Liberalismo Clássico: uma vocação
progressista
Por
Sasha Lamounier
Muitos confundem o liberalismo clássico
com o conservadorismo. Tomados por uma interpretação superficial dos contextos
históricos, diversos autores e pensadores tomam os liberais clássicos como
conservadores moralistas cristãos, que se vistos hoje, estariam distantes do
ideário liberal clássico e mais afeitos ao liberalismo conservador.
Contudo, há aqui uma grave desvirtuação
de atenção. Vamos tomar como ponto de partida para esta análise, Max Weber. Em
sociologia compreensiva, Weber defende que as sociedades devem ser analisadas e
observadas do ponto de vista DELAS. Ou seja, o observador não deve interpretar
uma sociedade do ponto de vista de sua sociedade, mas deve tentar compreender o
contexto e a composição da sociedade analisada.
E tendo isso como parâmetro, vamos
analisar os pensadores clássicos, como John Locke, Adam Smith, Voltaire e Benjamin
Franklin, só para ficar em poucos. Em primeiro lugar, o que eles questionavam,
de forma unânime? A tirania. Todos em suas diversas obras têm como ponto em
comum a contrariedade ao tirano, ao Rei absoluto que desrespeita o indivíduo, o
ser humano. Isso era ser conservador? Para entender, vamos pensar no que era
liberdade ANTES destes caras?
Em sentido estrito, porém eficaz,
liberdade antes do liberalismo era respeitar a ordem divina imposta pelo dogma.
Deus no céu, o Papa na Terra e os Reis como representantes do poder divino.
Esse foi o ápice do absolutismo, exatamente na mesma época em que o iluminismo
crescia como movimento intelectual. O iluminismo foi, basicamente, a segunda
fase do renascentismo, época onde o protestantismo nasceu. E se os iluministas
vinham desta tradição da renascença, onde filosofias clássicas (grega) eram
retomadas pela Europa católica, então não eram bem “conservadores”.
Defender que o indivíduo deve ser
respeitado apenas por ser um indivíduo e que o poder do Rei NÃO deriva de uma
vontade divina, mas de um acordo social, é PROGRESSISMO. Então cabe perguntar:
os liberais clássicos eram conservadores ou progressistas?
Se eles não tinham a mínima pretensão de
preservar, de conservar o poder divino dos Reis, então evidentemente eram
progressistas! Jamais conservadores. Os primeiros liberais eram cristãos, com
certeza. Até porque saíam de tradições originadas na reforma protestante. E a
reforma protestante foi cristã. Contudo, isso não significa que eram conservadores
de qualquer coisa. John Locke, por exemplo, além de protestante, era também
opositor do Rei Carlos II, junto de seu mentor político, Anthony Ashley Cooper, 1º Earl de Shaftesbury.
Portanto, não há qualquer possibilidade de colocar Locke no seio dos
conservadores, pois se há uma coisa que ele NUNCA FOI é “conservador”. Locke
foi um progressista protestante, defensor da tolerância religiosa e das
liberdades individuais. Se ainda restam dúvidas, fato inegável é que o Primeiro Tratado de Locke é uma refutação
de “Patriarca”, obra de Robert Filmer onde o mesmo defendia o direito divino
dos Reis.
Esta mesma atitude progressista encontraremos
no escocês Adam Smith, no francês Voltaire e no norte-americano Benjamin
Franklin. O que deveria ser óbvio para qualquer estudioso do liberalismo, não o
é. E este desentendimento ocorre por um fato curioso: a não compreensão dos
contextos históricos.
Analisados do ponto de vista de um homem
do século XXI, John Locke pareceria um conservador. Defensor de moralismos
tradicionais. O problema é que a tradição que Locke defendia começou EM SUA
ÉPOCA. Logo, ele não era “moralista conservador”. Ele era um “moralista
progressista”, que jogado no teste do tempo, tornou-se conservador. Mas
tornou-se, pois 200 anos depois de John Locke a sociedade mudou muito. Aqueles que
defendem tradições surgidas há 200 anos, hoje, são conservadores destas
tradições.
Stuart Mill, pensador liberal do século
XIX, é tido como o criador de um “liberalismo progressista”. Ledo engano...
Mill viveu numa época onde surgiam os primeiros críticos do modelo liberal da
época de John Locke. Surgem os socialistas clássicos, como Owen, Fourier e
Saint Simon. Mill foi contemporâneo destes intelectuais e chegou a dialogar
muito com eles, tendo de lidar com os primeiros ferrenhos críticos do
liberalismo. Coube a Mill modernizar o pensamento liberal para o CONTEXTO
social do século XIX. Isso não é tornar o liberalismo um progressismo, é apenas
revitalizar um pensamento progressista aos tempos modernos. Daí a explicação
para muitas das ideias de Mill contrariarem liberais mais antigos do que ele.
Stuart Mill revisitou o liberalismo defendendo-o das críticas socialistas
clássicas
Compreendido que o liberalismo clássico
sempre foi progressista, cabe uma reflexão. O que é o liberalismo do século
XXI?
Muitos conservadores defendem que temas
polêmicos, como aborto, casamento homoafetivo, direitos das mulheres entre outras
coisas são temas “anti-liberais”, pois não condizem com o pensamento dos
pensadores originários do liberalismo. John Locke, o protestante moralista,
jamais seria a favor do casamento homoafetivo, por exemplo. Isso quer dizer que
todo liberal do século XXI (200 anos após Locke) deve ser contra o casamento
gay? Evidentemente que não!
Se os pensamentos ficassem presos em
suas épocas, John Locke não teria existido! E é importante compreender isso.
Locke foi fruto da rebeldia de seu tempo. Tudo o que ele defendia era
anti-moralista em sua época. Ser contra o poder divino do Rei, ser contra a
religião do Estado, ser contra os súditos abaixarem a cabeça para o monarca,
ser contra a submissão social ao monarca, isso era motivo de prisão. Tanto é
que Locke exilou-se na Holanda com seu mentor por um bom tempo.
O liberalismo do século XXI tem dois
desafios globais: compreender o mundo globalizado e lidar com a falta de zelo
pelas ideias liberais, rotuladas e roubadas por uma esquerda revolucionária e
violenta originada no século XX.
Se quisermos manter o liberalismo
clássico puro e moderno, precisamos respeitar o contexto histórico em que
vivemos e a tradição na qual o liberalismo nasceu. Todo liberal surge de um
princípio: a defesa da liberdade. E esta liberdade muda, se retraduz no
andamento natural da sociedade. Por isso é tão importante um retorno aos
clássicos, mas sem nos esquecer de onde viemos. Não somos ingleses do século
XVII ou XVIII. Somos brasileiros, americanos, africanos, chineses e assim por
diante oriundos do NOSSO TEMPO. E devemos compreender isso a luz dos princípios
defendidos por todos os liberais em todas as épocas: liberdade, vida e
propriedade. Princípios base que jamais mudaram, não importando a era onde o
liberal tenha nascido.
Porto, Portugal - 26 de Abril de 2015.
Grato pela leitura,
Sasha Lamounier
Um Liberal Clássico
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