12/03/2022

O FUTURO DA ECONOMIA RUSSA E DO BLOCO RUSSO-CHINÊS

 

O FUTURO DA ECONOMIA RUSSA E DO BLOCO RUSSO-CHINÊS

 

Desde a invasão da Ucrânia na madrugada de 24 de Fevereiro e a imposição por parte do Ocidente de pesadas sanções, fala-se muito de uma completa destruição da economia russa e sua natural falência. O que iremos ver neste artigo são duas coisas: primeiro, a real situação da economia russa diante do mundo. E, segundo, os reais efeitos das sanções e as soluções que o governo de Vladimir Putin já está aplicando. No final, o leitor poderá compreender em que estado estão as coisas e até onde chegará.


Ø  A economia russa;


A Rússia é uma economia fundamentalmente baseada em commodities. No entanto, ela também tem grandes riquezas do ponto de vista dos recursos humanos. Estima-se segundo relatórios da OMC que a Rússia detém 30% de todos os recursos naturais da Terra, sendo os três principais o petróleo, o gás natural e metais preciosos. Segundo o Banco Mundial, o valor estimado dos recursos naturais russos é de 75 trilhões de dólares. Ou, em outras palavras, cerca de 3 vezes mais do que o PIB norte-americano. Em 2019 a exportação de recursos naturais representou 60% do PIB do país.


A maior parte destas exportações se concentram entre Europa e Ásia. Os europeus representam 43% das exportações e a Ásia representa 36%, sendo Américas, África e outros parceiros representados pelo restante. Logo, verifica-se que tanto os europeus quanto os russos possuem uma parceria muito profícua, a ponto de ser até mesmo estrutural para ambos os lados do ponto de vista económico.


Além da exportação de commodities, a Rússia tem também uma das mais competentes e desenvolvidas indústrias bélicas do planeta. Investindo certa de 4% do seu PIB, uma das maiores taxas de investimento, em Defesa, a Rússia é estratégica parceira de países como China, Índia, Irã e outros países que importam armas dos russos.


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Segundo a Organização para Alimentos e Agricultura da ONU, as exportações russas em agricultura estão distribuídas da seguinte forma – dados de 2018:

 

·         Foi o 3º maior produtor mundial de trigo (72,1 milhões de toneladas), perdendo somente para a China e Índia;

·         Foi o maior produtor mundial de beterraba (42 milhões de toneladas), que serve para produzir açúcar e etanol;

·         Foi o 4º maior produtor mundial de batata (22,3 milhões de toneladas), perdendo somente para a China, Índia e Ucrânia;

·         Foi o maior produtor mundial de cevada (17 milhões de toneladas);

·         Foi o 2º maior produtor mundial de girassol (12,7 milhões de toneladas), perdendo somente para a Ucrânia;

·         Foi o 13º maior produtor mundial de milho (11,4 milhões de toneladas);

·         Foi o maior produtor mundial de aveia (4,7 milhões de toneladas);

·         Foi o 12º maior produtor mundial de tomate (2,9 milhões de toneladas);

·         Foi o 4º maior produtor mundial de repolho (2,5 milhões de toneladas), perdendo somente para a China, Índia e Coréia do Sul;

·         Foi o 2º maior produtor mundial de ervilha seca (2,3 milhões de toneladas), perdendo somente para o Canadá;

·         Foi o 3º maior produtor mundial de centeio (1,9 milhões de toneladas), perdendo somente para Alemanha e Polônia;

·         Foi o 10º maior produtor mundial de colza (1,9 milhões de toneladas);

·         Foi o 8º maior produtor mundial de maçã (1,8 milhões de toneladas);

·         Foi o 4º maior produtor mundial de pepino (1,6 milhões de toneladas), perdendo somente para a China, Irã e Turquia;

·         Foi o 9º maior produtor mundial de cebola (1,6 milhões de toneladas);

·         Foi o 4º maior produtor mundial de cenoura (1,4 milhões de toneladas), perdendo somente para a China, Uzbequistão e EUA;

·         Foi o 3º maior produtor mundial de abóbora (1,1 milhões de toneladas), perdendo somente para a China e Índia;

·         Foi o 2º maior produtor mundial de trigo-sarraceno (931 mil toneladas), perdendo somente para a China;

·         Foi o 3º maior produtor mundial de linho (557 mil toneladas), perdendo somente para Cazaquistão e Canadá;

·         Foi o 4º maior produtor mundial de grão de bico (620 mil toneladas), perdendo somente para Índia, Austrália e Turquia;

·         Foi o maior produtor mundial de groselha (398 mil toneladas);

·         Foi o 4º maior produtor mundial de cereja (268 mil toneladas);

·         Foi o 8º maior produtor mundial de lentilha (194 mil toneladas);

·         Produziu 4 milhões de toneladas de soja;

·         Produziu 1,9 milhão de toneladas de melancia;

·         Produziu 1 milhão de toneladas de arroz;

·         Produziu 627 mil toneladas de uva;

 

Tais dados sugerem que, além da Rússia ser um dos maiores produtores de alimento do mundo, ela tem condições de alcançar autossustentabilidade alimentícia também.

Além disso, é o país com mais graduados académicos de toda a Europa, possuindo especialistas em fundamentalmente todas as áreas do conhecimento.

 



Outras áreas fundamentais são pecuária, sendo um dos maiores produtores de carne de frango, bovina e suína, um dos maiores produtores de leite e também de lã. Os russos também são grandes produtores de silvicultura, sendo o maior país florestal do mundo, sendo porém sua produção subutilizada pelo governo russo. O setor de defesa representa 20% dos empregos industriais, com mais de 3 milhões de pessoas empregadas. É o segundo maior fabricante de armas, atrás apenas dos EUA.


A Rússia possui também uma forte indústria aeroespacial, automotiva e de tecnologias da informação. O país é o terceiro, depois de China e Índia, entre exportadores de software.


Já o Rublo, moeda russa, está lastreada em três tipos de reservas internacionais. Pelo menos 30% em dólar norte-americano, outros 30% em euro, 30% em yuan chinês e outros 10% em ouro.


É importante salientar que, sendo a Rússia uma economia muito voltada para exportação e tendo uma população de renda média-alta, não se trata mais de um país ‘pobre’ no conceito mesmo do termo. Com um PIB per-capita similar ao do Brasil, os russos não são uma nação rica, se comparado com Europa e América do Norte, mas o nível de pobreza tem caído sistematicamente desde os anos 1990 e em especial durante os governos Putin[2]. Trata-se, portanto, de uma potência militar e de commodities com uma classe média que estava, até então, em ascensão e com uma economia robusta, que mantinha-se em projeção de crescimento.


Ø  O efeito das sanções na Rússia;


Desde 2014 e a anexação da Crimeia, o país vem sofrendo com sanções impostas pelo Ocidente, quer seja dos parceiros europeus ou dos norte-americanos. Isso fez com que desde então o governo russo iniciasse uma série de atividades no intuito de arrefecer o impacto das sanções ocidentais.


As reservas cambiais russas cresceram 40%, em dólares nomeadamente, nos últimos anos. E embora a dívida pública russa tenha aumentado, ela anda na casa dos 20% do PIB. Além disso, a economia russa apresenta constantemente um excedente externo de 4 e 6% do PIB, de modo que a economia russa não é tão dependente do capital estrangeiro. É verdade que ela não tem capacidade interna de investimento por si só, mas nos últimos anos os russos tem diversificado suas parcerias, de modo que num cenário de total bloqueio de investimentos ocidentais, bastará apostar na parceria asiática que tais fluxos serão facilmente substituídos.


A consultoria Oxford Economics chega a afirmar que o impacto das sanções no curto prazo não terão o efeito que muitos no Ocidente imaginam, embora possa ter efeitos no longo prazo, como queda do PIB em 0,7% e 1,2% nos próximos anos de 2023 e 2024. Do ponto de vista factual, embora muito alardeada como a principal sanção, a retirada da Rússia do sistema SWIFT não é tão grave quanto se imagina. Primeiro porque pouco importa se os russos poderão fazer ou não pagamentos em moeda estrangeira, uma vez que é a depreciação do rublo o principal problema.


E para tal, a arma mais poderosa utilizada pelo ocidente tem sido o congelamento das divisas estrangeiras que o Banco Central russo tem acesso. Sem poder administrar estas reservas, a economia russa não tem como driblar facilmente a escalada da depreciação da moeda e da inflação. Mas mesmo assim, é importante lembrar, como dito anteriormente, que as divisas estrangeiras não se baseiam apenas em dólar ou euro, mas também em yuan e ouro. Neste sentido, embora no curto prazo os russos sintam o efeito da depreciação monetária, no médio e longo prazo será mais fácil assegurar o valor da moeda através das demais divisas e parcerias.


Ø  O futuro da economia russa;




Apesar das tantas especulações, o futuro da economia russa não é sombrio. Na verdade, é até bastante promissor. Com empresas ocidentais saindo do país, Putin poderá nacionalizar os ativos financeiros destas empresas em solo russo, assumindo para o estado riquezas oriundas destes investimentos. Logo, se as empresas ocidentais realmente abandonarem suas atividades na Rússia, o estado simplesmente irá assumi-las no lugar destas empresas.


Além disso, o corte de importação de petróleo e gás da Rússia é uma arma que ambos o lados podem usar. Se os europeus cortarem a importação, toda a Europa irá se sacrificar muito devido a alta dependência destes recursos vindos da Rússia. E, ao mesmo tempo, os russos podem ameaçar o corte das exportações, como forma de sanção também. Só o bloqueio das importações por parte dos EUA fez com que os preços dos combustíveis crescesse muito e colocou a moeda americana, baseada no famoso ‘petrodólar’, em risco. Por isso que os russos podem sim sofrer consequências no curto prazo, mas eles tem capacidade tanto para sustentabilidade alimentar e energética, quanto para reverter o fluxo financeiro através de outras parcerias fundamentais na Ásia. Os norte-americanos, cuja moeda depende do fluxo financeiro internacional, não tem esta sorte.


A retirada dos russos do sistema SWIFT e a saída da Visa e do Mastercard do país não é, também, um grande desafio. A China possui o terceiro maior parceiro bancário do mundo, que é o Union Pay. Bastará os bancos russos adotarem o Union Pay para os seus cartões internacionais que qualquer russo poderá ter acesso a seus dólares e euros sem se preocupar com as sanções. Isso sem falar, é claro, da cada vez maior influência do ouro como reserva de valor para a economia russa.


Portanto, temos um país que possui 144 milhões de pessoas, tem uma das maiores riquezas naturais do mundo, um território vasto, com mentes brilhantes e uma parceria estratégia que abarca Índia e China, dois dos países mais populosos do planeta. Mesmo que todo o Ocidente resolva ‘fechar a porta’ para os ativos russos, a Rússia consegue não apenas se sustentar, como também ajudará a enriquecer mais ainda os chineses. Tudo o que a China mais quer é depender MENOS dos EUA para favorecer o seu crescimento. Se a indústria bélica russa e as commodities da mesma sustentarem os gastos e investimentos domésticos chineses, então a China poderá colocar em voga o seu grande projeto da ‘Nova Rota da Seda’, isolando os EUA financeiramente.


Parece que os americanistas não perceberam que as sanções impostas pelos EUA e europeus contra a Rússia é uma mão de via dupla. Afeta moderadamente os russos, mas também afeta MUITO o Ocidente. Se cortarmos as importações agrícolas, pecuárias e energéticas da Rússia, o preço de tudo quanto é produto irá subir, criando uma crise inflacionária e uma depreciação do dólar internacional. Além de gerar uma crise de abastecimento, ainda gerará, também, uma espiral de empobrecimento das nações ocidentais. Dizer que, num mundo globalizado, apenas a Rússia seria afeada pelas sanções, é atestar de que não se conhece o sistema económico internacional.


A aliança russo-chinesa não é uma miragem, é uma realidade que já se verifica desde o começo da década passada e que vem crescendo consideravelmente. Interessa a ambas as partes esta parceria. Não por ideologia, não por amizade entre povos, mas sim por autointeresse. Fenómeno que todo liberal clássico deveria colocar em sua pauta de análise desde a primeira hora. Esta nova aliança, este pacto oriental, está criando uma nova ordem mundial e ela irá se impor cada vez mais e de maneira muito profunda neste ano e nos próximos vindouros.


A Rússia poderá ficar inadimplente com seus parceiros ocidentais, mas isso não significará falência da economia russa. Há de se separar economia real – ou seja, riquezas em solo – da economia financeira. As sanções estão fazendo os russos reestruturarem sua matriz financeira. Mas todos os ativos físicos, indústrias, recursos, mercado consumidor, permanecem intactos. Somente uma guerra direta entre OTAN e Rússia poderia destrui-los. Mas ninguém quer a Terceira Guerra Mundial. Ou queremos?


Obrigado pela leitura, 

Sasha van Lammeren
Analista político, jornalista e especialista em comunicação política