Entre Dogma e Realidade
Por
Sasha Lamounier
Em seu livro “Fundamentos da Liberdade”,
no Capítulo IV - Liberdade, Razão e Tradição - página 55 (1 As duas tradições de liberdade) [1], Hayek afirma que há duas tradições iluministas. A inglesa (dita
empirista) e a francesa (dita racionalista), da qual o libertarianismo teria
origem. O liberalismo, segundo Hayek, seria totalmente fruto da tradição
inglesa.
O equívoco dessa afirmação se mostra, em
primeiro lugar, no fato de não existir clara divisão entre liberais franceses e
ingleses. Se por tradição inglesa entendemos o empirismo e francesa o
racionalismo, há de se notar que durante o período de desenvolvimento das teses
liberais tanto pensadores ingleses quanto franceses, de ambas as tradições, se
influenciavam mutuamente. John Locke influenciou Voltaire que influenciou Adam
Smith que por sua vez influenciou Bastiat. Ou seja, o eixo aqui não é nacional
e nem principiológico: todos os liberais citados tinham por base os mesmos
princípios.
Hayek se lembra disso, mas aponta para a
diferença metodológica. Locke (junto de Hume) é considerado o pai do empirismo,
e por isso não poderia ter tido conclusões racionalistas. Contudo, isso não é
completa verdade. O empirismo de Locke e Hume era também racionalista. Não
havia divisão! Popper (Lógica do método científico) [2] notou isso (página 27, O Problema da Indução), demonstrando o
erro da não falseabilidade dos experimentos dos clássicos empíricos. Uma
amostra singular não pode representar uma verdade universal indutiva, visto que
isso seria um salto lógico sem evidências, portanto, puramente racional.
Antes de Popper, inclusive, Kant já
havia feito críticas tanto ao empirismo (Crítica da Razão Prática) quanto ao
racionalismo (Crítica da Razão Pura).
Portanto, é simplesmente falso de que
havia distinção entre racionalistas e empiristas. Os liberais clássicos eram,
na verdade, ambos. O empirismo inglês fundado com Locke e Hume não era “100%
empirista”. Do mesmo modo Descartes, o matemático francês, não era 100%
racionalista. Em ambos os casos a prática, a evidência e a conclusão lógica se
mostravam notavelmente.
Um exemplo prático é diferença entre as teses do contrato social em Locke e em Rousseau. No inglês, trata-se de uma visão fundamentalmente empírica, porém, com conclusões racionalistas, visto que não era possível pela evidência, fazer uma conclusão da parte para o todo. Rousseau, por outro lado, tem uma visão fundamentalmente racionalista, porém que se baseia na realidade de sua sociedade (empirismo) para chegar as conclusões lógicas.
Liberalismo clássico é, portanto, uma
escola que inclui iluministas da tradição francesa e inglesa. Contudo, não há “liberalismos”
diferentes, mas apenas um: o clássico. Pode-se afirmar que houve Iluminismos
diferentes. Mas não liberalismos.
Após os clássicos, surgem diversas
outras teorias econômicas e políticas, originadas todas elas do filho
primogênito do iluminismo: o liberalismo. E do liberalismo surgirá
nacionalismo, socialismo, libertarianismo, marxismo, anarquismo e assim por
diante.
Evidente que uma tradição racionalista
foi surgindo na França oitocentista gradativamente. Também por isso pode-se
afirmar que a França é o grande celeiro do socialismo e anarquismo. Mas no
princípio, quando os iluministas trabalhavam ainda em seu primeiro filho (o
liberalismo) não havia esta cisão intelectual clara. Empiristas e racionalistas
se influenciavam mutuamente e somente com o tempo que cada tradição foi
ganhando um escopo mais definido e rígido.
O “novo liberalismo” pode ser
compreendido como a escola liberal surgida dos racionalistas puros. Estes, por
sua vez, são aqueles fundamentados em teses apriorísticas, sem qualquer
evidência na realidade. Com o marginalismo, surgem as doutrinas econômicas
racionalistas. E através deste movimento, surgiria um liberalismo dogmático,
mais tarde conhecido como libertarianismo. Aqui nasce o minarquista libertário,
surge o anarco-capitalista e toda a interrupção do processo liberal.
Por parte da tradição empírica, sobrariam
evidentemente os clássicos (empíricos e racionalistas), mas também os
ordoliberais e neoliberais (Milton Friedman, Hayek).
Libertarinaismo (assim como o
nacionalismo, anarquismo, socialismo etc) não usam do método científico, da
empiria, para classificar suas teses políticas. E raramente usam para suas
teses econômicas. Neste sentido surge uma cisão.
Hayek aponta para uma cisão anterior,
ainda no período clássico. O que, como citado nos primeiros parágrafos deste
artigo, não é verdade. A cisão ocorreria com o movimento marginalista e criaria
de um lado liberais clássicos (empíricos e racionalistas) e de outro
libertários (somente racionalistas).
Por isso os liberais clássicos são conhecidos
como necessariamente pragmáticos, pois usa da evidência, da realidade para
buscar sua meta de liberdade individual máxima, livre mercado e governo mínimo.
Já os libertários são dogmáticos, pois acreditam numa ética racional superior e
que deve ser buscada independente das práticas. Perto da esquerda (anarquistas
e socialistas) estão, portanto, os libertários, que utilizam o mesmo método de
raciocínio para chegar a suas conclusões de inverossimilhança.
Por Sasha Lamounier
Um Liberal Clássico
Porto – Portugal
29 de Abril de 2015
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[1] http://www.libertarianismo.org/livros/fahofdl.pdf
[2] https://ocondedemontecristo.files.wordpress.com/2011/05/popper-karl-a-logica-da-pesquisa-cientifica.pdf