e a liberdade pela lei, onde você não pode fazer nada que interfira nos direitos alheios, sob pena de ser punido se fazê-lo.

De forma resumida, o debate a cerca da liberdade enquanto princípio político e normativo ronda estas estruturas acima citadas. Mas há também o debate filosófico. Aristóteles, por exemplo, definia a liberdade como “o princípio da ação e inação”. Para Descartes, a liberdade é exercida por quem compreende as alternativas para a escolha. Para Spinoza, ser livre significa agir de acordo com sua natureza. Para Schopenhauer, a liberdade humana não existe, estando a vontade do homem condicionada à representação da realidade que ele apreende na experiência com o fenômeno. Já para Sartre, não há determinismo. A liberdade é, segundo ele, o indeterminismo absoluto.

Muitos outros pensadores definiram a liberdade de acordo com seus trabalhos filosóficos (Hobbes, Locke, Hegel, Marx, Mill, Hayek etc.). Como não é possível num curto espaço de tempo fazer um estado da arte amplo demais, farei a seguir uma síntese elementar a cerca destas filosofias da liberdade.  

Podemos afirmar que a liberdade possui relação com a ausência de dominação. Ou ainda, com a ausência de impeditivos ou restrições para a vontade natural. Ela também possui relação direta com abertura, com a maximização de possibilidades. Sintetizando os principais pensadores a cerca da liberdade, pode-se concluir com segurança que a liberdade é a capacidade de agir sem qualquer tipo de condições para esta ação. Ou, havendo impeditivos naturais ou de outra ordem (lei), a liberdade seria a pura força que move o ser em direção à ruptura destas restrições. Mais objetivamente falando, liberdade é ausência de restrição e, ao mesmo tempo, autonomia de ação. Em suma, liberdade é o desejo de expansão da expressão humana.


Vídeo 1 - Complemento de Análise Geral


Feito este rápido apanhado de compreensões, para contribuir neste debate, fiz uma análise do conceito de liberdade utilizando as quatro causas aristotélicas para definir o que é liberdade. Eis a análise:


I.                   Causa formal;

Qual é a causa formal da liberdade? Ou seja, qual é a essência do conceito de liberdade? Podemos dizer que a essência, a base fundamental, estrutural da liberdade é a potencialidade. Se não há restrições e se ao mesmo tempo há autonomia, pode-se dizer que como essência a liberdade significa potencialidade. Ou seja, a causa formal da liberdade é a potência em si.

II.                Causa material;

Em que matéria consiste o objeto “liberdade”? Um copo de vidro consiste num objeto de vidro em forma cilíndrica. E a liberdade? Qual é sua matéria? Qual é o corpo material da liberdade por si mesma? É possível ver a matéria da liberdade como puro objeto observável? Evidentemente não podemos responder a isso. A liberdade sempre será relacionada a algo ou alguma coisa. De outro modo, a liberdade precisaria ser observada através de todos os elementos da existência. A liberdade de tudo simplesmente não existe (é uma contradição), pois se considerarmos tudo uma única coisa, nela não há restrição e, ao mesmo tempo, há plena autonomia (o Tudo se resume a si mesmo). O todo seria a resposta para a liberdade plena. E sua matéria seria qualquer coisa que existe no cosmos. Não sendo este o objeto possível de estudo para o ser humano, precisamos identificar outros elementos materiais da liberdade. Portanto, das coisas.

Evidentemente que se falássemos da liberdade de um gato, a matéria será aquilo que ele pode fazer com seu corpo de gato. Quando falamos da liberdade do ser humano, estamos nos referindo a tudo aquilo que o homem pode fazer utilizando seu veículo físico de expressão: o corpo. Neste sentido, a causa material da liberdade humana é o corpo humano. É como o indivíduo se expressa neste mundo físico-biológico. Ainda que houvesse outros mundos onde o espírito humano se apresenta, não seria objeto de nossa análise, visto que o problema central da nossa investigação tem sido tudo aquilo concernente à liberdade do homem e não do espírito. Portanto, a causa material da liberdade humana é o corpo humano.

III.             Causa eficiente;

A causa eficiente está relacionada à origem do objeto. Aquilo que torna possível sua existência. Neste sentido, qual é a origem da liberdade? Como refletido na causa material, só podemos investigar a liberdade das coisas. Neste sentido, qual é a causa eficiente da liberdade humana? O que deu origem a liberdade humana?

Se considerarmos a liberdade humana a não restrição, então é nosso conhecimento sobre as coisas que nos dissolve das restrições que possivelmente tenhamos. Se a liberdade humana é a autonomia, então igualmente é nosso conhecimento que nos garante capacidade de agir dentro de uma série de eventos externos e internos ao corpo humano.

Neste sentido, a origem da liberdade é a mesma origem de nossa causa material. E qual é a origem do corpo humano? Sem entrar numa longa discussão biológica e genética, podemos afirmar com certeza que a origem do corpo humano é o planeta onde nascemos. Afinal, todos os minerais, gases, líquidos e nutrientes que compõem nosso corpo biológico derivam dos objetos que fazem parte do Planeta Terra e mesmo do Universo solar conhecido. Mas seria essa a origem da liberdade? De certo que da liberdade humana, sim. Mesmo que consideremos uma criação alternativa para nosso corpo, ainda assim teríamos de aceitar o fato de que nunca houve um exemplo em contrário demonstrando que um corpo humano pode nascer e sobreviver em outro planeta que não a Terra. Neste sentido, devemos a origem da liberdade humana ao Planeta onde vivemos e nascemos, pois somente neste planeta e seus objetos é possível à manutenção do corpo que nos dá forma.

IV.             Causa final;

Por fim, qual é a razão de algo existir? Qual é a finalidade da existência da liberdade? Por que o ser humano busca o fim das restrições ou a plena autonomia? Para responder tais questões, precisamos relembrar as três últimas causas.

Primeiro, a liberdade como forma é potencialidade. O fim da restrição e a plena autonomia nos leva, diretamente, para a potência. Esta potência é traduzida em capacidade de pensar e agir do modo como aprouver à vontade do indivíduo, dotado de plena independência.

A liberdade como matéria, no caso humano, necessariamente é o corpo humano e tudo relacionado a ele. O que inclui as sinapses no cérebro, o DNA, os minerais, e tudo que mantêm o corpo em estado vivente enquanto manifestado no Planeta Terra. Portanto, a liberdade como matéria é a manutenção de algo anterior à própria liberdade: a vida do indivíduo.

A liberdade eficiente, portanto, originária, está relacionado à origem do corpo humano que sustenta a vida humana. E a origem do corpo humano é o Planeta Terra. Neste sentido, a liberdade eficiente é a manutenção e uso apropriado do ambiente que permite a existência da matéria humana.

Portanto, considerando estas formulações, concluímos que a potência precisa do corpo. Este corpo precisa de um ambiente para existir, ou seja, do Planeta. A causa final da liberdade, da potencialidade humana, é a preservação da vida humana e planetária, uma vez que sem o Planeta e sem a vida humana sequer teríamos a causa formal, que é a potencialidade.


Conclusão

Isso responde todas as nossas perguntas? De certo algumas. Mas ao mesmo tempo, nos impele a fazer novas questões. Considerando as quatro causas aristotélicas, concluímos que a liberdade está relacionada diretamente a vida. Ela (liberdade) é uma potência direcionada à plenitude (o desejo de máxima expansão). Mas a plenitude só pode ser alcançada por quem tem conscientemente todas as matérias do universo conhecido e não conhecido. Se tal potência infinita não é possível por parte do limitado homem em corpo físico, então a sua plenitude consiste na expansão máxima de sua experiência neste planeta e neste corpo que habita.

Se o planeta é a casa do corpo humano e de todas as suas experiências, então cuidar do planeta é também parte de nossa liberdade. Faz parte de nossa potencialidade como ser. Se, ao contrário, usarmos a potência humana para a destruição, estaríamos contradizendo a causa material e eficiente, de modo a rechaçar toda a definição que nos concede apropriadamente a liberdade em si. Nenhum indivíduo morto possui a capacidade de usar sua potencialidade. Afinal, é morto.

Disso podemos considerar que há também um ethos para a liberdade humana. Uma vez que o ser humano existe e tem consciência de sua existência, ele também tem consciência de todas as coisas que potencialmente pode fazer utilizando os materiais a seu dispor: corpo e planeta. O limite para a potência humana é infinita por natureza, assim como a liberdade em si é infinita (a plenitude só existe no todo). Mas dado que somos limitados por estruturas físicas específicas, precisamos considerar que nossa liberdade está relacionada à existência em si como dada pela natureza. Negar a existência, negar a vida é negar a própria liberdade. 


Vídeo 2 - Reflexão



Por Sasha Lamounier

Grato pela leitura,

Porto, Portugal
11 de Novembro de 2015






31/10/2015

Liberalismo Clássico: de centro e progressista!



Liberalismo Clássico: de centro e progressista!

Por

Sasha Lamounier



A história da luta pela liberdade;

Para compreender a essência do liberalismo e sua luta pela liberdade, é necessário compreender sua história. Para isso, fiz a seguir um breve relato da luta liberal, expondo como chegamos até onde estamos.

A escola filosófica intitulada “liberalismo” nasceu junto dos movimentos contra a tirania do governo absoluto na Inglaterra. O primeiro teórico liberal, apesar de não intitular-se assim, foi Thomas Hobbes em cuja obra “Leviatã” definiu o governo como a entidade surgida da necessidade para proteger indivíduos não agressivos de indivíduos agressivos (primeira exposição de um contrato social). Com John Locke, no mesmo contexto das guerras civis inglesa e da Revolução Gloriosa, surge a visão daquilo que seria a base fundamental do liberalismo: o governo como contrato social voluntário.

A esta altura, no século XVII, a revolução industrial ainda não havia acontecido. As principais nações europeias daquele tempo viviam o apogeu do mercantilismo. Isso significa que as ideias de direitos civis surgiram antes da ciência econômica liberal e ao mesmo tempo em que o comércio mercantil e as primeiras empresas, assim como bancos, nasciam nas nações centrais do mundo moderno (idade moderna - séc. XV à XVIII). Durante dois séculos, até o término da Revolução Francesa, que foi talvez o último estágio fundamental da revolução liberal, as ideias de que o indivíduo tem direitos independentes do Estado ou religião, de que cada ser humano possui valor em si mesmo e que a sociedade precisa se organizar nesta orientação ganharam cada vez mais importância e destaque.


Se fizermos uma rememoração pontual, podemos dizer que tudo isso começou com Ana Bolena e Henrique VIII (1533) - imagem acima. O liberalismo poderia ter surgido de diversas maneiras distintas e em diferentes lugares. Mas na história oficial, surgiu deste romance. O motivo é simples. Ana Bolena foi a responsável por Henrique VIII e a Inglaterra romper com a Igreja Católica. O monarca inglês tornou-se assim chefe de sua própria Igreja (Anglicana) e, junto de Lutero e Calvino, participou da revolução protestante. Apesar de Lutero e Calvino serem mais importantes à teoria protestante do que Henrique VIII, nenhum deles teve tamanho impacto político como a Igreja Anglicana. Foi graças a esta ruptura que a Inglaterra viveria uma guerra civil entre protestantes e católicos. E destas guerras civis surgiria à revolução gloriosa (1688) e os escritos de Thomas Hobbes e John Locke. Soma-se a isso o fato da primeira constituição do planeta (Magna Carta – 1215) ter surgido na Inglaterra, durante o governo de João Sem Terra. O que ratifica a tradição britânica com o direito de propriedade e o direito individual [1].

Durante a Idade Moderna, o movimento político contra a tirania e a favor do direito civil iniciado na Inglaterra ganhou novos horizontes. Em uma era onde o poder absoluto era constantemente desafiado e a liberdade ainda se fazia conhecida em sociedades estratificadas socialmente, muitos erros e acertos foram notadas. Na própria Inglaterra, conhecida pelo final pacífico de sua revolução Gloriosa, foram necessárias duas sangrentas guerras civis e um governo ditatorial com Oliver Cromwell até o final pacífico. Nos Estados Unidos, os protestantes que foram viver nova vida nas colônias britânicas já tinham como conhecimento prévio a busca pelo direito de propriedade, pela liberdade individual e pela liberdade de credo, uma vez que, como protestantes, sofreram perseguição por parte de governos católicos. Na França, terceira nação central no processo de desenvolvimento do liberalismo, as ideias de liberdade chegaram com certo atraso. Apesar de Montesquieu e Descartes terem oferecido grande contribuição ao liberalismo em sua fase embrionária, o movimento político só surgiu a partir de Voltaire, Rousseau e Danton. A sociedade francesa, bastante elitizada e estratificada, possuía uma diferente relação com a ideia de direito individual. Graças a textos ingleses posteriores a revolução inglesa que chegaram à França (durante o iluminismo) foi possível influenciar teóricos franceses a ponto de incitar ao reformismo político.

Portanto, pode-se afirmar que o liberalismo surgiu das nações de língua inglesa [2]. A França foi influenciada e, por isso, passou pelo seu processo próprio. Mas o ideário liberal surgiu nas nações de língua inglesa, em especial na Inglaterra e destacadamente nos Estados Unidos. Pode-se afirmar, inclusive, que o processo político britânico e americano foram expressões de uma mesma coisa. Isso fica bem evidenciado no livro de Daniel Hannan “Inventing Freedom: How the English-Speaking Peoples Made the Modern World”.

O século XVIII foi marcado pelo início da Revolução Industrial (1760-1830), originada em solo britânico. A Inglaterra, que já havia passado pelo seu processo político lá em 1688, agora vivia o auge do mercantilismo (muito graças a sua capacidade de organizar-se e gerenciar o comércio). Esta estabilidade política e a riqueza derivada do mercantilismo criaram o ambiente propício para que o processo de produção passasse dos métodos de produção artesanais para manufaturas. Os EUA nasceram como país ao final do século XVIII, quase ao mesmo tempo em que a França passava por sua revolução política. Em ambos os países a revolução industrial foi impossibilitada graças ao clima político. Os EUA, porém, faria nas décadas seguintes sua revolução industrial, utilizando a Inglaterra como modelo (Alexander Hamilton – Relatório sobre manufaturas) [3].

Compreender o processo industrial britânico é fundamental para a compreensão da história do liberalismo. A partir da Era Vitoriana, a Inglaterra despontava como a grande potência planetária. As principais redes de comércio e indústria perpassavam pelos bancos ingleses. Isso significa que o imperialismo, antes um fenômeno militar e expansionista, passou a ser um processo capitalista (o capital como centro de poder). Durante o século XIX os grandes industriais ingleses começaram a eclipsar muitas bandeiras liberais clássicas, já que seus interesses agora era preservar sua riqueza e sua influência política. O Estado, por sua vez, concedeu a estes industriais uma atenção especial, visando maior penetração política e expansão imperialista ao redor do planeta. Nesta relação, surge o que se pode chamar de “hipocrisia liberal”. Os industriais, burgueses, que antes eram heróis da libertação contra a tirania aristocrata, agora se tornavam eles próprios aristocratas do capital. Neste momento o liberalismo clássico não era mais um movimento político, mas sim um movimento conservador. Ou seja, um movimento de preservação dos interesses de certas elites nacionais. [4]

Em oposição a estas elites, surgiram movimentos alternativos ao liberalismo. Entre eles os socialistas clássicos e os anarquistas clássicos (com os quais Karl Marx posteriormente dialogaria e acabaria desenvolvendo seu socialismo científico, baseando-se também em liberais clássicos). Tais movimentos surgiram do vazio deixado pelos liberais clássicos na defesa das minorias e das liberdades civis. Assim, para defender os interesses daqueles que não eram absorvidos pelo sistema corporativista, surge à crítica à liberdade “por conveniência”, dando lugar a liberdade por igualdade.

O último liberal clássico relevante e que viveu neste período de crítica ao modelo liberal foi John Stuart Mill (1806-1873). O conjunto de sua obra é a contribuição mais importante para o liberalismo contemporâneo, visto que com ele ressurgiu o liberalismo clássico como movimento reformista e progressista. Utilizando-se do utilitarismo como método, Mill (foto) escreveu sobre os limites da liberdade (On Liberty – 1859), sobre o papel central da economia e suas relações (The Principles of Political Economy – 1848), criticou efusivamente a escravidão (The Negro Question – 1850) [5], fundou o movimento feminista (The Subjection of Woman – 1869) e trabalhou sobre os temas da democracia e da representatividade política (Considerations on Representative Government – 1861).


Depois de Stuart Mill, a contribuição do liberalismo clássico ao debate social praticamente acabou. Pode-se dizer que alguns autores econômicos de relevância arriscaram alguma opinião social, mas sem qualquer efeito. O liberalismo clássico pós Stuart Mill restringiu-se ao debate econômico, sobrevivendo durante o século XX e começo do XXI apenas como uma bandeira tímida e muito dependente dos movimentos políticos recentes, como o socialismo, o conservadorismo, a social democracia e as derivações do liberalismo clássico, tais como libertarianismo, liberalismo social e o neoliberalismo.

Como parte do esforço coletivo e global para reacender o liberalismo clássico como bandeira política, econômica e principalmente social, optei por escrever este artigo para esclarecer os curiosos leigos e especializados sobre os principais focos de discussão a cerca do liberalismo: qual é, afinal, nossa posição no espectro político moderno?



Liberalismo: olhando o futuro sem esquecer o passado;

Para responder a este questionamento, precisamos conhecer o liberalismo em sua estrutura. Os princípios e ideias centrais do liberalismo não nasceram de uma só voz ou pensamento (como acontece com outros movimentos políticos). Os princípios liberais são compostos de vários escritos e eventos cuja intenção comum era a liberdade individual frente à tirania e absolutismo. Se o liberalismo sempre foi um movimento que lutou contra o status quo e sempre defendeu a liberdade como pauta maior, então já temos um primeiro indício: o liberalismo é um movimento reformista.


A defesa do livre mercado e da autonomia individual frente aos entraves sociais (sejam eles econômicos, culturais ou políticos), nos torna também progressista. Afinal, o liberal não tem nenhum compromisso com a preservação de qualquer status social. No sistema liberal, o pobre pode ficar rico e o rico pode ficar pobre. Por outro lado, o liberalismo clássico é, por diversas razões históricas, o fundador das principais instituições de governo que garantem o funcionamento da democracia ocidental. Além disso, economicamente, o liberal é o pai da economia como ciência (Adam Smith, David Ricardo, Alfred Marshall). Então, surge a dúvida. Haveria progresso político e econômico a ser atingido além dos já conquistados? Queremos mudar algo nas instituições e na economia?

Estas duas últimas perguntas são centrais para compreender um problema muito comum. Alguns liberais ou simpatizantes veem o liberalismo clássico como compatível ao conservadorismo. Ou, em outro sentido, ao liberalismo conservador. Mas esta determinação acaba por quebrar com a tradição progressista do movimento liberal, criando assim uma grande confusão que impede o liberalismo de viver sua vocação.

Consideremos o seguinte:

a). O liberalismo clássico é defensor da tradição constitucionalista (instituições democráticas, direitos políticos individuais etc).

b). O liberalismo clássico é defensor de uma economia de livre mercado, onde a independência econômica da sociedade deve ser buscada acima de qualquer outra coisa.

c). O liberalismo clássico é defensor dos direitos fundamentais dos indivíduos, lutando repetidamente pelo direito da livre manifestação e expressão humana.

Considerando estes três fatores, o liberalismo clássico é um movimento que já alcançou algumas coisas, como a limitação do poder do Estado, a separação entre bem público e privado, o direito individual a propriedade e liberdade, o sistema de livres trocas etc. Estas conquistas do liberalismo, todo liberal quer preservar. Portanto, neste sentido, somos defensores das conquistas progressistas anteriores.

Ao mesmo tempo, não podemos afirmar que chegamos ao apogeu de qualquer coisa. O liberalismo clássico nunca definiu qual era o objetivo da liberdade. Se o homem muda, a classificação do que é liberdade também muda. A sociedade é fluida, é viva. Assim também o liberalismo deve ser. Neste sentido, igualmente queremos mais progresso, mais liberdade, mais consciência sobre a vida e os mistérios que rondam o entendimento humano.

Tendo em conta estes fatores, não há qualquer dúvida que a essência e a prática do liberal clássico são de cunho progressista. Se nos imputarmos a máscara de conservadores, estaremos cometendo o mesmo erro que o liberalismo clássico cometeu no século XIX. Estaremos deixando de lado nossa essência em favor da momentânea conquista de algumas bandeiras.

A liberdade não é definida. Pelo contrário, ela é aberta. Sempre foi e sempre será, pois ao passo que o entendimento humano avança, também avança a interpretação da liberdade. Neste sentido, precisamos assumir nossa missão progressista, nossa missão com o progresso humano a todo instante. Todo liberal clássico é um inconformista, é um desafiador, é um libertador. E precisamos lutar por isso.


Para que lado o liberal clássico olha?

Por último, há uma dúvida de origem francesa: somos de esquerda ou direita?

Durante a Revolução Francesa, na Assembleia Geral, enquanto discutia-se entre os parlamentares e representantes da sociedade francesa se mantinham o poder absoluto do rei ou se reformavam o poder, surgiram os termos que hoje designam as ideologias no espectro político. Nesta assembleia, aqueles que se sentavam a direita eram os defensores do poder absoluto do Rei. Eram, portanto, os conservadores. Na esquerda sentavam-se aqueles que desejavam reformar o estado absoluto, tirânico, limitando o poder do Rei. Estes eram os reformistas. Nós, liberais clássicos, nos situávamos à esquerda.

Neste tempo ainda não havia anarquia ou socialismo. Havia iluminismo. E entre os primeiros iluministas estavam, também, os primeiros liberais. Após a queda do antigo regime (poder absoluto) e o surgimento do novo regime (poder limitado), surge um novo cenário político. E neste cenário, os liberais assumiram a dianteira. Mas este cenário nos colocaria na direita? Não! Após a queda do antigo regime (ocorrido no século XVII e XVIII), direita e esquerda deixaram de existir. Surgiu a nova situação. No contexto francês, não havia mais lado. O Rei uma vez decapitado agora deixara o país nas mãos dos revolucionários. Tanto é que, mesmo o poder tendo voltado a ser centralizado em Napoleão Bonaparte, ainda assim era eivado de inspiração iluminista. Logo, não era a mesma coisa como foi na época de Luís XVI.

Após as guerras civis e a revolução gloriosa, a Inglaterra também não era a mesma. Tudo havia mudado. Nos Estados Unidos, também. Após a guerra de independência, o país nascera totalmente influenciado pelo espírito liberal.

À esquerda e a direita como termos voltariam a ser usados a partir do século XIX, com o surgimento do socialismo e anarquia clássica como oposição ao sistema vigente. Esta divisão continuou durante todo o século XX e no começo deste século temos tentado compreender onde se situam as filosofias políticas em tal espectro.

Tradicionalmente, devido ao aspecto reformista do liberal, nós somos de esquerda. Mas isso nos colocaria ao lado de socialistas, cuja função é criticar justamente o liberalismo. Ao mesmo tempo, na direita existem conservadores que advogam muitas bandeiras liberais clássicas, apesar de não serem reformistas e progressistas como o liberal. Neste sentido, o apropriado internacionalmente é afirmar que o liberal clássico situa-se ao centro do espectro político. As bandeiras reformistas da esquerda nos pertencem tradicionalmente, e não devemos renega-las de modo algum. Ao mesmo tempo, as conquistas liberais que a direita quer preservar também nos pertencem. Logo, também não podemos renega-la de forma alguma. Ou seja, não temos espaço na esquerda e também não temos espaço na direita, temos em ambos! Isso significa que estamos situados exatamente ao centro do espectro.

Dito isso, concluímos que o liberalismo clássico é uma filosofia com muitas conquistas, sem dúvida, mas também com muito a conquistar. Somos reformistas e progressistas, pois acreditamos no progresso da liberdade. Ao mesmo tempo, somos de centro, pois não renegamos nossas conquistas, mas compreendemos a necessidade de constante reforma ao passo que a necessidade humana as demanda. Em resumo, o liberal clássico defende aquilo que os antigos reformistas conseguiram conquistar. Mas ao mesmo tempo, ele persevera no caminho de buscar novas e melhores reformas.





10 Princípios Fundamentais do Liberalismo Clássico

Para ficar mais claro a proposição liberal clássica para o mundo moderno e suas necessidades, resumi dez princípios fundamentais do liberalismo clássico. Através deste resumo conceitual, podemos perceber a necessidade de constante luta por mais liberdade humana, ao mesmo tempo em que precisamos preservar aquilo que já foi uma conquista dos velhos guerreiros da liberdade.

I.                         A vida de cada indivíduo é um absoluto e moral valor. A vida, liberdade e propriedade de nenhum indivíduo não agressivo, devem ser legitimamente sacrificadas em razão de algum objetivo.

II.               Cada indivíduo é dono de seu corpo, sua mente e tudo aquilo obtido a partir do seu legítimo trabalho cujo corpo e mente fora utilizada.

III.             Todo indivíduo tem o direito de perseguir atividades para a melhoria de sua vida – incluindo aspectos materiais, intelectuais ou emocionais – usando-se de seu próprio corpo e propriedade, assim como da propriedade consentida de outros.

IV.             O direito individual a vida, liberdade e propriedade, são inerentes à natureza da vida humana. Não são garantidos por nenhum outro ser humano, e não podem ser retirados por nenhuma entidade.

V.                    A iniciação de força física e a ameaça desta força, ou fraude contra qualquer indivíduo nunca é permissível – independente da posição e do caráter do iniciador. Contudo, força proporcional pode ser usada para retaliar e defender contra agressores.

VI.                     O fundamental propósito do governo é proteger o direito individual promovendo ações e decisões especificamente delegadas ao governo por seus constituintes. Governo é diferente de Estado. Portanto, governo não é sociedade. Sendo assim, nenhum governo pode sacrificar direitos de indivíduos não agressivos em favor do benefício de outros.

VII.             Todo indivíduo tem o absoluto direito de pensar e expressar ideias. Pensamento e discurso nunca são equivalentes à força ou violência e nunca devem ser restringidos ou ser sujeitos a penalidades coercitivas. Especificamente, coerção e censura sobre as bases de religiões ou ideologias políticas não são aceitáveis sobre qualquer circunstância.

VIII.                 Comércio, tecnologia e ciência são desejáveis, são forças libertadoras capazes de aliviar males históricos, melhorando a qualidade de vida da humanidade e elevando moralmente o ser humano. A completa liberdade de trocas, inovação e pensamento devem ser preservadas e suportadas por todos os seres humanos no planeta.

IX.              Acontecimentos acidentais como nascimento, localidade geográfica, ou ancestralidade não definem o indivíduo e devem jamais resultar em restrições humanas aos direitos individuais ou oportunidades. Cada indivíduo deve ser julgado puramente por sua qualidade pessoal, incluindo conquistas, caráter e conhecimentos.

X.                         Não há nenhuma “natural” ou desejável limites ao potencial humano para o bem, e não há nenhum grande problema que não seja resolvível pelo presente ou futuro conhecimento humano, esforço e tecnologia. É um imperativo moral para a humanidade expandir sua maestria sobre o universo indefinidamente, de tal modo que reforce e floresça a sobrevivência de todos os indivíduos na face da Terra.





Grato pela leitura,

Porto - Portugal
31 de Outubro de 2015

Sasha Lamounier
Um Liberal Clássico do Século XXI


Bibliografia e Referências:

[1]. Para mais informações sobre a reforma protestante na Inglaterra e o caso de Ana Bolena e Henrique VIII, indico as seguintes referências

a). The Tudors (2007 - 2010), Showtime. 

https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Tudors

b). The Other Boleyn Girl (2008)

https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Other_Boleyn_Girl

c). Elizabeth (1998) e Elizabeth: The Golden Age (2007), de Shekhar Kapur

https://pt.wikipedia.org/wiki/Elizabeth_(filme)

https://pt.wikipedia.org/wiki/Elizabeth:_The_Golden_Age


Sobre a Carta Magna e João Sem Terra, indico o seguinte filme: 

d). Robin Hood (2010). 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Robin_Hood_(filme_de_2010)


Sobre a guerra civil inglesa e Oliver Cromwell, indico: 

e). To Kill a King (2003). 

https://pt.wikipedia.org/wiki/To_Kill_a_King

[2] HANNAN, David - Inventing Freedom: How the English-Speaking Peoples Made the Modern World

http://www.amazon.com/Inventing-Freedom-English-Speaking-Peoples-Modern/dp/0062231731/ref=pd_sim_14_4?ie=UTF8&dpID=51OyaFP6N4L&dpSrc=sims&preST=_AC_UL160_SR106%2C160_&refRID=0VF16YJE24E5CFJW1THX

[3] HAMILTON, Alexander (1791) - Reports on Manufactures

http://www.constitution.org/ah/rpt_manufactures.pdf

[4] SIEGEL, Charles (2011) - Classical Liberalism

http://www.preservenet.com/classicalliberalism/ClassicalLiberalism.pdf

[5] 
GOLDBERG, David Theo - Liberalism's limits: Carlyle and Mill on “the negro question”.

http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08905490008583508?journalCode=gncc20#.VjV1MtLhDIU




26/08/2015

Panaceia da loucura

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Panaceia da loucura

Uma reflexão a cerca dos caminhos possíveis para o liberalismo clássico no Brasil



Ronald Reagan uma vez disse que seu lema era “seguir em frente, mas sem deixar nenhum homem para trás”.

Avançar, progredir, é fundamental para qualquer sociedade que busca a prosperidade. Mas este avanço não pode ser à custa da liberdade e da dignidade humana. São princípios como estes que devem servir como base fundadora de uma visão liberal clássica de país. Incluindo o Brasil.

Já disse em diversas ocasiões que não tenho um projeto individual de Brasil. Não tenho, pois acredito que um projeto nacional precisa ser construído pelo povo, no diálogo contínuo. Eu não acredito em personalismos ou messianismos, mas na consciência livre de cada indivíduo que, em comunhão, constrói os fundamentos de uma nação forte. Contudo, eu tenho total consciência de qual caminho eu NÃO quero ver o Brasil seguir. E é visando combater o indesejável que apresento, neste texto, o caminho desejável.

Como todo país, o Brasil tem seus problemas, suas contradições e complexidades. Logo, para que o Brasil dê certo, precisamos compreender nossa realidade. Ignoremos por um momento o filtro ideológico e vejamos onde estamos no curso da história. O que temos? O que somos? E o que nosso povo quer? Através disso poderemos dizer o que é detestável, o que é desejável e o que é louvável. As bandeiras tradicionais do liberalismo clássico não serão aplicadas na canetada. O governo não irá diminuir de tamanho da noite para o dia. O mercado não será liberado pela vontade de meia dúzia. As regiões do Brasil não ficarão mais livres e democratizadas sem uma política antimonopólios cartelizados e anticoronealismo. Para resolver um problema, primeiro precisamos reconhecer que temos um.

Eu acredito no livre mercado, na troca entre indivíduos em busca de avanços pessoais, acredito na humanidade neutra, nem boa e nem má, mas responsável pelos incentivos positivos e negativos que a sociedade nutre. Acredito num governo menor e eficiente, num pacto social cujo interesse seja a prosperidade geral da nação e não os interesses particulares de uns e outros. Acredito na separação entre aquilo que é privado e aquilo que é público. Acredito que a função do poder público é promover a liberdade do indivíduo, lutando contra a espoliação e contra o abandono dos direitos fundamentais. Acredito na permanência das instituições em detrimento da de homens. Acredito na educação, no diálogo e na ampla liberdade de organização visando à justa competição. Acredito num Estado cujo único interesse é a promoção do respeito à igualdade, liberdade e dignidade individual em cada canto do território nacional.

Isso significa que o governo não deve participar de negócios escusos, travestidos de propina, na função de sustentar grandes empresários e banqueiros, desfavorecendo assim as soluções de um livre mercado pleno. Significa que o governo precisa dialogar com a iniciativa privada, mas sabendo o seu lugar! O interesse público é este. Que o Estado não usurpe sua função protegendo elites que em nada estão preocupadas com a liberdade individual ou livre concorrência nacional.

O Brasil é o país do patrimonialismo, do coronelismo e do Estado débil. O governo, por não cumprir com sua tarefa fundamental, torna-se fraco, submisso aos interesses privados de uns poucos poderosos. Este tipo de governo é detestável. Pois impede que as necessidades fundamentais do povo sejam atendidas. Impede que a livre concorrência flua, promovendo melhores alternativas para a população. Que cada brasileiro possa criar sua empresa em um único dia, operando-a no dia seguinte. Ou que ele feche sua empresa em um mesmo dia se for preciso, podendo trabalhar em outras funções no dia seguinte. Que o governo não beneficie uma região nacional, mas atenda a todos os cidadãos brasileiros de forma igualitária e justa. E quando digo isso, é claramente para que o governo não se preocupe com a indústria num estado ou o comércio em outro, mas DEIXE todos os estados livres para competir entre si.

O bom governo jamais é omisso em suas funções clássicas. Para atender o VERDADEIRO interesse público, o governo precisa ser forte, presente e muito eficiente. Pois um governo omisso beneficia uma pequena elite que não tem nenhum interesse público, mas particular. Que justiça seria essa onde os interesses de uns poucos particulares tem maior preponderância em desfavor de outros tantos particulares?

Se o homem é neutro, nem bom e nem mau, então é função do Estado promover o interesse do homem ordinário, comum. O interesse universal do homem é por liberdade de ação e respeito à vida. Um Estado que trata destas coisas é passível de desenvolver um projeto nacional. Pois como disse no início, um projeto nacional só pode surgir através do livre diálogo social. E para que este livre diálogo aconteça, o governo deve respeitar a liberdade de cada estado federado, de cada município, de cada bairro e de cada cidadão. E este respeito significa NÃO privilegiar elites ou estados ou instituições. O Brasil precisa ter um governo capaz de proteger o cidadão brasileiro. Esta é meu modelo desejável de política interna. Depois que arrumar o Brasil internamente, ai sim poderemos pensar externamente. Pois somente um país que se conhece pode oferecer algo para o mundo.

Precisamos avançar, mas sem deixar ninguém para trás. Isso significa que o liberalismo precisa avançar, mas sem esquecer nossas dicotomias, nossas mazelas históricas e nossa gente particular. Temos um país grande. E por ser grande, a liberdade é condição ESSENCIAL para a preservação da dignidade humana e para o avanço nacional.

Grato pela leitura,

Sasha Lamounier

Porto - Portugal
26 de Agosto de 2015