O Futuro da
Economia Brasileira
Um modelo macroeconómico
Por
Sasha
Lamounier
Este texto tem
por objetivo clarificar a situação da economia brasileira, fazendo uso de explicações de economistas, gráficos e estatísticas oficiais provenientes de institutos sérios e do próprio
Governo Federal. Este artigo não pretende ser um panfleto ideológico, embora
seu autor evidentemente tenha uma opinião sobre o assunto e a expõe em todo o corpo do
texto. O objetivo é que o leitor, desde o economista até o mais leigo, tenha
uma mínima compreensão crítica do tema e perceba de fato o que irá acontecer
com seu país e em sua vida nos próximos anos.
Estrutura
do artigo
1. Como
funciona a economia contemporânea;
2. Fundamentos
básicos da produtividade e da formação bruta de capital;
3. O
modelo dos governos recentes e do futuro novo governo (Bolsonaro-Guedes);
4. Perspetivas
e estratégias: uma crítica construtiva;
Ø Como funciona a economia
contemporânea;
Podemos
classificar a economia global em três setores: o mercado financeiro, o mercado
produtivo e o mercado de consumo. Cada um destes mercados está direta ou
indiretamente relacionado ao outro e, como se diz no famoso mote economês, “em economia tudo tem a ver com tudo”. Para
compreender isso, vamos definir o que é cada mercado e como eles funcionam.
A). Mercado
Financeiro;
Quando você ouve
falar de Bolsa de Valores ou quando os bancos (privados e públicos) falam em
investimentos financeiros, na verdade estão falando de alocação pura de
recursos financeiros (dinheiro) naquilo que gera mais ou menos rendimento. A
Bolsa de Valores é onde pedacinhos de empresas e instituições são vendidas para
investidores privados do mundo todo, criando assim um preço de mercado deste
pedaço da empresa. O pedaço é conhecido como “ação” (share, em inglês) e é vendido todos os dias nos pregões das Bolas do
mundo.
Os bancos, por
sua vez, compram e vendem papéis de dívida pública, investem em renda fixa,
previdência, fundos e assim por diante. Trata-se de um mercado baseado tão e
somente na fluidez financeira, por isso se chama “mercado financeiro”. Quando
uma economia é próspera, os mercados financeiros também tendem a ser prósperos,
com muitas oportunidades de investimento e rendimento. Na prática, no entanto,
fundos de investimentos e bancos monopolizam o mercado financeiro, impedindo
que a sociedade entre neste mercado e participe da produção e distribuição de
riqueza. Este é um problema que teremos de tratar ao longo deste texto.
B). Mercado
produtivo;
O mercado
produtivo, por sua vez, são os empreendimentos, os negócios que produzem algum
bem ou serviço de valor na sociedade. E para tanto, há diversos e diversos
nichos de mercado dentro do mercado produtivo. Temos o mercado de tecnologia, o
de manteiga, o de sapatos, o de carros, o de livros e assim por diante. Cada um
deles com suas determinadas características e necessidades. O mercado produtivo
pode ser dividido em uma cadeia produtiva
de três grandes grupos: matéria-prima (commodity), indústria e bens e serviços.
O mercado de
commodity é fundamentado em um grupo de produtos que tem pouca ou quase nenhum
nível de industrialização. São aqueles produtos vendidos em seu estado puro, ou
bruto, tais como petróleo, carvão, trigo, algodão e assim por diante. Na cadeia
produtiva, tais produtos funcionam como instrumento da indústria, que trabalha
estes produtos e os transforma em derivados, como combustível, pão, tecidos
etc. Em seguida, o mercado de serviços é onde os produtos da industria são
comercializados. Então estamos falando de padarias onde o pão é vendido, lojas
de moda onde roupas são vendidas, postos da gasolina onde o combustível é
vendido e assim sucessivamente.
Essa cadeia
produtiva também cria outro conceito importante da economia denominado “divisão internacional do trabalho”. Ou
seja, dado que temos diferentes grupos da produção internacional, temos também
diferentes grupos de atuação do mercado de trabalho. Na agricultura temos o
agricultor, na indústria temos o operário e no setor de serviços temos o
vendedor, por exemplo. Cada posto de trabalho perfaz uma divisão internacional
do trabalho (alocação de recursos humanos internacionais) e tanto a
especialização quanto as vantagens competitivas engendram o estímulo que os
grupos produtivos necessitam para movimentar as cadeias produtivas.
C). Mercado de
consumo;
O mercado de
consumo, por sua vez, é o ambiente onde os produtos, bens e serviços das três
cadeias produtivas são comercializados. O agricultor só pode vender seu trigo
se tiver consumidores, do mesmo modo o industrial e o vendedor de loja. E para
existir consumo, é necessário existir renda. Afinal de contas, o grosso da
economia não funciona mais pelo processo de escambo (ou trocas de produtos),
mas de escala. Se estamos falando de economia de escala, estamos falando de
escoamento de produção e de lucratividade do mesmo.
Aqui entra
diversos fatores que demandam atenção. Para que o consumo seja possível, é
necessário a geração de postos de trabalho assalariado. E para que existam
postos de trabalho, os setores da economia precisam ter disposição para
investimento. Todo investimento é um risco, pois é o desprendimento de um
recurso financeiro em favor de uma aposta de mercado. Por exemplo, uma determinada
empresa só irá construir uma nova fábrica se esta fábrica gerar lucro para sua
empresa. Se não o fizer, esta empresa preferirá ganhar recursos no mercado
financeiro (de ações) do que na produção (fábrica).
Isso significa
que nem sempre quando o mercado financeiro vai bem o mercado produtivo também
vai. Pois se os agentes de mercado (consumidores e investidores) são racionais
(um dos princípios da economia) e tendem a tomar as atitudes mais lógicas a
depender do número de informação disponíveis, então o empresário ou investidor
irá colocar seu dinheiro onde dá lucro e nada mais do que isso.
O mercado
consumidor, portanto, é o que todos compram e vendem em todos os mercados acima
descritos. Tanto na cadeia produtiva, quando no mercado financeiro. Um
investidor que compra uma ação de uma empresa está agindo como consumidor. A diferença
é que ele não está comprando um produto de uso objetivo, mas sim um
investimento. E todo investimento só é válido se ele lhe gerar lucro. Aqui
entra outros conceitos da economia, como inflação, estabilidade do mercado,
simetria de informação e assim por diante. O importante é que o leitor se
lembre de que “mercado consumidor” não é apenas ele que vai numa loja e compra
uma roupa nova. Mas tudo o que é vendido e comprado em todos os mercados
globais.
Este artigo
ficaria imenso se eu tentasse resumir todos os conceitos da economia para o
leitor. Eu parto do pressuposto de que o leitor sabe que cada país tem uma
moeda e que o preço desta moeda é o câmbio. Que sabe também que a divisão internacional
do trabalho modifica a estrutura produtiva de um país e suas potencialidades no
mercado financeiro, gerando incentivos ou desincentivos para o investimento
privado nacional frente ao investimento (e interesses) privados internacionais.
Creio que o leitor também sabe o que são instituições financeiras (bancos,
fundos de investimento) e instituições produtivas (empresas, indústrias etc.).
Posto isso,
vamos adiantar o tema para o segundo composto teórico que gostaria de explicar
e fundamentar bem. Trata-se dos conceitos de “produtividade” e “formação bruta
de capital”. O leitor já sabe o que é produtividade, tendo em conta o pequeno
resumo em “mercados de produção”. Agora iremos investigar o que gera a
produtividade das nações e como uma sociedade pode formar capital para consumo
e investimento interno, visando deste modo complexar sua cadeia produtiva e
gerar mais riqueza.
Ø Fundamentos básicos da
produtividade e da formação bruta de capital;
Para que
qualquer coisa seja produzida, é necessário um conjunto de fatores. Por
exemplo, para que uma empresa construa uma fábrica, é necessário capital, uma
dada facilidade de infraestrutura para o escoamento de produção, é necessário mão-de-obra
para o trabalho, é necessário previamente um mercado consumidor alvo para que o
produto fabricado seja vendido e assim por diante. Então quando uma empresa (nacional
ou estrangeira) pensa em investir diretamente na nossa economia, a primeira
coisa que ela vê são as condições do investimento e se vale ou não a pena o
risco.
Neste sentido,
produtividade está diretamente relacionado a malha produtiva de um país. Os
insumos são mais baratos ou mais caros? Há facilidade ou dificuldade para a
alocação de recursos? Existe capacidade produtiva ou não? Se a resposta for
negativa para duas destas três perguntas, a empresa não irá investir em uma
nova fábrica, por exemplo. Então temos de considerar estes fatores. Mas o
leitor poderá dizer: se a economia está cada vez mais globalizada, não
precisamos nos preocupar com malha produtiva, apenas em aprofundar nossas
vantagens competitivas e deixar os investidores construírem fábricas em outros
países.
Aqui entra o
fator da formação bruta de capital. Digamos que o leitor está certo e que de
fato não é necessário se preocupar com industrialização, mas sim com as
vantagens competitivas de nichos de mercado inseridos na cadeia produtiva
internacional. Isso significa que um país como o Brasil, que possui vantagens em
matéria-prima deve favorecer seus negócios em commodity e deixar a
produtividade industrial de lado. No entanto, de onde vem o investimento dos
grandes produtores de matéria-prima?
Diferentes
mercados de commodity tem diferentes necessidades e desafios. O mercado do
petróleo, por exemplo, é muito favorecido quando o preço do petróleo está alto.
Mas quando ele tem uma queda brusca, todos os negócios em petróleo sofrem
perdas as vezes irreparáveis. Do mesmo modo, na agricultura, é necessário
mercado consumidor em escala para alimentar toda essa gente, gerando valor no
produto ofertado. Então se o Brasil exporta muita soja, o preço da soja deve se
manter mais ou menos estável para que os negócios continuem firmes.
Num cenário
hipotético onde os preços se mantém constantes, portanto estáveis, eu pergunto:
qual é o incentivo para o investidor tirar seu dinheiro de um negócio lucrativo
para alocar em outro? Nenhum! Se o Brasil ignorasse sua indústria, seríamos uma
verdadeira grande fazenda voltada para a economia de escala (internacional) e
pouco para o nacional. Pois o que daria lucro aos agricultores e pecuaristas
seria a exportação (onde se atinge mais consumidores) e menos o mercado
interno, onde há dificuldades para manter os preços competitivos.
O que
aconteceria com uma economia baseada apenas em commodity? Bem, a malha
produtiva seria inteiramente voltada a beneficiar investimentos em agronegócio.
Então mesmo que se abra comercialmente o país, o investidor industrial
estrangeiro não irá abrir uma nova fábrica no Brasil, pois os custos serão
demasiados e o investimento não valerá a pena. Investidores da agropecuária até
poderiam investir no Brasil, comprando terras e criando novas oportunidades de
negócios (foi o que o governo Dilma fez ao vender terras para a China). Mas,
isso significaria entrar em rota de colisão com os grandes produtores nacionais
e sua lucratividade. Então não é tão simples quanto parece.
A formação bruta
de capital (que significa a capacidade de uma sociedade gerar renda para
consumo e investimento), num país dependente de commodity, estaria inteiramente
comprometida, pois só haveria dois mercados para o dinheiro escoar: agronegócio
e setor de serviços. O setor de serviços é todo aquele conjunto de
empreendimentos onde o produto final é vendido. Então grande parte seria
produzido fora (já que um Brasil dependente de commodities não teria indústria suficiente para a demanda interna), para então ser vendido domesticamente. Se os brasileiros não
conseguirem investir bem seu dinheiro e terem altas margens de lucros, também
não conseguirão formar dinheiro para novos investimentos. O que significa que
sua condição ficaria engessada, favorecendo mercados produtivos e financeiros
internacionais, ao passo que o mercado interno ficaria na dependência do
agronegócio e dos serviços. O risco da desindustrialização, portanto, é o empobrecimento da sociedade como um todo, aprofundando desigualdades sociais e impedindo a geração de riqueza.
Os grandes
bancos tem grandes margens de lucro, pois o spread bancário e suas taxas é favorecido
em detrimento das perdas de seus investidores (poupadores). Então por exemplo,
quando você investe em COE (Certificado de Operação Estruturada), apostando
numa possibilidade de rendimento alto e seguro, não lhe é dito qual a chance de
realmente acontecer este rendimento. E se você investe 100 reais em 2018 para,
no pior dos casos, receber de volta 100 reais em 2023, você perdeu dinheiro
pois teve um montante que ficou preso enquanto rendimento artificial por anos,
gerando rendimento apenas para o banco em altas taxas e spread. Este processo
acontece aos montes no sistema bancário brasileiro e impedem a formação bruta
de capital dos poupadores-investidores de pequeno porte.
Os grandes
investidores, que são poucos e que fazem grandes fortunas, investem diretamente
na operação financeira que dá retorno direto, sem intermediários. Por exemplo,
72% de todo o dinheiro investido no mercado financeiro brasileiro vai direto
para dívida pública, pois é ali que o rendimento acontece. Oras, ao invés de
você investir seu dinheiro no banco e nas propostas que o banco lhe oferece,
porque você não investe diretamente no tesouro? Os bancos não dão essa
informação ao pequeno poupador. Seus ganhos seriam muito mais altos e não
haveria o malabarismo que os bancos fazem para render em cima do seu dinheiro,
que ficaria preso por um tempo em benefício do banco.
Isso é só um
exemplo para mostrar como que a sociedade brasileira é enganada em sua já baixa
tentativa de formação de capital e como que vendem um pacote de liberalização
da economia, sem dizer realmente o que isso significa. Precisamos aprofundar
estes estudos e é por isso que, no próximo tópico, procurarei dar um resumo do
que foi feito pelos últimos governos e o que podemos esperar do próximo. Antes,
observe estes dados e vídeos:
Endividamento
das Famílias brasileiras
Ø O modelo dos governos recentes e do
futuro novo governo (Bolsonaro-Guedes);
Antes de
entrarmos na questão do que os governos recentes fizeram na economia brasileira
e do que Bolsonaro promete, observe os seguintes mapas:
Segundo a
EMBRAPA, o bioma da Amazônia é um deserto sem a sua floresta. Trata-se de uma
biodiversidade que se sustenta por si mesma. Ao desmatar, não há terra
produtiva em todo o perímetro da Amazônia. O Cerrado é também improdutivo,
podendo a terra ser trabalhada através de uma série de processos caros e
demorados que somente grandes empresas e grandes agricultores podem arcar. Fora
isso, temos a Caatinga que é um deserto improdutivo e que, seguindo a mesma
lógica do Cerrado, pode se tornar produtiva se houver a infusão de processos
caros de trato da terra. O grosso da produção agropecuária brasileira se
concentra nos Pampas e no bioma da Mata Atlântica, onde também a maior parte da
população brasileira se concentra. Isso se mostra claramente no próximo mapa:
As regiões em
amarelo representam todas as propriedades agrárias (visando o agronegócio ou a
pecuária) do Brasil em atividade neste momento. Em vermelho, estão os centros
urbanos. E por falar em centros urbanos, onde está concentrada a produção industrial
brasileira?
O leitor percebe
que a produção nacional, que já é pouca, está concentrada no Sudeste e no Sul,
com importante participação do Nordeste. Se tivéssemos de resumir o Brasil
seria nisso: um país absolutamente costeiro com um interior inexplorado pela
falta de recursos e capital. Mas podemos ir além. A malha ferroviária de um
país diz muito sobre sua malha produtiva e capacidade de escoamento de
produção. Países como EUA, Índia, China, com territórios continentais como o
Brasil, possuem malhas ferroviárias muito desenvolvidas. A título de
comparação, veja a malha ferroviária chinesa:
E agora compare
com a do Brasil:
Nosso mapa
rodoviário, no entanto, é bem maior e demonstra o quanto dependentes de
rodovias a infraestrutura brasileira está:
O que isso
significa? A dependência de rodovias significa que todo o escoamento de
produção brasileiro (especialmente do setor de agropecuária) é via rodovias,
tornando mais custoso e demorado na alocação de recursos agrícolas. Se houvesse
uma maior malha ferroviária, no entanto, haveriam pelo menos os seguintes
benefícios:
·
Grande
capacidade de armazenamento e transporte de cargas.
·
Capacidade
de deslocar grandes volumes a um baixo consumo de combustível (4 vezes menor do
que no rodoviário).
·
O custo
médio por distância Km/tonelada é significativamente mais baixo se comparado
aos outros meios de transporte de cargas.
·
Não
encontra problemas nas vias de locomoção, visto que as condições dos trilhos
ferroviários encontram-se sempre em ótimos estados operacionais, e a sua
manutenção é periodicamente realizada.
·
Menor risco
de danos à carga por conta de fatores externos (roubos, furtos e acidentes).
·
A Redução
de custos influencia positivamente nos custos de produção.
Então se até
mesmo para o nosso forte, que é o setor de commodities, a malha rodoviária
significa custos consideráveis, imagine para a produção industrial, onde temos
menos incentivos ainda, com pouca mão-de-obra qualificada e pouca
infraestrutura.
Durante os
governos FHC e Lula 1, o Governo Federal teve como prioridade a estabilidade
financeira. Ou seja, a garantia de que a moeda se manteria mais ou menos
estável diante das crises internacionais e que o ambiente produtivo no país se
manteria equânime, de modo a favorecer setores-chave da economia brasileira e a
produtividade interna. No período Lula, tivemos um boom nos preços das
commodities, que favoreceu em grande escala os produtos brasileiros. Houve
alguma tentativa de investimento em infraestrutura no Programa de Aceleração do
Crescimento 1 e 2 e a promoção de uma nova política macroeconómica, visando
estimular a produtividade interna.
O grande erro do
governo Lula 2 e dos governos Dilma foi que, nesta tentativa de se estimular a
produtividade interna, não foi levado em conta que não tínhamos formação bruta
de capital, afinal o boom das commodities foi aproveitado para favorecer um
boom de consumo no setor de serviços. Algo que mais tarde geraria uma crise de
endividamento. O bem-estar de muita gente melhorou, mas isso não significou
produção de riqueza e tampouco capacidade de investimento da parte da sociedade
civil e dos investidores nacionais. A economia ficou engessada. Especialmente
com as barreiras comerciais levantadas em 2011 e 2012 pelo governo Dilma
visando estimular os produtores internos.
Faltou visão aos
governos petistas para formar uma malha produtiva que pudesse beneficiar, no
médio prazo, a formação de capital e a produtividade nacional. Em 2016 houve o
impeachment e o vice-presidente Michel Temer assume diante de uma grande crise
financeira (crise de confiança na moeda e no mercado brasileiro, alimentado por
uma pós-crise nos preços das commodities) com um discurso liberalizante. Temer
aposta numa tentativa incipiente e superficial de diminuir o Custo Brasil (denominação
genérica dada a uma série de custos de produção, ou despesas incidentes sobre a
produção, que tornam difícil ou desvantajoso para o exportador brasileiro
colocar seus produtos no mercado internacional, ou então tornam inviável ao
produtor nacional competir com os produtos importados).
No entanto, a
crise de confiança permaneceu, dada a instabilidade política e as diversas
greves e manifestações, sem falar das denúncias de corrupção, que poderiam
colocar em risco reformas consideradas importantes pelo mercado financeiro.
Isso porque o mercado financeiro (internacional e nacional) investem
fundamentalmente em dívida pública, na aposta de que o governo irá honrar com
seus compromissos. Se o défice público é muito grande e a dívida entra numa
escalada de ascensão constante, isso deixa os investidores temerosos de um
default.
Por isso, Temer
(através de seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles) promoveu reformas que
beneficiassem uma pequena produtividade interna a fim de impedir que o rombo
fiscal se tornasse um problema absoluto e impedisse a entrada de investimentos
estrangeiros. Neste sentido, Temer foi uma pílula de açúcar (efeito placebo)
para tapar um problema que não depende de paliativos financeiros, mas de
reformas estruturais na malha produtiva. Diante deste fator, as eleições de
2018 colocaram em xeque quais alternativas estavam se predispondo para mexer ou
não neste problema estrutural. O candidato eleito, porém, representou uma
continuidade das promessas de Temer ao mercado financeiro.
E mais ainda, o
governo eleito (Jair Bolsonaro), através de seu futuro ministro da Economia
(Paulo Guedes) representam um conjunto de ideias bem mais radicais do que as
propostas por Temer. Economicamente falando, Guedes propõe uma forte
liberalização da economia, promovendo uma radical abertura comercial e um
conjunto de privatizações, visando com isso atingir dois objetivos: arrefecer o
impacto da dívida, acabar com o rombo fiscal e deixar para a iniciativa privada
toda a capacidade produtiva.
Mas como vimos
anteriormente, para que este projeto tenha possibilidade de sucesso, o problema
da malha produtiva (a qual podemos resumir em educação e infraestrutura)
precisa ser debatida e atingida concretamente. Sem melhoria nos níveis de
educação, faltará mão-de-obra qualificada. E sem melhoria na infraestrutura do
país, faltará ambiente para a produção. Considerando que o Brasil não tem
capital interno suficiente para o investimento, sobra para o capital externo. E
como vimos, o capital externo não irá investir numa fábrica se isso não for
lucrativo para si. Eles pretenderão continuar investindo no mercado financeiro,
onde o lucro é menos arriscado do que num país cuja malha produtiva
praticamente inexiste.
Isso nos leva a
dois resultados prováveis. O primeiro deles é que, a grosso modo, as propostas
liberalizantes de Paulo Guedes não alterarão nada no setor produtivo, mantendo
o agronegócio como o carro-chefe e o setor de serviços como a grande fomentadora
de bem-estar social. É possível o barateamento de alguns produtos, dado a
internacionalização da economia e a entrada de produtos estrangeiros. No entanto,
isso não significa no médio prazo a garantia de poupança e tampouco de
investimento, que continuarão concentrados no mercado financeiro e no
agronegócio.
O endividamento
das famílias brasileiras ainda é uma questão primordial. Estimular o consumo
com uma abertura comercial gerará uma euforia de curto prazo, promovendo uma
nova rodada de consumismo na sociedade brasileira. No setor produtivo,
favorecerá a importação de alguns insumos. Mas estes insumos não beneficiarão a
criação de novas indústrias no país, pois não temos malha produtiva. Poderá
beneficiar o surgimento de novos negócios no setor de serviços e talvez alguns
equipamentos no setor de commodities. Mas em termos gerais, não modifica a
estrutura da economia brasileira.
O problema do
endividamento é que os bancos não estão interessados em renegociar dívidas.
Estão interessados em ganhar nas taxas e no spread, mantendo sua alta
lucratividade. Banco não vê gente, vê números. E é isso que os interessa. Se
grande parte da população está com o nome no SPC, por exemplo, então a euforia
como dito anteriormente terá um prazo de validade até que todo mundo aprofunde
seu endividamento e acabe trabalhando em qualquer coisa para poder pagar
dívidas.
Ai que entra
outro fator perverso da proposta de governo Bolsonaro: direitos trabalhistas. É
verdade que uma reforma da CLT era necessária, visando moderniza-la e torna-la
mais maleável para a condição da economia brasileira. É verdade também que
outras reformas, como da previdência, tributária e investimentos pesados em
infraestrutura são importantes para favorecer o mercado de trabalho. Mas não
investindo em educação e nem em infraestrutura, uma abertura indiscriminada de
empregos sem o abrigo da CLT favorecerá o subemprego e os abusos de salários (sempre
abaixo do mínimo).
A ideia de uma “carteira
de trabalho verde e amarela” não significa a geração de empregos, mas a geração
de empregos sem o abrigo dos direitos trabalhistas, algo que pode ser entendido
através de uma frase muito dita por Jair Bolsonaro: “O povo tem de escolher
entre trabalhar sem direitos ou ter direitos e não ter trabalho”. Oras,
trabalhar sem direitos, sem garantias fundamentais, permite que não apenas o
subemprego se institucionalize, mas também não garante melhoria no rendimento
dos brasileiros. Se eles já estão endividados, se não tem especialização e se
não há infraestrutura que permita uma alocação de recursos humanos mais eficiente,
então os brasileiros estão condenados a uma vida de semiescravidão, onde
trabalharão para pagar dívida e para sustentar uma rede de interesses
financeiros perversa.
A demografia possui
um papel importante nesta análise, assim como os mapas da estrutura produtiva
nacional. Basicamente, o Brasil não tem tantas terras produtivas como se
imaginava e não temos um número suficiente de indústrias que favoreçam a
produção de riqueza nacional. Ao mesmo tempo, temos uma sociedade que está no
final do boom demográfico e caminha para um aprofundamento do envelhecimento.
Isso significa que teremos menos força de trabalho nas próximas décadas do que
temos agora e que, configurando-se tudo o que foi dito até aqui, o Brasil
caminha para um século inteiro de subdesenvolvimento e aprofundamento das suas
desigualdades sociais.
Ø Perspetivas e estratégias: uma
crítica construtiva;
Criticar sem apresentar
alternativas pragmáticas ou estratégias para resolver o problema não contribui
para o debate, que já anda bastante ignorado no Brasil contemporâneo. É por
isso que dedico este espaço a seguir para propor soluções que podem (ou
poderiam se fossem adotadas) diminuir o peso destes problemas e favorecer um
desenvolvimento robusto na segunda metade do século XXI no Brasil. Como vimos,
temos um problema produtivo que passa pelas instituições financeiras (e seus
interesses) e pelo endividamento da sociedade brasileira.
Precisamos
atacar os dois problemas frontalmente. Isso significa promover uma reforma
bancária dentro de uma reforma estrutural da economia brasileira, demandando
investimento público em educação, segurança, infraestrutura e saúde. A
sociedade precisa estar minimamente assistida e possuir informação para a
formação bruta de capital e para o investimento interno. A abertura comercial é
também importante, mas precisa ser orientada para favorecer a produtividade e
não apenas o consumo.
Com a reforma
bancária, vem também um plano de refinanciamento da dívida da sociedade civil e
dos estados e municípios. O Governo Federal pode e deve diminuir encargos,
cortando especialmente no funcionalismo público. Isso significa, contudo, bater
de frente com os interesses de setores complicados da sociedade, como os grupos
jurídicos e militares, que representam gastos anuais consideráveis para o
erário público. Uma abertura comercial no setor bancário é bem-vindo, pois
acirra a concorrência e dá opções para os cidadãos brasileiros.
Ao contrário do
que parece, o governo liberalizante de Bolsonaro-Guedes não é um governo
liberal, pois não é descentralizador. É um governo concentrador e que favorece
a estrutura monopolista dos bancos privados brasileiros e dos interesses do
mercado financeiro nacional e internacional. As reformas de Estado do período
Temer e as propostas de Bolsonaro vão na contramão do que precisamos fazer,
pois não estimulam a produção de riqueza, mas sim o consumo e os setores
concentrados da economia para que a dívida seja paga ou entre num círculo
virtuoso de sustentação.
Se houvesse
preocupação do governo eleito em resolver nossos problemas, haveria uma tropa
de choque contra os interesses financeiros e bancários e um pacto federativo e
republicano visando favorecer o cidadão brasileiro em sua busca por melhora nos
níveis de poupança. Uma sociedade só enriquece se houver trabalho e poupança.
Subemprego não é trabalho e aprofundamento do endividamento das famílias não é
poupança. Os próximos 4 anos, a depender da oposição da sociedade civil e do
estamento político, podem significar uma perda profunda da capacidade
geracional da sociedade brasileira entrar num ciclo de prosperidade na segunda
metade do século XXI.
A euforia dos
mercados e do consumo com as propostas de Guedes são de curto prazo, pois a
realidade é a de uma economia desindustrializada, sem malha produtiva,
altamente dependente de commodities e do setor de serviços, com uma sociedade
endividada e uma alta concentração bancária. Não é uma fórmula que pode dar
certo. Não deu muito certo nos governos petistas e não tem como dar certo num
governo que promete ser a antítese dos governos petistas. O fluxo de
concentração de renda continuará, a dinâmica de enfraquecimento do mercado de
trabalho nacional também continuará e o Brasil vai se distanciar mais e mais
das nações desenvolvidas diante de sua pouca complexidade económica e de sua
tímida inserção na divisão internacional do trabalho.
Para que este
texto não pareça inteiramente pessimista, gostaria de indicar que se houvesse um
investimento coordenado do Estado no favorecimento de educação especializada em
Tecnologias da Informação associado com a entrada de investimentos externos,
haveria a possibilidade de, neste contexto, o Brasil iniciar um processo
semelhante ao da Índia no médio-longo prazo. Seria uma saída para o cenário
dantesco em que nos encontramos diante da revolução tecnológica. Mas seus
resultados demandariam tempo e não contribuiriam no curto prazo com os problemas
estruturais da economia e sociedade brasileira.
A verdade é que
o Brasil é um país onde o vácuo de informação e de coordenação política na
convergência de interesses nacionais genuínos, da sociedade como um todo e enquanto
comunidade, é tamanha que poucos setores conseguem criar uma cortina de fumaça
e pautar o debate público. Este texto é uma das poucas críticas a este cenário
e mesmo assim é capaz de encontrar resistência de indivíduos de classe média
que acreditam, verdadeiramente, que o modelo de governo Bolsonaro os irá enriquecer.
Tais pessoas acreditam que consumo e níveis de bem-estar material representam
riqueza, enquanto todos os investidores realmente milionários sabem que riqueza
é capacidade produtiva e de investimento, não o consumo.
Que possamos,
pelo menos, iniciar este debate visando a segunda metade do século XXI. No
atual cenário, este autor acredita que já perdemos as próximas décadas. Talvez,
se começarmos agora, poderemos salvar as décadas pós 2050 e favorecer um final
de século próspero e vantajoso para toda a sociedade brasileira. Se
conseguirmos, o século XXII poderá ser o grande século brasileiro. Mas para
isso, temos de começar agora a debater as estruturas de país que queremos para
nós e para nossos filhos, netos e bisnetos. Precisamos pensar enquanto
comunidade, não como indivíduos e seus interesses passageiros. Precisamos de
uma visão de longo-prazo.
Obrigado pela
leitura,
Sasha Lamounier
Jornalista, Brasileiro
vivendo em Portugal
Um Liberal Clássico